Como estimular a imaginação pedagógica
Jack Dieckmann, professor da Universidade de Stanford (EUA), mostra como a matemática pode ser apresentada às crianças de forma atraente
por Laís Semis, da Nova Escola 25 de maio de 2018
O que define uma aprendizagem poderosa em matemática? Para o professor e pesquisador Jack Dieckmann muito desse poder está associado às relações que criamos entre matemática e a vida cotidiana e a possibilidade de explorarmos essas relações. Jack trabalha na Escola de Educação da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e dirige pesquisas voltadas para as aplicações da neurociência no ensino da matemática. Seus estudos incluem os conceitos de mentalidade de crescimento baseados na eficácia da aprendizagem da plataforma Youcubed, que contém materiais de apoio para o ensino da disciplina.
“Muitos dizem que não são pessoas de matemática, e sim de história ou das letras, mas queremos mostrar a elas que a matemática está envolvida em nosso dia a dia”, diz Jack. Em visita ao Brasil, ele deu exemplos claros durante sua palestra no evento “Mentalidades Matemáticas”, iniciativa da Fundação Lemann (mantenedora de NOVA ESCOLA), em parceria com o Itaú Social e o Instituto Sidarta. Jack começou pelo próprio cálculo do tempo para chegar até o evento: quanto tempo gasto para o café da manhã, na troca de roupa e no deslocamento. “Todas essas estimativas e fatores considerados já fizeram com que a gente usasse muita matemática”, diz. Apesar dessa proximidade com as ações cotidianas, a disciplina ainda “dá medo” nas crianças e adolescentes na escola.
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Esse comportamento está ligado ao fato de as pessoas não enxergarem essas relações – e a escola não cria essa aproximação. O resultado é o desinteresse por uma disciplina que parece apenas se complicar ao longo dos anos. “Conseguimos mais engajamento com atividades que são pessoais. Na aproximação com os temas, a atividade é mais produtiva, transformamos esse interesse pelo tema em um objeto matemático”, aponta o professor.
Ele conta que consegue encontrar matemática em todos os vídeos que pesquisa no YouTube – e que fazem muito sucesso em seu trabalho com crianças. Jogos também despertam esse interesse. A dinâmica é mais comum nos primeiros anos da escola. “Depois que avançam, a aula fica entediante porque nós, professores, só falamos. Quando brincamos, o cérebro fica ativo e os jogos podem ser a porta de entrada para a matemática”, diz. O pesquisador deixa um recado para os professores interessados em engajar os alunos em suas aulas: “É preciso estimular a imaginação pedagógica. As possibilidades são muitas além das tradicionais”.
Comportamento
Apesar do objetivo final ser a aprendizagem dos alunos (e ampliar a mentalidade de aprendizagem), essa construção passa também por provocar a mentalidade de quem está à frente dessa ação. Professores (e também os formadores de professores) precisam exercitar sua imaginação pedagógica ao praticar com os estudantes. “Todos podem se beneficiar dessa mentalidade de crescimento”, diz Jack Dieckman. “A forma como o professor organiza as suas atividades influencia no seu trabalho de sala de aula”.
Para o professor e pesquisador, nesse processo, outros fatores entram nessa conta. Um deles é a confiança no trabalho dos alunos e no seu próprio. “As crianças sempre nos surpreendem. Muitas vezes, achamos que é melhor diminuir o tamanho do desafio, mas isso pode limitar muito uma experiência”. Outro ponto é a importância da interação e voz ativa de todos os envolvidos na atividade. “Sabemos que quem mais fala, é quem mais aprende. Quanto mais trocamos, mais aprendemos. Por isso, os professores devem estimular também os alunos mais tímidos a participarem mais durante as atividades”, acredita Jack. O trabalho em grupo favorece essa troca.
Uma possibilidade para melhorar a dinâmica de participação dos alunos é estabelecer regras que são importantes no desenvolvimento do trabalho em grupo. Jack apresentou algumas regras que criou para a sua própria palestra, que contava com momentos de discussão em grupos. Elas também podem inspirar o trabalho com sua turma:
1. Falar suas próprias ideias
2. Fundamentar suas ideias com argumentos
3. Escutar os outros, dando a cada um a chance de falar
4. Solicitar as ideias dos outros (no caso dos alunos que não estão participando)
5. Discutir a maior quantidade possível de ideias
“Talvez para os adultos isso não seja necessário, mas para as crianças é importante explicar como queremos que trabalhem em grupo”, alerta. Ao promover um ambiente em que as crianças são ativas, aquele se torna também um espaço para explorar e criar uma estrutura de valorização das descobertas e ideias das crianças. Com isso, as crianças se sentem confiantes em expor suas ideias.
Erros fazem parte do percurso
Em uma das dinâmicas, Jack Dieckman pediu aos professores para testar o uso dos jogos swish e set. Depois de 20 minutos, ele questionou o que os participantes haviam visto em termos de matemática nesses jogos. Pensamento geométrico, pensamento lógico e análise combinatória foram algumas das respostas dadas pela plateia. A valorização do processo e não apenas do resultado também ficou evidente para os jogadores. “Quando jogamos o set, inicialmente não ficou muito claro para o grupo quais eram os critérios de escolha das cartas”, relatou uma professora participante. “Mas a partir dos erros, o critério ficou mais claro”.
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Além dessa auto-observação sobre o processo, o professor também pode ficar de olho nas interações ou levantar perguntas que estimulem esse compartilhamento da experiência. Jack enfatiza que mesmo a opinião dos alunos mais céticos pode ser importante para questionar padrões – seja da atividade que está sendo realizada ou mesmo do processo de aprendizado dos alunos. O mesmo vale quando há discordância na discussão em grupo. “Os alunos têm que resolver essa polêmica e o que surge disso pode ser um insight poderoso. Mas isso aparece quando os alunos exploram, não porque o professor disse algo”, explica Jack. Para ele, acontece muito em matemática de se concentrar nas respostas finais, se estão certas ou erradas. “Mas é tão importante quanto analisar como os estudantes estão entendendo aquele conteúdo”, diz o professor de Stanford.
*** Publicado originalmente no site da NOVA ESCOLA e reproduzido mediante autorização