Educação midiática para além da notícia e contra a exploração do medo - PORVIR
Crédito: Freepik

Inovações em Educação

Educação midiática para além da notícia e contra a exploração do medo

No Encontro Internacional de Educação Midiática, a professora Renee Hobbs, referência em alfabetização midiática, traz novos caminhos para combater a desinformação e o extremismo

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 27 de maio de 2023

Apoiar estudantes no combate à desinformação, em um contexto no qual as estruturas que sustentam as principais plataformas sabem o que os usuários gostam, o que consomem com mais frequência e o que lhes causa medo, coloca educadores diante de uma tarefa desafiadora.

Este foi um dos temas debatidos durante o Encontro Internacional de Educação Midiática, na última quinta-feira, 25. Promovido pelo Instituto Palavra Aberta, embaixada e consulados dos Estados Unidos no Brasil e ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), o evento reuniu em São Paulo (SP) especialistas internacionais para conversar sobre alfabetização digital e midiática. Entre os convidados, estava Renee Hobbs, professora da Universidade de Rhode Island (EUA), referência no estudo desses temas. 

Renee Hobbs, uma renomada especialista em educação midiática, em um auditório da ESPM, apresentando suas ideias durante encontro sobre educação midiática
Renee Hobbs durante palestra no Encontro Internacional de Educação Midiática

Para ela, o momento atual exige que o trabalho não se limite apenas à verificação da veracidade das notícias, mas também busque mostrar como a propaganda e os algoritmos influenciam as decisões que tomamos todos os dias. Ela também destaca a evolução do tema no Brasil.

Renee destacou semelhanças entre o comportamento dos brasileiros e dos norte-americanos, seja em relação às falsas teorias sobre a vacinação durante a pandemia de Covid-19, seja na invasão ao Congresso brasileiro em 8 de janeiro – eventos que replicaram o que ocorreu nos Estados Unidos.

O ano de 2023, segundo ela, também marca um ponto importante em sua carreira como professora. Pela primeira vez, suas turmas são compostas por estudantes de graduação que não vivenciaram o ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e sabem do fato apenas pela mídia. O 11 de setembro de 2001 é tratado por ela como início da criação do estado de vigilância.

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 “Os americanos perderam sua privacidade e o estado de vigilância começou a funcionar após o 11 de setembro. Passamos a considerar os muçulmanos cidadãos de segunda classe, de terceira classe. Havia muito ódio e raiva, e eles foram vítimas de um terrível preconceito. E então vieram as mentiras do nosso governo sobre o ataque ao Iraque e as justificativas para entrar no Afeganistão. Duas guerras travadas com muitos especialistas aparecendo na TV e nos jornais, dando todas as razões pelas quais tínhamos que ir para a guerra, pelas quais tínhamos que combater o terrorismo”, descreve.

Como explicar a exploração do medo e a desinformação?

Na sequência, ela retomou o conceito de extremismo. Segundo o site K-12 School Shooting Database, até maio de 2023, os Estados Unidos já superaram o total de ocorrências com armas em escolas registrado em todo o ano de 2022. Com 384 registros, este ano terá, de longe, o recorde. E o Brasil, como mencionou a professora no começo, também é influenciado. Dados recentes do Instituto Sou da Paz mostram que os massacres aumentaram em número e capacidade letal: nos últimos 21 anos, o país registrou 24 casos que deixaram 137 vítimas: 45 fatais e 92 não fatais. 

Tanto no caso dos ataques às escolas quanto na invasão de prédios públicos, Renee vê uma semelhança. “É um exemplo assustador de como a falta de confiança em nossas instituições tem gerado tanto medo.”

Mesmo sendo alguém que estuda o campo de educação midiática há muito tempo, Renee admite que existe dificuldade para definir o que é desinformação. “Hoje em dia, verificar fatos por si só é inútil diante da avalanche de desinformação. Ainda há o problema de definir o que é desinformação.

Segundo Renee, uma boa definição sobre o fenômeno vem de Gavin Wilde, pesquisador do programa de tecnologia e relações internacionais do Carnegie Endowment for International Peace, nos Estados Unidos. “A desinformação pode ser bem descrita como um ‘problema complexo’: algo profundamente envolvido com outros problemas sistêmicos, nos quais as relações de causa e efeito são mal compreendidas e onde as intervenções para corrigir um aspecto prejudicial criam efeitos colaterais indesejados em outros lugares.”

No ambiente online, é preciso olhar para o montante investido em informação e comparar com o tamanho do mercado de publicidade digital. As novas ferramentas de inteligência artificial devem receber esse ano o aporte de US$ 11 bilhões, algo que Renee chama de insignificante em comparação com os US$ 567 bilhões gastos em 2022 em publicidade digital.

A maneira usada para impactar usuários pode obedecer a “padrões obscuros” e levar o usuário a um caminho diferente daquele considerado normal, com todo o tipo de artimanha para evitar um descadastro, por exemplo. Do lado considerado “honesto”, as estratégias também são infinitas: influenciadores, publicidade personalizada, conteúdo patrocinado, geolocalização, segmentação e persuasão. “Precisamos entender mais sobre isso para sermos educadores midiáticos. Eles (designers e programadores) precisam entender mais sobre educação. E nós, sobre personalização via algoritmos.” 

