Educação vive em constante transformação em Singapura
Sistema de educação do país asiático acumula quatro reformas em 50 anos para acompanhar as transformações de sua sociedade
por Vinícius de Oliveira 5 de maio de 2016
No momento em que o Brasil acaba de conhecer a segunda versão preliminar de sua Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que sintetizou 12 milhões de contribuições que vão definir o futuro da educação básica, a Fundação Itaú Social trouxe ao país Lee Sing Kong, que comandou o Instituto Nacional de Educação do governo de Singapura para um seminário durante o Ciclo de Debates em Gestão Educacional, realizado no MASP (Museu de Arte de São Paulo).
Com área que representa menos da metade do tamanho da cidade de São Paulo, apenas 520.000 estudantes, 360 escolas (todas urbanas) e 33.000 professores, Singapura se acostumou a adaptar seu sistema de educação às mudanças de sua sociedade e hoje figura entre os países líderes em rankings internacionais de avaliação do desempenho de alunos. Em 50 anos, foram quatro grandes reformas educacionais que podem servir de inspiração à Base Nacional brasileira, que tem o desafio de pela primeira vez definir o que cada aluno precisa aprender ao longo de sua vida escolar. Enquanto aqui a discussão ainda está no meio de uma maratona, como definiu a mediadora Alice Ribeiro, secretária-executiva do Movimento pela Base Nacional Comum, no país asiático sobra confiança para reagir às necessidades do aluno do século 21.
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A guinada educacional em Singapura começou logo após a separação da Malásia, em 1965. Sem recursos naturais, o país decidiu investir na qualificação educacional como meio para alcançar o desenvolvimento econômico. “O primeiro ponto forte do sistema de Singapura é seu caráter responsivo, que leva em consideração as mudanças no próprio cenário educativo, no conhecimento ou obedecendo ao desenvolvimento econômico. Em cada área onde essas mudanças acontecem existem pessoas preocupadas em traduzi-las e informá-las ao sistema de educação”, diz o professor Sing.
O primeiro passo foi dado entre 1965 e 1979, com o plano “Educação Dirigida pela Sobrevivência”, em que o governo precisava atacar o analfabetismo e as altas taxas de desemprego. “Se não tivéssemos feito isso, a pequena ilha iria entrar em colapso, haveria revoltas e falta de emprego”. De caráter generalista, o plano não foi propriamente um sucesso. As taxas de evasão bateram 20% e a maioria não completava 10 anos de escolaridade.
Aos poucos, o governo decidiu abrir a economia para atrair multinacionais e promover a industrialização, em uma estratégia que posicionaria o país como um dos Tigres Asiáticos, ao lado de Hong Kong, Coreia do Sul e Taiwan. Gigantes da tecnologia como como IBM, Philips, Compaq chegaram à ilha para produzir localmente seus produtos. Isso levou a uma nova resposta da educação, com o mercado de trabalho exigindo trabalhadores com um novo conjunto de habilidades que iam além do simples letramento.
Começava ali o embrião de um sistema diversificado que hoje coloca o país na segunda posição do PISA (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Alunos) e é planejado para atender estudantes com diferentes aptidões, seja na área técnica ou na acadêmica (com a possibilidade de cruzar a ponte entre elas caso a primeira escolha se mostre errada).
Desde o ensino primário até a chegada ao mercado de trabalho, o estudante pode seguir diferentes trajetórias dependendo de suas notas em exames nacionais (clique aqui para saber mais – link em inglês). O primeiro deles é feito logo ao final do sexto ano do nível primário, com exame de proficiência de inglês, da língua materna (na maioria dos casos chinês, malaio ou tâmil), ciências e matemática.
