Como o Pokémon GO facilita aprender diferentes disciplinas
Em busca da explicação para a febre do jogo de realidade aumentada, o Porvir conversou com especialistas e professores, que argumentaram que a tecnologia não é a responsável pelo sucesso do game
por Maria Victória Oliveira 27 de setembro de 2016
Pokébolas, pokéstops, ginásio Pokémon são só algumas das expressões que não saem mais da boca de crianças, jovens e até de alguns adultos desde o lançamento no Brasil do Pokémon GO, jogo de realidade aumentada desenvolvido pela Nintendo em parceria com a Niantic. Depois de baixar o aplicativo no celular, os jogadores devem caminhar pelas ruas para caçar e capturar os bichinhos que vão aparecendo. A novidade até demorou para desembarcar no Brasil, mas quando chegou, virou febre em todos os lugares. E claro, nas escolas não foi diferente. Apesar do uso do telefone celular ser proibido em diversas instituições e redes de ensino, muitos professores relataram que se sentiam em uma competição pela atenção do aluno, que só queria saber de caçar Pokémons.
Já que “é impossível não falar de uma coisa que todo mundo está comentando”, o professor de elétrica e eletrônica do curso técnico da Etec de Itapeva (SP), Eddy Antonini, decidiu rever o Teorema de Pitágoras a partir do jogo. Na brincadeira, para chocar os ovos capturados, o jogador deve caminhar distâncias de dois, cinco ou até 10 km. A questão é que, no modo de economia de energia, o aplicativo não segue necessariamente o caminho que o jogador percorre, e sim traça uma reta virtual entre dois pontos, como se fosse “o menor caminho percorrido”. O vídeo da explicação, com muito mais detalhes e dicas, conta com mais de 90 mil visualizações só no YouTube.
O professor afirma que, quanto mais próximo da realidade do aluno, mais fácil fica explicar determinados temas. “Eu normalmente misturo itens da cultura pop, como videogame, filmes e séries junto com a disciplina. Quando você começa a dar uma aula falando sobre termos que o alunos nunca ouviu na vida, é muito complicado. Mas se você usa um universo que a pessoa já conhece, ela tem um conjunto de informações para fazer a comparação, e aí fica muito mais fácil”.
No Colégio Bandeirantes, em São Paulo, o professor Tiago Eugênio, que coordena um curso de games e tecnologia aplicados à educação, afirma que trazer esses novos elementos para a sala de aula transmite a ideia que o espaço está conectado com o mundo. “A figura do professor moderno é muito importante. Ele é aquele está antenado ao que está acontecendo e que se preocupa em falar a mesma linguagem do aluno, estabelecendo vínculos de empatia”, diz. Assim, segundo ele, o educador permite que sua mensagem seja mais bem compreendida e potencializa a motivação da turma.
Eugênio defende ainda que a entrada de jogos, músicas e filmes cumpre um papel maior do que apenas descontrair a aula. “Quando você cria uma experiência ou uma atividade e ela dialoga com algo que o aluno vivencia fora da sala de aula, com certeza aquele conteúdo se torna mais útil. Quando o estudante estabelece relações lógicas, a probabilidade de formação de memória de longa duração é muito maior”.
Romero Tori, professor Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e do Senac, concorda com Eugênio no sentido de não responsabilizar a realidade aumentada pelo sucesso do game e sim enaltecer o uso de elementos da cultura pop para atrair a atenção de um determinado público. Segundo ele, o uso da realidade aumentada não é novo. Entretanto, nenhuma outra experiência com esse tipo de tecnologia alcançou o sucesso de Pokémon GO. “A mídia por si só não pode ser responsabilizada pelo sucesso ou não de um jogo ou de um programa de aprendizado. Se eu fizer um jogo similar a esse que use personagens que não estão tão presentes no consciente coletivo dos jovens adultos, o sucesso não vai ser o mesmo”.
Para Tori, o fenômeno é motivado pelas crianças dos anos 1990, hoje jovens adultos, que cresceram assistindo ao desenho, colecionando figurinhas, decorando nomes de Pokémons e memorizando os níveis de evolução. Segundo ele, a realidade aumenta apenas viabilizou que esse sentido por trás do jogo, antes apenas no imaginário coletivo, se concretizasse e virasse uma febre mundial da caça aos bichinhos. “Os elementos virtuais acabam se agregando ao mundo real e o jogo possibilita que as pessoas façam parte desse universo. É todo esse conjunto de significados que fez o sucesso do Pokémon GO”. Portanto, a mídia ajuda na metodologia, desde que a prática for pensada de forma adequada de acordo com a plataforma utilizada, com os objetivos e com a cultura do público-alvo.
Como adotar
Desde que o jogo foi lançado, muitos professores reclamaram sobre a falta de atenção dos alunos, que só queriam saber de caçar os bichinhos. Alguns, incomodados com o poder do jogo sobre os estudantes, decidiram abraçar a prática e trazê-la para “dentro” da sala de aula, permitindo que os alunos jogassem, desde que com uma motivação educativa. Além do caso de Eddy Antonini, que viralizou nas redes sociais, muitos educadores também compartilharam suas práticas.
O professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Ronaldo Gomes Jr., curioso para entender a comoção em torno do jogo, decidiu baixar o aplicativo. Conforme se familiarizou com a prática, teve a ideia de trabalhar o inglês com crianças e adolescentes, já que não há uma versão traduzida do game. Em relato no Medium, contou como é possível trabalhar a voz passiva e a função do imperativo no inglês, sentença que dá ordens e induz a ação dos jogadores.
Tiago Eugênio, do Bandeirantes, vê inúmeras possibilidades de usar o jogo em outras disciplinas além do inglês, como biologia, física, matemática e geografia. Em biologia, ele sugere que educadores podem discutir como o ambiente influencia na distribuição das espécies, já que a “aparição” de Pokémons não acontece de forma aleatória. “Existem Pokémons de diferentes raças e famílias que, por sua vez, são aquáticas, elétricas ou terrestres. A probabilidade de capturar um Pokémon da água é muito maior quando o jogador está perto de rios ou lagos, como no Parque do Ibirapuera. Dizem também que o famoso Pikachu, Pokémon ligado a eletricidade, pode ser encontrado próximo a torres de transmissão. Ele também sugere que o jogo pode servir como um motivador inicial para o estudo dos mecanismos reprodutivos dos animais, já que os Pokémons botam ovos, que por sua vez precisam ser incubados. No universo matemático, as possibilidades são inúmeras: desde a conversão de distâncias de metros em quilômetros, até uma relação com gasto de calorias conforme os jogadores caminham para caçar os bichinhos. A conversão de medidas também pode ser trabalhada usando o peso e a altura de cada Pokémon.
Apesar de todas as possibilidades de aplicação, o professor Romero Tori afirma que o segredo é ter espaço para aproveitar as oportunidades que surgem com o lançamento de filmes, jogos e outros elementos da cultura pop. “Os professores precisam ter um desenho muito bem feito da atividade e os objetivos muito bem cravados. Mas o que eu acho essencial é a flexibilidade nas ferramentas que serão utilizadas”. Nessas horas, diz Tori, a interatividade e a autonomia também podem ajudar. “O professor pode dar autonomia para que o aluno traga temas, ferramentas, jogos e softwares. Se isso acontecer, significa que aquele objetivo já tem significado para o estudante e que ele já está motivado, porque ele pesquisou, não foi o professor que deu pronto”.