Outros temas que Renee menciona têm a ver diretamente com o debate corrente em redes sociais, tais como memes e cultura do cancelamento. “Precisamos aprender mais sobre a cultura do cancelamento e como a vergonha e a culpa criam humilhação, raiva, ressentimento, ódio e violência. Precisamos saber mais sobre isso e sobre os sistemas de teorias da conspiração. Na verdade, precisamos entender que esse ecossistema, essa economia da atenção, é alimentada pelo ódio e suas consequências estão por toda parte”, avalia.

Renee Hobbs durante palestra no Encontro Internacional de Educação Midiática
Crédito: Michell Santana/Palavra Aberta Para Renee Hobbs, checar notícias não é mais suficiente: é preciso entender estratégias da propaganda e como algoritmos funcionam

Breve histórico da educação midiática

Para mostrar como a educação midiática está sempre mudando e interagindo com os meios e modos de consumo de mídia, a professora traçou uma breve linha do tempo. Nos Estados Unidos, segundo Renee, a educação midiática remonta aos anos 1970, com foco na prevenção da violência e do abuso de drogas. Nos anos 1990, passou a enfatizar a responsabilidade de fazer escolhas conscientes à medida que a televisão a cabo permitiu o acesso a centenas de canais.

Em seguida, o foco se voltou para a alfabetização em informação, que evoluiu para a alfabetização em notícias à medida que o modelo de negócios do jornalismo tradicional estava desaparecendo. Atualmente, vivemos o ciclo da alfabetização em algoritmos. 

No entanto, é crucial que educadores busquem se aproximar dessa discussão tecnológica porque é ali que o radicalismo é nutrido. A professora mencionou o trabalho de Elizabeth Thoman, fundadora e diretora do Center for Media Literacy em Los Angeles, que disse: “Renee, precisamos entender que a alfabetização midiática é uma ferramenta poderosa para a prevenção da violência. Podemos reduzir os danos causados pela violência na mídia se, em primeiro lugar, reduzirmos a exposição à violência na mídia”.

Pontos a serem considerados pela alfabetização midiática 
1 – Reduzir a exposição à violência na mídia;
2- Mudar o impacto das imagens violentas que são vistas’;
3- Identificar e explorar tudo o que contribui para a violência nos meios de comunicação;
4- Descobrir e desafiar os fatores culturais, econômicos e políticos que perpetuam a violência na mídia’;
5- Quebrar o ciclo de culpa e promover um debate público informado e racional.

A partir dessa abordagem, é possível pensar em despolarizar sociedade, avalia. “Uma coisa interessante sobre a alfabetização midiática e a razão pela qual estamos todos aqui reunidos é que reconhecemos que a educação midiática protege e fortalece direitos. Isso nos ajuda a enfrentar os danos de viver nesta cultura midiática e também nos capacita a sermos os melhores seres humanos que podemos ser, mais criativos, generosos, amorosos e conectados.”

Análise da propaganda

“No Brasil e nos Estados Unidos, a propaganda e outros gêneros persuasivos raramente são examinados ou analisados nas escolas, por mais que as tecnologias persuasivas das quais acabei de falar influenciem as emoções, atitudes e as crenças das pessoas”, aponta Renee.

Não é difícil aprender a reconhecer a propaganda, segundo a pesquisadora. “Preste atenção quando as mensagens ativam emoções fortes ao responderem às suas esperanças, medos e sonhos mais profundos. Quando elas simplificam a informação, e especialmente quando atacam oponentes. O ‘nós contra eles’ pode ser propaganda”. 

Ela conta ainda que, ao lado de seus alunos, explorou em sala de aula tópicos que podem ser levados mais a sério em universidades: pesar o terrorismo como propaganda, a propaganda na educação, patriotismo e o nacionalismo pelas lentes da propaganda, as teorias da conspiração, a propaganda eleitoral, a propaganda no entretenimento e até mesmo a arte e o ativismo como propaganda.

“O engraçado, curioso e bonito sobre a propaganda é que ela é usada para romper o consenso social. A propaganda pode ser usada para polarizar. A propaganda pode transformar uma questão resolvida em uma controvérsia aberta. Isso está acontecendo agora nos Estados Unidos. O direito ao aborto e à saúde reprodutiva eram vistos como uma questão resolvida. E tornaram-se controvérsia por meio de propaganda.”

Conversas no mesmo nível

Renee compartilhou os resultados do programa “Courageous Rhode Island” (“Conversas Corajosas em Rhode Island”), que busca prevenir a violência e o radicalismo por meio de conversas online realizadas a cada duas semanas, envolvendo a comunidade.

O projeto, que recebe financiamento do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, reconhece que o extremismo doméstico, o terrorismo local, é o maior risco para a sociedade.

Renee acredita que o projeto está desenvolvendo habilidades de educação midiática que serão úteis ao longo da vida, não apenas como um projeto escolar, mas como cidadãos engajados em promover a democracia de forma autônoma. 

Mesmo reconhecendo que nem sempre o grupo concorda entre si, a professora prefere ressaltar o quanto estão se esforçando para não desvalorizar opiniões alheias e evitar se posicionar como superiores. Ao ouvir melhor, elas encontram pontos em comum e conseguem restabelecer uma convivência democrática.


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competências para o século 21, educação midiática, ensino fundamental, ensino médio, redes sociais, tecnologia

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