Por que formar docentes para uma educação antirracista? - PORVIR
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Inovações em Educação

Por que formar docentes para uma educação antirracista?

Para atuar de forma mais eficaz no combate ao racismo, é importante entender como o fenômeno ocorre e identificar de quais maneiras ele se expressa e, para isso, especialistas apontam que a formação continuada é o melhor caminho

Parceria com Escolas Conectadas

por Ruam Oliveira ilustração relógio 22 de novembro de 2023

Em entrevista ao Porvir, Petronilha Beatriz Gonçalves, professora emérita da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e relatora das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, fez um questionamento: “Para qual projeto de sociedade eu me educo?”. A proposta da pesquisadora, referência na defesa do enfrentamento ao racismo na educação, é fazer com que educadores refletissem sobre os próprios estudos e de que maneira  contribuem para efetivar uma educação antirracista. 

Petronilha pontua que é necessário ter compromisso com uma educação diversa, que não está presa nos mesmos moldes do século 16. Para que a visão de professoras e professores seja ampliada, investir na  formação e no letramento racial é fundamental. 

No caso do racismo, só é possível identificá-lo e combatê-lo aprendendo sobre a temática e desenvolvendo estratégias antirracistas. “Para  combater o racismo, é necessário que a gente perceba como ele acontece e está presente em várias manifestações”, afirma Carolinne Mendes da Silva, professora de história e coordenadora do NEER (Núcleo de Educação para as Relações Étnico-Raciais), da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

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Muitas vezes expressões de racismo podem ser entendidas como brincadeira ou até mesmo ser classificadas como bullying. Ter professores bem formados, atuantes para explicitar tais diferenças, é fundamental, diz. 

Além de reconhecer como o racismo se manifesta, uma boa formação também permite compreender outras formas de opressão presentes nas interseccionalidades – ou seja, nas interações de diferentes fatores sociais que definem uma pessoa, como classe, raça ou diferenças. 

“Muitas vezes o racismo não vai operar sozinho, ele vai se combinar com outras opressões como a de gênero. É preciso ter um olhar sensível para reconhecer como meninas e meninos negros podem sofrer o racismo de forma diferente ou como as pessoas lgbtqiap+ sofrem o racismo”, exemplificou a docente. 

Por que formar para uma prática antirracista?

Esta semana, uma professora amarrou à força o cabelo black power de um aluno de 8 anos que está no 3º do ensino fundamental em uma escola em Juiz de Fora (MG). 

“Ela falou com ele que não aguenta olhar pro cabelo dele. Ele odeia o cabelo preso. Nem eu, que sou mãe, forço ele a prender. Fica de cabelo solto até em casa o tempo todo”, contou Rayelle Keller em entrevista ao portal de notícias G1. 

Ações como essa reforçam a necessidade de educar, inclusive professores, para uma prática antirracista. Os noticiários seguem repletos de outras histórias semelhantes envolvendo cabelos, aparência, cor e traços de pessoas pretas. 

“Um dos espaços onde o racismo, infelizmente, ainda é muito presente e marcado é na escola. Por isso, conversar sobre o assunto e formar professores para uma prática antirracista é mais do que urgente. A escola não é o único lugar responsável por gerar essa transformação, porém é um espaço privilegiado para realizar debates e incentivar aprendizagens que combatam o racismo”, afirma Silvane Silva, assessora de projetos de relações étnico-raciais na ONG Ação Educativa. 

Por serem as escolas diversas, é importante que os docentes estejam preparados para agir de forma contrária ao racismo. Carolinne pontua que qualquer pessoa que esteja comprometida com um futuro com mais equidade , deve estar preocupada em combater o racismo. 

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“As nossas práticas precisam visar o combate à desigualdade racial no Brasil. A educação pode e deve contribuir, mas para isso é necessário que gestores, professores e toda a escola esteja mobilizada a combater essas desigualdades e a reconhecer que a população negra no Brasil sofre diversos tipos de discriminações”, diz. 

O NEER tem como um dos focos promover ações formativas para professores da rede pública municipal nos temas povos afro-brasileiros, povos indígenas e povos migrantes, visando amparar os docentes na aplicação das leis 10.639/03, 11.645/08 e 16.478/16, que tratam sobre história e cultura africana e afro-brasileira, indígena e sobre a política municipal para a população migrante, respectivamente. 

Entraves da formação 

Silvane argumenta que muitos educadores tendem a ter dificuldade em reconhecer que crianças, às vezes, têm atitudes preconceituosas, que refletem o racismo presente na sociedade. 

“Muitas pesquisas vêm mostrando que as crianças desde muito novas já conseguem perceber que existe um tratamento social que é diferenciado para um determinado tipo de pessoa. E esse tratamento tem um vínculo com pertencimento racial”, afirma. 

