Como abrir espaço para o desenvolvimento de criatividade e pensamento crítico
Evento do Instituto Ayrton Senna discute o que precisa mudar na escola e nas políticas públicas beneficiar a aprendizagem; baixe grátis documentos de referência
por Vinícius de Oliveira 10 de março de 2020
Entre 2000 e 2018, houve um aumento de apenas dois pontos percentuais no número de estudantes que sabem distinguir fatos de opiniões, para os atuais 9%, segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Se há 20 anos a discussão girava em torno da inclusão digital, hoje tudo está ao alcance de um clique, que pode levar a uma fonte de informação falsa ou verdadeira, seja em buscadores ou em redes sociais. Neste sentido, saber como avaliar conteúdos criticamente e fazer julgamentos éticos é cada dia mais importante e a escola é o lugar onde isso precisa ser trabalhado desde cedo.
Na última quinta-feira (5), o Instituto Ayrton Senna promoveu o Seminário Internacional Criatividade e Pensamento Crítico na Escola para mostrar que esses temas podem ser desenvolvidos diariamente durante as atividades em sala de aula. Ao comentar como o tema é trabalhado no Brasil, Andreas Schleicher, diretor de educação da OCDE, foi enfático: “No Brasil, os estudantes aprendem de forma rasa. Eles sabem bastante conteúdos, mas não como conectá-los entre si”, disse.
Para Schleicher, a mudança não virá somente com a ampliação da jornada escolar ou com mais exercícios para lição de casa, mas sim com um novo modelo de ensino que permita aos estudantes desenvolver uma mentalidade de crescimento em que passem a acreditar que são capazes de ser bem-sucedidos na escola. “Quando pensam assim, o medo de errar diminui e aumenta motivação para aprender. E é aqui que entra a criatividade. Se queremos que as crianças sejam criativas, precisamos dar espaço para experimentação e assumir riscos”, explicou.
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Na era digital, insistiu o dirigente da OCDE, é preciso preparar as crianças para obtenção de habilidades não-rotineiras e de análise, além das socioemocionais. Usando uma bússola como base, ele demonstrou como é importante apresentar o conhecimento de forma disciplinar para depois fazer relações e exercitar o intelecto. Mais importante que conteúdo sobre química, é saber pensar como cientista. Mais importante que fatos, é saber pensar como historiador. “O pensamento crítico nos ajuda a viver em um mundo complexo, com muitas variáveis. Precisamos estar abertos ao que vai acontecer. Tão importante quanto aprender é saber dar um passo atrás e rever nossas crenças.”
Quando se olha para o mercado de trabalho, as profissões mais inovadoras exigem antes de tudo alguém que tenha a capacidade de gerar novas ideias e soluções, assim como de questionar e apresentá-las em público, de acordo com um estudo de 2014 da própria entidade. “O pensamento crítico deixou de ser um extra para se tornar uma exigência”, disse. No entanto, Schleicher alerta que pensamento crítico deve ser tratado de forma transversal no currículo das escolas, aliado ao desenvolvimento de boas práticas que sejam desafiadoras; que coloquem o aluno para desenvolver projetos que destaquem o papel ativo do aluno em sua aprendizagem; que deem chance ao inesperado; e garantam tempo para o aluno comentar e receber uma avaliação específica sobre seu desempenho.
Primeiros passos
Todd Lubart, professor de psicologia da Universidade Paris-Descartes (França) disse que a sociedade já entende que é importante desenvolver a criatividade, mas infelizmente não existe um consenso sobre como fazer isso. Antes de se debruçar sobre documentos, a criatividade pode começar a ganhar espaço com mudanças simples no espaço de aprendizagem, algo que o professor pode começar por conta própria.
“Mexer no espaço de aula é a coisa mais fácil a se fazer. Existem estudos que provam que ter espaços verdes própria sala de aula, janelas que permitem ver o mundo fora da escola e alterar a organização de carteiras são ações favoráveis. Mas que tal ouvir o que as crianças acham que pode ajudar?”, indagou. Além disso Lubart, recomenda que professores também podem decorar a sala com objetos que simbolizam a criatividade, como a lâmpada, ou pôsteres do físico Albert Einstein com frases inspiradoras.
Na França, Lubart desenvolve um projeto de pesquisa chamado GLIPS junto ao ministério da educação local que leva a avaliação de criatividade para dentro das escolas. Nele, um estudante interage com um chatbot (robô em forma de software) para criar uma história e, a partir dos dados, é possível medir o nível de criatividade e colaboração envolvidos na conversa.
Políticas públicas
O evento contou ainda com debate sobre como integrar o desenvolvimento de criatividade e pensamento crítico às políticas públicas. Com a mediação de Maria Helena Guimarães, do CNE (Conselho Nacional de Educação), Alice Ribeiro, do Movimento Pela Base, e Mozart Neves Ramos, conselheiro do Instituto e membro do CNE, debateram como a temática pode entrar nos currículos e programas de formação de professores. “É preciso formação acadêmica sólida, liberdade para criar e desenvolver e promover um ambiente inspirador para os estudantes; é necessário também ter coragem para o enfrentamento das necessidades que importam para as crianças e para os jovens desse país”, disse Mozart.
Um caso que ilustra essa experiência foi realizado em Chapecó (SC). Entre 2015 e 2017, a rede pública recebeu um programa de formação de professores para a implementação de novas formas de promover e acompanhar o desenvolvimento da criatividade e do pensamento crítico de estudantes dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio, por meio de uma parceria entre OCDE, IAS e a FIESC (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina). Laura di Pizzo, especialista do Instituto Ayrton Senna que liderou a implementação do projeto, fez um relato sobre a experiência e sobre a intencionalidade das aulas. “Com as rubricas de avaliação, os professores nos relataram uma mudança na sua prática e na maneira em como planejavam atividades”, contou.
O evento também marcou o lançamento do estudo “Desenvolvimento da Criatividade e do Pensamento Crítico dos Estudantes – o que significa na escola”, da OCDE, e do guia “Criatividade e Pensamento Crítico: um guia para pensar o agora e criar futuros”, do IAS, que apresentam referências e inspirações para gestores e educadores da educação básica. Ambos têm acesso gratuito.