Se conseguir se sair bem na educação secundária, seu caminho até o ensino superior pode ser encurtado em um ano. Para os que tropeçam, resta o caminho normal, com primária e secundária em 11 anos. “Os resultados têm sido impressionantes. Há evidências que mostram que estudantes que aprendem de acordo com seu próprio ritmo e obtêm êxito ficam mais motivados”. Após os 10 primeiros anos em vigor, a evasão caiu a 2%, o desenvolvimento econômico ganhou fôlego e o país registrava um saldo positivo de vagas de trabalho, inclusive com mais vagas do que o mercado demandava.
Entre 1997 e 2012, a mudança da economia industrial para uma direcionada ao conhecimento fez com que o governo se voltasse aos talentos individuais de cada estudante. “Agora olhávamos para o potencial de cada um para ver como poderiam criar algo inovador a partir do conhecimento, podendo ser tanto nas ciências quanto nas humanidades”. Desta vez, Sing admite que novas partes da engrenagem precisaram ser alteradas no ecossistema da educação. “Se o sistema não se mexer, você começa a educar estudantes para se tornarem irrelevantes diante das necessidades de um novo cenário”.
Finalmente, em 2013, Singapura adotou um modelo de ensino baseado em valores e centrado no aluno. Apesar do fluxo de informações aumentar assustadoramente ano a ano, o governo percebeu que valores que movem a sociedade deveriam permanecer imutáveis para que todos consigam ter uma vida plena. Assim, a escola passa a ser responsável por desenvolver o caráter, a autoconfiança, resiliência e a colaboração.
Fatores de sucesso
Falando a uma plateia que ainda digeria a nova versão da Base Nacional Comum Curricular, Sing diz que o mais importante fator a se pensar antes de quebrar paredes para a reforma do sistema é saber claramente em que se deseja educar os estudantes em 5 ou 10 anos. Uma vez escolhido o destino, diz ele, é possível pensar no caminho. “Em Singapura, formamos nossos alunos com um modo de pensar muito claro. Queremos ajudá-los a se tornarem relevantes de maneira global, mas é preciso que eles criem raízes locais e entendam que Singapura é seu lar”.
Outro fator que colabora para o sucesso dos estudantes em rankings internacionais é o alinhamento de políticas, práticas e formação de professores para atingir os objetivos. Com políticas amplamente disseminadas, professores conseguem entender onde o currículo pretende chegar e o que a avaliação pretende medir.
Hoje, o país investe 3,7% de seu PIB (Produto Interno Bruto) em educação, um orçamento que fica atrás apenas do destinado à Defesa. A maior parte vai para a formação de professores e de gestores escolares. Neste processo, os professores são recrutados pelo Ministério da Educação e enviados ao Instituto Nacional de Educação para o trabalho de formação. Durante esse período, recebem um salário e têm suas despesas pagas pelo governo. Na instituição, futuros professores aprendem a criar atividades colaborativas, em que alunos precisam desenvolver competências socioemocionais para construir consensos e avançar em seus projetos.
Além de um plano de carreira para líderes educacionais, Singapura também abre a possibilidade para que docentes que se destaquem na sala de aula subam para o nível sênior, líder ou máster, com salário equivalente ao do vice-diretor. “Isso mostra como o reconhecimento para ensino e liderança são igualmente importantes”, explica Sing. Os que se tornam especialistas no desenho do currículo também podem seguir uma trilha específica. Os esforços para aumentar o prestígio da profissão também incluem a condecoração de professores exemplares no Dia do Professor, que acontece na primeira sexta-feira de setembro. “Enquanto isso se mantém, é possível atrair candidatos e é por isso que Singapura 30% dos universitários para a profissão”, explica.
Da mesma forma que outros países, Singapura também se vê diante de grandes questões. “Como conseguimos ter certeza que alunos estão bem formados a ponto de saber que sua educação continuará relevante quando ele se graduar? Como constituir um corpo docente responsivo? Se você quer ter certeza que seus estudantes possuem uma educação relevante, os professores também precisam mudar. Educação é uma longa jornada, demanda dedicação e perseverança”, conclui, com a certeza de quem não hesitará caso seja necessário ajustar a engrenagem mais uma vez.