Em outras palavras, é na escola que as crianças vão perceber quais tipos de cabelo são mais elogiados, qual cor do olho é mais valorizada etc. E para abordar esse assunto de maneira responsável, é necessário que os educadores estejam formados para tal. 

Uma outra dificuldade comentada por Silvane é a falta de investimento em tempo de qualidade para a formação dos professores. “Normalmente as formações são no contra período de aula em que os professores têm um espaço para descansar e depois voltar. Dificilmente eles vão conseguir colocar um foco no debate proposto porque o período não permite”, diz. 

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A plataforma Escolas Conectadas também possui um curso de formação intitulado “Introdução à Educação Antirracista”, que aborda conceitos como ambiencia racial, as leis 10.639 e 11.645 e como trabalhar a representatividade e a valorização da história, da cultura e das contribuições das diferentes etnias. As inscrições são gratuitas.

Envolvimento de muitos 

Para que uma educação antirracista possa de fato acontecer, é necessário que diferentes atores da comunidade escolar estejam envolvidos. “De nada adianta um professor ou uma professora fazer um trabalho antirracista incrível na sala de aula se a criança sofre racismo quando passa pelo porteiro ou pela porteira”, disse Bárbara Carine, professora e fundadora da Escola Afro-Brasileira Maria Felipa, em entrevista ao Porvir. 

A professora Nelza Jaqueline Franco, de educação básica e referência do EEABI (Espaço Educativo Afro-brasileiro e Indígena) da EMEF Afonso Guerreiro Lima de Porto Alegre (RS), também acredita que é necessário um envolvimento e engajamento de toda a escola neste tema. 

“Não basta um ou dois na escola praticarem esse olhar antirracista e outros continuarem praticando as suas aulas de sempre, nos mesmos moldes de quando começaram a formação inicial que não contemplava a educação para as relações étnico-raciais”, comenta. 

Ela destaca que a gestão escolar tem um importante papel em oferecer e participar dessas formações continuadas voltadas ao enfrentamento do racismo, além de dar suporte para que elas ocorram com o máximo de aproveitamento. 

Jaqueline, que participa de formações na área e tem uma tese de mestrado que aborda essa temática, destaca que a teoria e a prática devem também estar alinhadas, para que uma alimente a outra. 

“Vai ser um processo cíclico, porque a gente vê na teoria e vai praticando amparado nessa teoria, atualizando ela. Esses processos não se separam e é importante que o professor tenha um momento para fazer isso”, ressalta. 

Assim como Silvane, a professora Jaqueline também destaca que é preciso reservar um tempo para essas formações, para que de fato os professores possam se concentrar e introjetar esses conteúdos, principalmente quando eles não foram apresentados na formação inicial. 

Formação inicial e formação continuada 

Quanto mais cedo as pessoas entrarem em contato com o tema, maiores são as chances de que elas o introduzam em suas práticas pedagógicas. Se a educação para as relações étnico-raciais, por exemplo, for apresentada já na formação inicial, esse conteúdo não vai requerer um esforço de convencimento tão grande quanto quando apresentado em outras formações posteriores. 

“As licenciaturas precisam acolher esse tema. Cada professor na sua respectiva disciplina curricular vai ter uma série de conteúdos e práticas específicas para trabalhar essa temática e que, muitas vezes, saem dos cursos de graduação sem ter visto nenhuma delas”, afirma Silvane. 

Quando apresentados antes, os cursos de formação continuada podem abrir espaço para tratar de outras temáticas que vão surgindo ao longo do tempo, explica a assessora de projetos.

“É importante ter conteúdos de história e cultura afro-brasileira e africana nas licenciaturas de todas as disciplinas, com matérias que possam trabalhar práticas antirracistas. Mas também, ao longo de toda a carreira, que todos os educadores possam ter direito à formação continuada para aprofundar temas e renovar debates”, sugere.

Planos de aula 

A partir de um acervo de práticas realizadas por integrantes do curso de introdução à educação antirracista, da plataforma Escolas Conectadas, a Fundação Telefônica Vivo produziu o e-book “Escola para Todos: promovendo uma educação antirracista”, que traz uma jornada prática amparada em exemplos reais e que podem ser adaptados a diferentes realidades. 

O livro digital incluiu dez planos de aula para uma prática antirracista desenvolvida a partir dos temas: Literatura, Representatividade, Estética, Identidade, Território, Ludicidade, Corporeidade, Musicalidade, Religiosidade e antirracismo. 

O material traz também referências dos planos de aula e conteúdo bibliográfico para quem deseja se aprofundar ainda mais. Para conferir e baixá-lo gratuitamente, acesse aqui

O NEER também possui uma série de materiais de formação, tanto com foco nos povos africanos e afro-brasileiro, quanto nos voos indígenas e migrantes. Acesse aqui

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