Em alta, escolas bilíngues devem ganhar novas regras de atuação
Diretrizes aprovadas pelo CNE determinam que escolas bilíngues precisam seguir parâmetros nacionais, incluindo carga horária, formação de professores e avaliação de resultados
por Marina Lopes 15 de janeiro de 2021
Assim como a tendência observada em outros países da América Latina, nos últimos anos a oferta e a busca por escolas bilíngues no país tem aumentando. De acordo com dados da Associação Brasileira do Ensino Bilíngue, entre 2014 e 2019, o setor privado teve um crescimento estimado de 6 a 10%. No entanto, diante dessa realidade, como definir de fato o que é uma escola bilíngue e quais instituições se enquadram nessa denominação? Na tentativa de estabelecer uma normatização para o segmento, o CNE (Conselho Nacional de Educação) aprovou as Diretrizes Nacionais para a Educação Plurilíngue no Brasil (Parecer CNE/CEB nº 2/2020, 9 de julho de 2020).
Se for homologado pelo Ministério da Educação, o documento traz uma série de determinações para que uma escola possa ser considerada bilíngue. Entre elas, objetivo, carga horária, formação de professores, organização curricular e avaliação de resultados. “As Escolas Bilíngues se caracterizam por promover currículo único, integrado e ministrado em duas línguas de instrução, visando ao desenvolvimento de competências e habilidades linguísticas e acadêmicas dos estudantes nessas línguas”, destaca o texto da proposta. No caso de instituições educacionais que ofertam todas as etapas da educação básica, da educação infantil ao ensino médio, esse projeto deve contemplar todas as etapas ou ser implementado gradualmente.
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Dentro dessa definição, Ivan Siqueira, membro do Conselho Nacional de Educação e relator das Diretrizes Nacionais para a Educação Plurilíngue no Brasil, explica que é importante mencionar que uma escola não pode dar aulas de idiomas, mesmo que com uma carga horária ampliada, e se denominar como bilíngue. “O que caracteriza a escola bilíngue, conforme o documento, é uma escola que trabalha os conteúdos acadêmicos nas duas línguas”, ressalta.
Organização e carga horária
Em relação a carga horária, o documento aponta que para se enquadrarem como bilíngues, as escolas devem oferecer o tempo de instrução na segunda língua de no mínimo 30% e no máximo 50%, para a educação infantil e para o ensino fundamental, e de no mínimo 20% para o ensino médio, com a possibilidade de elaboração de um itinerário formativo em outro idioma. “Não tem como ser muito fora disso. Tivemos que estabelecer um percentual porque existiam dois extremos: as escolas que davam 100% das aulas em uma segunda língua e as escolas que ofereciam uma aula a mais no idioma e se diziam bilíngues”, diz Siqueira.
Além de trazer a nomenclatura da escola bilíngue, o texto aprovado pelo CNE também cita as escolas com carga horária estendida em língua adicional, que devem promover o currículo escolar em língua portuguesa em articulação com competências e habilidades linguísticas em outro idioma, e as escolas internacionais, que estabelecem parcerias, adoção de materiais e propostas curriculares de outro país.
“O importante é entender que tanto na escola bilíngue, como na carga horária estendida ou na escola internacional, tudo deve fazer parte da grade curricular da escola como um todo. Não é apenas para um grupo de estudantes, não é uma oficina extracurricular”, diz Andreia Fernandes, coordenadora acadêmica do programa bilíngue Edify.
Nesse contexto, as instituições que oferecem programas bilíngues podem se enquadrar como escolas com carga horária estendida em língua adicional, desde que tenham a carga horária de no mínimo três horas semanais e que, assim como as escolas bilíngues, tenham disciplinas da base comum e da base diversificada ministradas também na segunda língua de instrução. “Não é apenas o ensino da língua, mas o ensino usando a língua como um meio. Muitas vezes são produzidos projetos e atividades interdisciplinares, em que você vai usar princípios de matemática, biologia e história. É importante que você tenha condições e atividades reais para conseguir colocar isso em prática no dia a dia”, menciona.
