Vaza, fake news! Como a educação midiática estimula o pensamento crítico dos estudantes?
A comunicação dá sentido a práticas pedagógicas que adotam o diálogo, a expressão e a criação na aprendizagem para a formação cidadã
por Bruno Ferreira 21 de outubro de 2022
Não é de hoje que se discute a importância de educadores se colocarem como mediadores da prática pedagógica. Paulo Freire, em seus escritos, defende essa ideia enfaticamente. Para ele, professor não é transmissor de conhecimento, mas um facilitador de sua construção. Nesse sentido, precisa dialogar com os estudantes e estimular que estes dialoguem entre si, a fim de se colocarem como agentes do conhecimento e não como meros receptores de informações.
Nesse sentido, a comunicação é central numa prática educativa que visa a construção de um pensamento crítico. Isso porque, ainda numa visão freiriana, educação é comunhão, o que envolve participação e o reconhecimento do saber prévio do educando. É nesse sentido que Freire propõe o diálogo como método de uma educação comunicativa, capaz de desenvolver autonomia e criticidade.
Temos, assim, a comunicação como um processo fortalecedor das práticas educativas, que tem a ver com a postura dialógica do educador. Essa postura envolve a aplicação de métodos de ensino que favoreçam a interlocução entre estudantes, sua intervenção na realidade e reflexão sobre esta. Isso é possível a partir das tão faladas metodologias ativas, que estimulam resolução de problemas reais, para os quais os estudantes devem diagnosticar a realidade para propor intervenções, como a criação de protótipos e execução de projetos.
O uso de mídias em sala de aula pode ajudar a dar significado a propostas pedagógicas dessa natureza, uma vez que fazem parte da cultura digital e dos hábitos dos mais jovens, que não apenas acessam conteúdos online para se entreterem, mas também possuem suas próprias audiências nas redes sociais, para a qual produzem vídeos, memes e outros conteúdos.
Dessa forma, a escola abre-se ao repertório do estudante, acolhendo-o para, a partir dele, introduzir novas perspectivas, inclusive quanto ao uso das redes sociais e recursos digitais. Assim, sugerir que estudantes analisem, produzam e engajem pessoas a partir das mídias, por exemplo, é uma forma de potencializar o diálogo sem o qual não é possível significar informações e, consequentemente, construir conhecimento.
Por essa razão, a educação midiática é uma abordagem exitosa no sentido de desenvolver o pensamento crítico de estudantes, uma vez que defende uma postura ativa diante das mídias e da informação, seja no sentido de decodificá-las criticamente, seja numa produção de conteúdo criativa e reflexiva, em que o estudante pensa sobre sua intenção e responsabilidades como autor.
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A educação midiática também constrói espaços de participação social para o estudante, que percebe o potencial das mídias para transformar realidades e não apenas como forma de entretenimento e lazer. Nesse sentido, podem engajar pessoas e propor soluções para problemas identificados por eles mesmos, através de campanhas de sensibilização e produção de informação para sua própria comunidade, reforçando o seu pleno exercício da cidadania ainda na condição de jovens estudantes.
É nessa perspectiva que projetos como o Imprensa Jovem, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, atuam. Sob o referencial teórico da educomunicação, estudantes de Ensino Fundamental criam conteúdos sobre suas realidades, incidem como comunicadores em espaços predominantemente adultocêntricos, fazendo-se ouvir, além de informar e sensibilizar pessoas para temas relevantes da atualidade.
Um exemplo bastante exitoso nesse sentido é o curta-metragem Vaza, Fake News!, produzido pelo projeto Henfilmes, um dos núcleos do Imprensa Jovem. Dele fazem parte estudantes da EMEF Henrique de Souza Filho. Em 2019, eles produziram um vídeo, roteirizado coletivamente pelos estudantes, contando a história de uma mentira que viralizou na escola sobre supostos efeitos nocivos da vacina contra febre amarela. Já naquela época, lamentavelmente, já circulavam conteúdos de caráter negacionista e anti-vacina. O vídeo já foi visto por mais de 5 mil pessoas e o canal do YouTube do projeto conta com 176 mil inscritos.
Essa experiência demonstra, definitivamente, a potência que o trabalho com mídias, numa perspectiva dialógica, possui: estudantes exercem seu direito à comunicação e contribuem com o ecossistema informacional, produzindo conteúdos capazes de informar, sensibilizar e mobilizar pessoas. Isso é, no entanto, consequência de um processo comunicativo capaz de estimular o questionamento, a investigação e a criação, sem os quais não há possibilidade de construção do pensamento crítico.
Bruno Ferreira
É assessor pedagógico do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta.