Guia de acolhimento traz questionário para apoiar escuta de professores
Guia elaborado pelo Instituto Península apoia gestores no desenvolvimento de dinâmicas sobre sentimentos e prática profissional dos docentes e da equipe escolar
por Maria Victória Oliveira 21 de setembro de 2020
No contexto da pandemia do novo coronavírus (COVID-19), retomar as aulas vai exigir momentos de reflexão sobre tudo o que alunos e a comunidade escolar enfrentaram nos últimos meses. Os professores, que precisaram transformar sua prática pedagógica quase de um dia para o outro com a adoção de aulas remotas, modalidade desconhecida para a maioria deles, retornarão a seus locais de trabalho com muito a dizer. E é dever da escola ouvi-los. Esse é o contexto do guia Orientações de Acolhimento para Professores, criado pelo Instituto Península.
O documento propõe uma metodologia de conversa onde todos os participantes são corresponsabilizados em um movimento de dar e receber, considerando que, nas escolas, o trabalho de todos os atores daquele espaço está interconectado. “Estamos conectados em rede. Um passinho que a gente dá afeta o colega, mesmo que a gente não perceba. Um professor que não se sente acolhido, tem menos condições internas de acolher. Um professor que é acolhido e que entende o valor de ser acolhido, estará mais disposto a acolher”, explica Mariana Breim, diretora da plataforma Vivescer e de desenvolvimento integral do Instituto Península.
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Segundo a especialista, pensar em maneiras de acolher quem vai receber os estudantes com a volta das aulas presenciais, quando isso acontecer, foi uma das motivações para a criação do guia. Além disso, ela reforça que o papel da escola vai muito além do ensino de disciplinas como língua portuguesa e matemática, e deve ensinar competências e habilidades como compaixão e empatia, muito trabalhadas em processos de acolhida. Dessa forma, o contexto de pandemia pode reforçar a necessidade e importância do acolhimento existir o tempo todo nas escolas.
“Nós somos seres de relações e estamos interconectados pelos nossos afetos e ideias. Em diversas situações da vida, precisamos acolher e ser acolhidos e essa é uma dinâmica cada vez mais presente nas nossas relações, porque estamos tentando mitigar o sofrimento decorrente de todo esse isolamento e insegurança. Pesquisas mostram que os educadores foram muito afetados, com altos índices de ansiedade e estresse diante da necessidade de reinventarem o seu fazer”, defende.
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Por onde começar
Escutar como os professores vivenciaram a quarentena, quais sentimentos afloraram durante esse período e se solidarizar com eventuais lutos e perdas é uma forma de a escola se reafirmar enquanto porto seguro para aqueles que a frequentam, explica Mariana.
Na primeira parte, o guia propõe ações como escutar e mapear, explicando a importância de conhecer o outro, escutá-lo e dar crédito a experiências e sentimentos, para assim criar condições para atender necessidades. Com um caráter prático, as orientações são acompanhadas de um modelo de questionário que pode ser aplicado nessa fase do acolhimento junto aos educadores, com questões relacionadas a sobrecarga de trabalho, sentimentos mais frequentes durante a quarentena, e reflexões sobre como os próprios docentes gostariam de ser acolhidos e quais desafios acreditam que enfrentarão com a retomada das aulas.
Aconselha-se que o questionário seja aplicado antes do retorno presencial e de forma anônima, inclusive na entrega das fichas, para que todos sintam-se confortáveis em expressar o que realmente pensam. A ideia é que a equipe gestora de cada escola analise as respostas e, a partir delas, pense em ações específicas e adaptadas.
“O questionário já vai indicar o que os professores estão pensando. Se a maior parte deles diz que está ansiosa, a gestão já pode começar a pensar em ações. Mas a parte estruturante deste documento é que se refere às rodas de acolhimento. Esse é o espaço de escuta e de tomar decisões coletivas, de entender o que importa e é prioridade para aquele grupo e o que é possível de fazer dentro dos limites de atuação de cada escola. Estamos reforçando que essa deve ser uma construção democrática, pelo fato de lidar com diferentes perspectivas e realidades.”
