Escuta é fundamental para acolher alunos no retorno às aulas presenciais nas escolas
Escolas vão receber estudantes marcados pelo luto, dificuldades financeiras das famílias e ainda tendo que seguir novos hábitos por conta da pandemia do coronavírus
por Vanessa Fajardo 19 de junho de 2020
O retorno das aulas presenciais nas escolas de todo o Brasil vai exigir um período de acolhimento dos alunos. Se a máscara no rosto esconderá o sorriso e possíveis feições de alegria e compaixão, os olhos dos educadores terão de ser mais expressivos e comunicativos. Se os abraços precisarão ser evitados, o diálogo necessitará ser ainda mais potente.
Milhares de mortes pelo país, perdas salariais e mudanças de hábitos ocasionadas pela pandemia devem fazer com os estudantes voltem para as salas de aulas diferentes da forma do com que saíram. Para que a transição ao “novo normal” seja mais suave, é preciso acima de tudo que os alunos sejam ouvidos. Independentemente de sua faixa etária.
Antes de abrir espaço de escuta ao outro, entretanto, é necessário que gestores, professores e equipe técnica das unidades de ensino estejam psicologicamente preparadas.
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“Não dá recomeçar [as atividades do ano letivo] fingindo que está tudo bem. É preciso saber como a pessoa passou este período, como foi essa passagem no sentido metafórico e real. Mas para aguentar a dor do outro é preciso investigar a si mesmo, saber seu estado emocional, seu contexto pessoal. É uma forma de se escutar em primeiro lugar para depois de fato acolher de verdade”, diz Marcia Frederico, psicóloga e consultora pedagógica do LIV (Laboratório de Inteligência de Vida), que trabalha com programas de competências socioemocionais.
Marcia reforça que professores, coordenadores e funcionários das escolas também são atores da situação provocada pela pandemia da COVID-19 e precisam estar fortalecidos para receber os alunos. “É necessário ter uma escuta empática sobre a própria equipe. Como ela está sendo acolhida? Essas pessoas também não deixaram de ser pais e mães e podem estar vivendo sob medo, perda e pressões.”
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Evite velhos jargões
A escuta ativa começa com o olhar. A psicóloga Marcia Frederico reforça que a linguagem não verbal é muito importante. Já ao usar a comunicação, a recomendação da especialista é para substituir velhos jargões como “oi campeão”, “como é que vai essa força” por perguntas do tipo “como está se sentindo?” ou “sobre o que gostaria de conversar.”
“É necessário buscar empatia não com uma palavra vazia, e sim mostrando curiosidade e estando disponível para acolher a dor do outro”, reflete Marcia.
Dispense os rótulos
Para que o acolhimento e a escuta sejam eficazes é imprescindível que os rótulos muitas vezes aplicados aos alunos, com nomes como bagunceiro ou malandro, sejam esquecidos. Até porque pode ser que os estudantes retornem à escola de forma alterada, com comportamentos que não eram padrão.
“Expansivos podem chegam recolhidos e vice-e-versa. É preciso investigar o que está havendo, ser um ponto de atenção e aproveitar o momento e dar chance de desrotular. O acolhimento pode propiciar isso, dando uma escuta mais empática e acolhedora”, diz Marcia.
Crie espaços coletivos de conversa
Embora alguns alunos vão necessitar serem ouvidos de forma individual, principalmente os que enfrentam o luto, é importante criar espaços coletivos de conversa. Para Marcia Frederico, os momentos em grupo são bons para todo mundo porque fortalecem o vínculo grupal e o eixo coletivo.
O LIV, organização em que Marcia atua como consultora pedagógica, aplica programas que desenvolvem competências socioemocionais em cerca de 1 mil escolas de todo o país. Entre as atividades, há o Círculo da Confiança, que são rodas de conversa em que os alunos, a partir do 5º ano do ensino fundamental, têm a chance de falar sobre diversos temas. Nestes espaços eles podem, por exemplo, fazer agradecimentos, pedidos de desculpa, falar sobre uma saudade, ou algo em si mesmo que os surpreendeu.
A profundidade da conversa varia de acordo com a maturidade da turma. Assim com a idade dita também o vocabulário e o tom dos bate papos, porém o conteúdo e os objetivos são iguais independente da fase do aluno. “Os sentimentos são universais, é do ser humano. Uma criança também tem sua ansiedade sobre quando vai voltar para a escola, ver os amigos, a professora. O sentimento e a dor são os mesmos”, explica Marcia.
Em GO, rede faz trabalho sistemático de escuta
Na rede estadual de Goiás, há um trabalho sistemático de escuta entre os adolescentes do ensino médio. Eles serão representados por líderes chamados agentes jovens que têm entre as missões mobilizar e promover reuniões e discussões.
Por conta do distanciamento social, para manter os vínculos os encontros passaram a ser realizados pelos canais remotos. Foram realizadas 17 reuniões virtuais com a presença de 862 alunos das terceiras séries do ensino médio. Na rede goiana há cerca de 500 mil estudantes, sendo 221 mil do ensino médio.
“Os encontros duraram entre 3 e 4 horas e foi fundamental ouvir os estudantes para saber como estavam se sentindo nesse momento de pandemia, como eles compreendiam a dinâmica das aulas remotas, as dificuldades, as solicitações”, conta Osvany Gundim, superintendente do ensino médio da Secretaria do Estado da Educação de Goiás.
Segundo ela, os encontros foram momentos de partilha muito ricos. “Houve lágrimas e momentos de alegria. Um dos depoimentos me comoveu muito porque o aluno falou da união da escola dele. Outros expressaram preocupação com a aprendizagem, mas eles se sentiram muito valorizados de serem ouvidos”, complementa Osvany.
Em agosto, a secretaria vai reunir um estudante de cada uma das 40 regionais em um novo encontro, dessa vez com a secretária da educação do estado Fátima Gavioli. Para Osvany, estes momentos de escuta corroboram com o projeto pedagógico do estado que prevê o protagonismo juvenil e o desenvolvimento de um projeto de vida.
“É uma forma de valorizá-los e oportunizar esse momento para que eles possam expor pensamentos. Esses momentos nos ajudam a motivá-los e ajudá-los a acreditar no potencial deles. Eles precisam ser resilientes e não desistirem”, diz a superintendente.
Para nortear o trabalho de retorno às aulas presenciais, a Secretaria de Goiás está aplicando um questionário em toda a rede para entender quais as maiores dificuldades e carências ocasionadas pela pandemia em cada uma das escolas.
“Ao consolidar esses dados vamos conseguir pensar cenários propícios para retomadas de aulas. Não podemos fazer as mesmas ações para todo mundo. Haverá escolas de determinada regional com mais casos de luto, ou cujo pais perderam o emprego e os alunos passaram por alguma dificuldade. Isso impacta na vida escolar do estudante”, explica Patrícia Morais Coutinho, superintendente de organização e atendimento educacional da Secretaria Estadual de Educação de Goiás.
LIV disponibiliza material de apoio às escolas gratuito
Para apoiar as escolas que queiram trabalhar as habilidades socioemocionais com os alunos especificamente no período de pós pandemia, o LIV vai disponibilizar em seu portal a partir desta semana um material de formação aos profissionais. Serão vídeos e demais conteúdos para ajudar a equipe envolvida no dia a dia da escola a lidar com os sentimentos dos estudantes. O acesso é gratuito.