Formação de professores e avaliação
Para a formação docente, a proposta cita que para ser professor em língua adicional dentro de uma escola bilíngue é necessário graduação adequada para a etapa e disciplina de atuação e formação complementar em educação bilíngue com no mínimo 120 horas. As diretrizes também mencionam que os educadores devem comprovar proficiência de nível mínimo B2 no CEFR (Common European Framework for Languages) (), mas deixam a cargo do Ministro da Educação a criação ou adoção de padrões de avaliação e de certificação de proficiência para docentes em nível nacional. “O grande questionamento é se vamos conseguir ter um exame nacional de proficiência para professores. Isso não existe ainda, são caminhos futuros”, reflete Andreia.
Além de comprovar a proficiência dos professores, as escolas bilíngues e de carga horária estendida em língua adicional também devem comprovar que 80% dos estudantes tenham proficiência no referencial europeu de nível mínimo A2 até o término do 6º ano do ensino fundamental, B1 até o término do 9º ano do ensino fundamental e B2 até o término 3º ano do ensino médio.
Pontos de atenção
Embora cite que o documento é importante para o reconhecimento da modalidade educativa da educação bilíngue, a professora e pesquisadora Antonieta Megale, coordenadora da pós-graduação em educação bilíngue e da extensão do Instituto Singularidades, também destaca alguns pontos de atenção do documento. “Ele traz algumas questões conceituais que eu considero complicadas. Quando falamos de escolas bilíngues, estamos falando de algo que é muito amplo”, diz.
Além de mencionar a ausência de um exame nacional para os professores que atuam em escolas bilíngues, o que pode ser um empecilho porque os exames internacionais não foram pensados para esse contexto específico, ela cita como um erro olhar apenas para a formação de professores que atuam em língua adicional dentro de uma escola bilíngue. “Se eu sou professora de português em uma escola bilíngue, eu também preciso de formação em educação bilíngue, e o documento parece que isenta isso”, afirma Antonieta, ao mencionar que é fundamental que todos os educadores da instituição tenham conhecimento e domínio sobre processos envolvidos na educação bilíngue.
Ela também destaca que a formação complementar em educação bilíngue exigida pelo documento ainda é muito ampla, incluindo desde um curso de extensão até uma pós-graduação lato sensu, mestrado ou doutorado reconhecidos pelo MEC. “Temos visto o surgimento de muitos cursos novos, mas como pensamos nisso? A legislação não dá nenhuma orientação teórica e metodológica”, pondera sobre a qualidade e adequação das formações que serão ofertadas.
Apesar das escolas terem que levar em consideração as adequações após a homologação das diretrizes, Antonieta diz que “isso não exime elas de pensar além do documento”, ressalta. Como pesquisadora e especialista na área, ela também reforça que a concepção de educação bilíngue deve ser pensada de forma mais ampla pelas instituições.
Período de adequação
As Diretrizes Nacionais para a Educação Plurilíngue no Brasil ainda devem ser homologadas pelo MEC para entrar em vigor. Se aprovadas, as escolas de educação infantil terão o prazo de adequação até dezembro de 2021, sendo que em janeiro de 2022 já devem apresentar seu Projeto Político Pedagógico em conformidade com as determinações do documento. Já para as escolas de ensino fundamental e médio, o prazo de adequação vai até dezembro de 2022, e a apresentação do Projeto Político Pedagógico no início de 2023. Em relação à formação acadêmica dos professores, as instituições têm dois anos para apresentar os documentos comprobatórios.
A fiscalização deve ser feita de forma local, pelos sistemas estaduais e municipais. “As escolas têm duas opções: ou elas renunciam ser uma instituição bilíngue ou elas passam a se enquadrar naquilo que a norma coloca e que os estados vão regulamentar”, explica o relator Ivan Siqueira.