Diretor aposta no protagonismo dos alunos para valorizar a educação além da escola - PORVIR
André Barroso, diretor da escola desde 2015. Crédito: Foto de Luciola Villela, com arte de Ronaldo Abreu/Porvir

Inovações em Educação

Diretor aposta no protagonismo dos alunos para valorizar a educação além da escola

No guia Participação dos Estudantes na Escola, o Porvir contou a história do Colégio Estadual Professor José de Souza Marques. Agora, diretor e estudantes que passaram pela escola avaliam o impacto de uma gestão democrática ao longo de suas trajetórias educacionais

por Maria Victória Oliveira ilustração relógio 16 de dezembro de 2022

“Não tem mudança positiva na escola sem os estudantes. Acho que vem da juventude uma esperança que dá força. Quando isso se encontra com uma gestão democrática, o resultado só pode ser belíssimo.” A fala é de Thaianne de Souza Santos, ex-aluna do Colégio Estadual Professor José de Souza Marques, localizado em Brás de Pina, na Zona Norte do Rio de Janeiro (RJ). 

A escola passou por uma guinada a partir de 2015, quando recebeu a visita de um oficial de justiça com uma ordem de desocupação, o que significava que a escola teria que procurar um novo endereço para funcionar. A chegada de um novo diretor na instituição, que, com a ajuda dos estudantes e de toda a comunidade escolar, instituiu uma gestão democrática, foi o que manteve “o Souza”, como a escola é chamada, em seu lugar. 

Toda essa história de engajamento, protagonismo estudantil e gestão democrática foi contada no guia temático Participação dos Estudantes na Escola, lançado pelo Porvir em 2017. Chegou a hora de revisitar a escola e sua trajetória de superação de dificuldades. Confira a seguir. 

Transformando um problema em motivação 

Ao chegar, em janeiro de 2015, no Colégio Estadual Professor José de Souza Marques para ocupar a vaga de diretor, André Barroso se deparou com o desafio de uma escola na qual os alunos não viam mais como uma responsabilidade coletiva. Depois de quase um ano de gestão, a escola recebeu a ordem judicial.

“Acho que o meu mérito foi transformar um problema, que era o iminente despejo da escola por uma situação de aluguel que já perdurava por décadas, e ser o catalisador de todos aqueles que estavam interessados em manter a escola”, reflete André. 

O diretor, bem como diversos funcionários e estudantes da instituição, percebeu que não adiantaria promover mudanças em um espaço que não fosse permanente. Por isso, a dedicação de todos voltou-se ao único ideal de manter a escola de pé. A luta pela permanência do Souza ganhou até página no Facebook – Minha Escola Não Pode Acabar – e toda a mobilização resultou em um acordo entre o estado e o antigo proprietário. 

Esse movimento coletivo por parte da direção de “colocar as cartas na mesa” para os estudantes e mostrá-los a realidade da escola rendeu frutos, que ajudariam em seus próximos passos. 

“A partir do momento em que conquistamos a desapropriação do prédio, graças à mobilização da comunidade escolar e, principalmente, dos estudantes, dos pais e da direção estudantil em ir para a rua e fazer abaixo-assinado, isso acaba ficando. Essas lutas trazem como se fosse uma alma, uma áurea, uma espiritualidade que permanece nas outras direções estudantis”, aponta André. 

Valorizando espaços de representação 

Dialogar diretamente e fortalecer o grêmio estudantil foi um dos caminhos adotados pela direção da escola por acreditar que o sujeito da educação é o estudante. André comenta que o protagonismo juvenil e a diversidade sempre foram marcas da gestão, que coloca os estudantes em primeiro lugar e promove espaços de escuta, opinião e intervenção dos jovens nas atividades. 

“No Souza, acredito que o grêmio foi central para engajar a galera. O André era recém-chegado, então os estudantes não sabiam bem qual era o perfil [dele]. O grêmio, do qual eu era presidente, foi o primeiro grupo a acreditar no projeto e todo mundo confiou. A partir daí foi lindo. Tínhamos as reuniões abertas e os estudantes também passaram a ter confiança de entrar na secretaria e saber que seriam acolhidos. Tudo isso resultou em um grupo potente de alunos, funcionários e professores dispostos a tornar o Souza um lugar acolhedor”, aponta Thaianne. 

Segundo André, a jovem foi uma das principais figuras nessa construção da frente de representação estudantil na escola, o que deu o exemplo para que outros alunos e alunas seguissem seus passos. “Sempre tivemos grêmios fortes e de luta, preocupados com a escola e sua organização, com a melhoria do espaço, com criar eventos para a molecada e trazer os estudantes para o debate”, afirma. 

Para Jéssica Carvalho de Abreu, outra ex-aluna do colégio que também passou pela presidência do grêmio, a participação é fundamental para uma boa educação. “É com participação que o aluno conhece novas pessoas, tem a oportunidade de auxiliar os gestores do colégio e expor suas ideias e sugestões para melhoria do ambiente escolar.” 

Potencial da gestão democrática 

Apesar de reconhecer a importância da gestão democrática, André afirma que esse formato não faz nada sozinho. Ele defende que seu grande mérito é dar a oportunidade para pessoas se expressarem e se sentirem parte de processos. A partir do momento em que os estudantes entendem que a escola é deles, que podem interferir no andamento das propostas e que podem realizar produções interessantes, muita coisa extraordinária acontece. 

“Acho que o grande diferencial é a liberdade e confiança que uma gestão democrática transmite para todes. Então professores, estudantes e funcionários podiam conversar e pautar o que não dava certo e o que poderia dar”, complementa Thaianne. 

Foi a partir do momento que os alunos começaram a de fato se sentir parte da escola que muitas mudanças foram possíveis. Para Thaianne, todo o processo tem a ver com pertencimento e fazer da escola um lugar que conte as histórias de cada um que estuda ali, o que, invariavelmente, contribui para que valorizem mais a educação e a própria escola. 

“Acho que não tem como valorizar algo que foi pensado por pessoas que muito possivelmente não viveram como a gente. Não conhecem o nosso território, não são da nossa cor e classe. Então quando os estudantes podem colocar suas experiências e expectativas nesse processo de ensino e aprendizagem, aí sim acontece a valorização. Por isso é importante uma gestão que incentive a diversidade e esteja realmente disposta a formular junto com os estudantes. Acho que essa parceria é que faz acontecer”, explica. 

O que mudou 

Entre os anos de 2015 e 2018, o grande foco da equipe, bem como da comunidade escolar e dos estudantes, foi melhorar a infraestrutura da escola. André comenta que, ao mesmo tempo que o público era bom, não havia uma estrutura física que comportasse esse potencial e as possibilidades que poderiam vir. 

O diretor conta que costuma dividir a história recente da escola em dois momentos: antes da mudança da infraestrutura e depois, quando, coletivamente, conseguiram dar vida ao prédio da escola e a todos os espaços criados. 

Hoje, a escola enumera suas conquistas e conta com: sala de vídeo, auditório, sala de informática, clube de ciências, uma sala maker com impressora 3D (comandada pelos próprios estudantes), oficinas de cinema, biblioteca, entre outros. Os resultados acadêmicos obtidos a partir das mudanças incluem medalhas em olimpíadas educacionais, como a prata em uma jornada de lançamento de foguetes e ouro na prova escrita da OBA (Olimpíada Brasileira de Astronomia). Os projetos também renderam a apresentação de um curta-metragem produzido pelos estudantes em um festival de cinema na França, inclusive com presença dos alunos. 

Para que tudo isso fosse possível, o diretor comenta sobre os apoios da Secretaria da Educação, mas, principalmente, toda a organização dos alunos, da comunidade escolar e das parcerias estabelecidas. “Eu faço questão de estabelecer parceria, articular com a sociedade civil e com os eventos e estruturas que circulam a escola, de trazer essa galera para dentro da escola e levar a escola para esses espaços. É isso que faz o diferencial”, aponta André. 

Thaianne, por sua vez, conta sua experiência pessoal para reforçar que as mudanças profundas na escola não foram apenas nas instalações físicas, mas também no relacionamento entre professores, funcionários e alunos. 

“Eu sempre quis entrar na faculdade e no Souza eu tive todo o apoio. Fiz o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) crente que não ia passar. Mas passei na federal. O André e todo mundo ficou tão feliz que parecia que eu tinha ganhado na loteria. Nunca vou esquecer dessa alegria. Em 2017, eu queria biologia e passei. Depois, mudei de ideia. Quando contei para o André, ele deu toda a força. Fiz o Enem e passei de novo, dessa vez em ciência política. Agora já estou quase terminando e ano que vem vou fazer a prova do mestrado. Espero muito que toda essa fé nos estudantes nunca se acabe por lá.” 

Jéssica, ex-presidente do grêmio, também conta que o novo funcionamento do colégio incentivou que ela participasse de outros espaços, acumulando conhecimentos para além daqueles previstos no currículo, que contam até hoje para seu desenvolvimento pessoal.

“Eu ficava ajudando na biblioteca, o que me incentivou a ler mais. Via as moças da limpeza trabalhando para manter tudo organizado. Por isso, evitava deixar coisas no chão e quando via um lixo logo pegava. Quando via a direção preocupada, sabia que estavam resolvendo várias questões ao mesmo tempo. Com tudo isso, aprendi a ter mais empatia com os funcionários e gestores, ótimas pessoas que trabalhavam todos os dias para manter o colégio em ordem.” 

Desafio da pandemia 

Apesar de ter dado continuidade ao processo de gestão democrática e participação dos estudantes desde 2015, um grande dificultador do processo foi a pandemia. Para André, a pausa de dois anos equivale a um retrocesso de cinco anos para a educação. 

Mesmo assim, o diretor reforça que, passado o primeiro ano pós-pandemia e de retomada das aulas presenciais, agora é hora de reorganizar o movimento estudantil e manter a estrutura democrática de representação, conselho escolar e grêmio estudantil para 2023.

Para conferir outras reportagens que contam a história do Colégio Estadual Professor José de Souza Marques, acesse os links: 

‘A escola é, sobretudo, gente!’

Participação resgata valor que alunos dão à educação 

Como parte das atividades de celebração aos 10 anos do Porvir, a mostra interativa e multimídia “Encontro com o Porvir: trajetória de educadores que transformam o presente e constroem o futuro” é realizada até 3 de fevereiro, no Museu Catavento – instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo, localizado na região central de São Paulo (SP). Além das 148 contribuições recebidas em uma campanha de financiamento coletivo, somam-se aos parceiros e apoiadores oficiais do projeto: Camino School, Faber-Castell, FTD Educação, Fundação Educar, Instituto Ayrton Senna e Red Balloon.

Régua de logos da exposição Encontro com o Porvir

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ensino fundamental, ensino médio, ​​Porvir em 10 anos

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