Apesar da importância de reunir todos os educadores, os momentos de reunião presencial devem, assim como todo o processo de retomada das aulas presenciais, obedecer a determinações e protocolos sanitários, como o distanciamento entre as pessoas. Dessa forma, o guia orienta que sejam realizadas diversas rodas de conversa com o acompanhamento de representantes da gestão, para que registrem os debates que deverão compor uma narrativa única da unidade de ensino.
Estratégias para acolhimento
No bloco “Intervir para acolher, acolher para intervir”, o documento reforça que um acolhimento realizado com base no diálogo contribui para conectar as pessoas de forma afetiva e que, depois dos passos iniciais de diagnóstico, é necessário que cada unidade de ensino, de acordo com seu contexto, realidade e demandas dos professores, pense em formas de flexibilizar espaços e tempos.
Mariana explica que a partir das necessidades evidenciadas no questionário e nas rodas, é possível articular a criação de redes internas e externas. As internas consistem na reflexão sobre como flexibilizar tempos e espaços na escola para proporcionar momentos individuais de escuta ou promover reflexões compartilhadas. O guia traz exemplos de atividades que podem ser desenvolvidas com o corpo docente, como caminhas de diálogo em dupla, adoção de rituais como a criação de um mural com fotos de pessoas que faleceram ou uma roda de gratidão, assim como a realização de práticas de autocuidado, como grupos de ioga, artesanato, dança, jardinagem e outras.
Já as redes externas consistem na busca por apoios de fora do ambiente escolar em eventuais necessidades, como ajuda psicológica e terapêutica. Também é estratégia de acolhimento a oferta de formações de acordo com as demandas dos profissionais, uma vez que a pandemia reforçou a necessidade de atualização constante dos professores.
Ponto de mudança
Próxima de dois presídios e inserida em um contexto periférico e de vulnerabilidade social, a escola municipal Dulce de Faria Martins Migliorini, de Itirapina, em São Paulo, passou por transformações graças a um plano de ação focado em processos de acolhimento. O trabalho teve início com discussões sobre desenvolvimento integral, acolhimento dos docentes e alterações em processos já estabelecidos na escola, como o reforço escolar, que passou a ser um momento mais lúdico, leve e voltado ao lado humano.
“Desde essa transformação, todos os nossos processos são pensados a partir do acolhimento, junto à famílias, comunidade, secretaria e também nas relações entre funcionários da escola. Eu realmente acredito que qualquer coisa que você faça dentro da escola deve partir do acolhimento além de envolver a todos, em um espaço onde todas as opiniões possam ser faladas. A pessoa expõe o que está sentindo e, por isso, precisamos escutar e validar e, a partir disso, pensar em estratégias”, explica Fabiana Costa, diretora da escola.
Todos as reuniões ou processos formativos da escola têm início com o “check-in”, ou seja, um momento inicial em que cada pessoa compartilha como está se sentindo. Para Fabiana, é esse tipo de discussão sobre opiniões e sentimentos, que às vezes podem durar um encontro inteiro, que possibilitam o êxito de outras oportunidades de planejamentos pedagógicos.
Para a educadora, todo o processo de mudança não só dos professores, mas também dos alunos e da comunidade, se reflete nos bons resultados que a escola tem alcançado. “Não podemos achar que apenas intervenções pedagógicas funcionam. Se mudarmos a maneira de nos relacionar, é possível ter muitos resultados pedagógicos mas, principalmente, humanos. Esse ano, conseguimos aumentar nosso Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em um ponto, e ficamos muito felizes porque sabemos que é fruto desse trabalho.”
Saiba mais
Seguindo a proposta de ser um guia prático a gestores, o documento elenca cinco exemplos de boas práticas de acolhimento desenvolvidas em diferentes parte do Brasil. Entre lives, aulas online e projetos, é possível visitar iniciativas de construção de práticas democráticas de mediação de conflitos, o papel da educação integral em tempos de pandemia, como o projeto político pedagógico da escola pode abordar o momento do coronavírus, entre outros.
Confira o documento na íntegra neste link.
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