‘Jovens inventores’ estimula busca por conhecimento
Quadro temático vinculado na TV traz histórias de determinação de alunos brasileiros que têm ideias sociais inovadoras
por Davi Lira 29 de novembro de 2013
Certo dia, uma colega de escola dos jovens Mateus Santana, Letícia Pereira e Welles Oliveira, todos com 17 anos, desmaiou no refeitório da unidade onde estudavam, em Patos de Minas (MG). A perda súbita de consciência da colega, que era diabética, foi gerada pela pouca quantidade de açúcar no sangue. Foi a partir desse episódio que o grupo percebeu que a doença estava “mais próxima” deles do que imaginavam. Com tal constatação, eles resolveram assumir uma missão: descobrir maneiras de ajudar a colega. Durante o processo de busca de alternativas, os jovens fizeram uma ampla busca em estudos científicos além experimentações na escola para entender toda a complexidade da diabetes. Foi dessa maneira que surgiu uma ideia inovadora que poderia ajudar não apenas sua colega como qualquer paciente com a doença: utilizar as propriedades terapêuticas do líquido presente no quiabo. Apelidada de “água de quiabo”, o produto acabou sendo utilizado como substância complementar ao tratamento de diabéticos por contribuir com a diminuição da quantidade de açúcar no sangue dos pacientes da localidade.
Histórias como essa, onde jovens determinados buscam soluções criativas para problemas de sua realidade local, são o mote do novo quadro do programa Caldeirão do Huck, exibido pela TV Globo, intitulado Jovens Inventores. Previsto para ter cinco episódios, o primeiro deles o “O incrível quiabo” foi exibido no último sábado. Nas próximas semanas, serão apresentados mais casos de alunos brasileiros “inventores” que conseguiram melhorar a vida de suas comunidades com instrumentos, ferramentas ou ideias relativamente simples, mas de grande impacto social.
Trazendo exemplos de várias partes do Brasil, especialmente de jovens do interior, o quadro vai até o local em que foram desenvolvidas essas histórias e depois leva os criadores para a TV. Para analisar o nível de inovação dos projetos, são convocados três jurados por semana. Cada um dá uma nota de zero a 10 para a ideia, sempre levando em conta o alcance de sua aplicação. Ganhando a pontuação máxima, o inventor recebe um prêmio de R$ 30 mil para ser investido no desenvolvimento da ideia, inicialmente implantada de forma limitada em suas comunidades. A diretora do Instituto Inspirare, Anna Penido, será uma das juradas no programa a ser exibido neste sábado (30).
E para ilustrar o contexto de criação do invento e o perfil dos jovens inventores, a produção do quadro fez uma parceria com a produtora independente de vídeos Marinha Farinha Filmes, reconhecida pelo seu trabalho envolvendo temáticas sociais. Assim, cada uma dessas histórias é registrada em um vídeo documental, com duração de 15 minutos e gravado na própria localidade onde vivem os jovens. “O primeiro episódio já foi ao ar. Os demais que virão também trazem histórias emocionantes e cheias de vida. São jovens que mesmo desprovidos de condições de estudo, insistiram em aprender e buscar conhecimento. Não são jovens gênios, são jovens dedicados, com muita determinação e força de vontade que acham que fazer a diferença no mundo começa no quintal da casa deles”, afirma Marcos Nisti, um dos fundadores da Maria Farinha, atualmente vice-presidente do Instituto Alana, voltado ao trabalho de assistência à infância.
“Não adianta a gente querer, do nada, mudar o mundo e ajudar as pessoas. É preciso saber com o que você está lidando. Essa é a base inicial de qualquer inovação”, afirma, em vídeo, Letícia Pereira, uma das criadoras da “água de quiabo”. A invenção, que teve como base pesquisas anteriores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é bastante simples de fazer: basta deixar quiabos de molho, por um dia dentro, de um copo de água e consumir o líquido produzido. A grande novidade é que ao invés de testar em camundongos, como fez os pesquisadores da Unicamp, os jovens resolveram aplicar o “substitutivo” da insulina na própria população da cidade interiorana de Patos de Minas. Mesmo obtendo resultados positivos no grupo analisado, a jovem não deixa de alertar que a invenção, por ainda não ter passado por testes clínicos padronizados, não substitui o uso de medicação controlada nem acompanhamento médico. Confira, no vídeo,a história completa:
Mapeamento
E para achar esses e outros casos inovadores que continuarão indo ao ar a partir de amanhã (30), os produtores da Maria Farinha tiveram um árduo trabalho de mais de cinco meses. Foram mapeadas as principais invenções em feiras de ciências nacionais realizadas em cidades como São Paulo, onde participantes de vários municípios brasileiros apresentam suas ideias e soluções. “Foi difícil selecionar apenas cinco casos. Percebemos nessas feiras que há jovens muitos talentosos no Brasil. Mas as invenções que escolhemos chamaram ainda mais a nossa atenção”, fala a cineasta Estela Renner, responsável pelas filmagens.
Feito a escolha, o segundo passo era ir à campo, conhecer à fundo todo o contexto de criação do invento. Finalizada essa etapa de gravações e de volta à São Paulo, Estela chegou a uma constatação comum que conecta a todos os jovens inventores. “Eles são muito insistentes e criativos. Não desistem fácil. Além disso, notamos que não se trata de superdotados, mas sim de estudantes dedicados que se autodesafiam e colocam a mão na massa. Eles querem fazer acontecer e acreditam nos seus sonhos”, diz Estela.
Para a cineasta, o objetivo dos realizadores está sendo cumprido. “A nossa intenção com os vídeos é mostrar que ser inovador é pop. Pelo alcance da televisão aberta, não temos dúvida que esse quadro tem a força de trazer mais estudantes para os laboratórios de ciência e estimular os professores a criarem laboratórios de ideias com os alunos interessados em levar suas soluções adiante. Para nós, o projeto é visto como uma pedra de toque de mentores e jovens empreendedores. Percebemos nas cidades que visitamos que escolas, professores e a comunidade têm um papel fundamental nesse processo”.
Desdobramentos
E como consequência desse movimento, os realizadores esperam que mais invenções sejam desenvolvidas Brasil à dentro, mesmo que a condição social dos estudantes ou a qualidade da escola não sejam favoráveis para o processo, diz Estela. “Em cidades do Nordeste que visitamos nos emocionamos com um estudante que mesmo não tendo banheiro, nem água encanada em sua casa era um verdadeiro cientista no laboratório de ciências da escola. Ele sabe tudo. E adivinha qual é o seu principal ídolo? O químico Lavoisier”, lembra a cineasta.
Ainda de acordo com ela, a partir desses processos de criação, os jovens são capazes de descobrir suas próprias habilidades. “Trabalhando dentro dessa lógica de aprendizado por projetos, os alunos acabam descobrindo que são bons em determinadas habilidades, como sistematização de dados, acompanhamento de resultados ou entrevista com pessoas. Eles acabam estudando mais em grupo e vendo a importância do trabalho colaborativo e da cocriação. Eles também se tornam mais amigos e mais íntimos deles próprios. Tudo isso acaba sendo muito incrível”, diz Estela.