Leitura faz o estudante sonhar e refletir sobre o seu projeto de vida
Clássicos e atualidades são ferramentas potentes para incentivar a turma a refletir sobre o futuro
por Ruam Oliveira 21 de outubro de 2021
Em “A ilha Misteriosa”, o escritor Júlio Verne apresenta um grupo de náufragos que pousam numa ilha no Oceano Pacífico depois de terem caído de um balão. A passagem pela ilha transformou aqueles adultos, que já tinham suas vidas estabelecidas, e fez emergir neles a vontade de viver de uma forma diferente, mesmo depois de regressar para sua rotina. Até mesmo profissionalmente. Fazer da experiência um projeto de vida.
Mas nem só de fantasia vive a literatura. Muitas obras também são capazes de mostrar o que é real, possível de ser feito ou experimentado no mundo. Isso torna a leitura uma ferramenta de autoconhecimento e de criação de senso crítico sobre a realidade que cerca o estudante.
Os livros – de ficção principalmente – costumam apresentar realidades diversas e mundos possíveis que, de outra forma, não seriam acessíveis aos jovens e adolescentes. A partir dessas vivências, eles são auxiliados a refletir sobre projetos de vida e questões de autoconhecimento, principalmente aqueles que estão no ensino médio e em período de vestibular, com dificuldades para encontrar ou até mesmo pensar sobre o que farão de suas vidas no futuro.
Leia mais
- Como a tecnologia pode ser parceira da leitura na hora de alfabetizar
- Em um mundo cada vez mais digital, é preciso estimular a imaginação
- Docente tem na leitura uma ferramenta importante para trabalhar projetos de vida
Como no livro de Verne, em que a viagem por uma ilha misteriosa traz a possibilidade de pensar sobre cartografia, formas de sobrevivência, escrita de memórias e reflexões internas, os professores podem ajudar os estudantes a desenvolverem seu senso crítico e ampliarem o olhar sobre o mundo. Uma forma de trabalhar essa questão é trazer textos jornalísticos – como notícias e artigos – para que os jovens tenham contato com diferentes opiniões e tenham acesso a curiosidades.
“A gente precisa formar o estudante para o que ele vive hoje dentro da sala de aula. Para pensar o estudante do futuro, temos que pensar no que ele faz hoje. No futuro, com essa leitura atenta do mundo, ele pode se posicionar melhor para o cotidiano, para as relações familiares, por exemplo”, aponta a gestora educacional da Árvore, Letícia Reina.
Esse processo de estímulo a conhecer o mundo pode ser feito antes mesmo do estudante ingressar no ensino médio. Promover espaços de leitura, sejam eles físicos – como o caso das bibliotecas –, redes sociais ou soluções digitais, como é o caso da própria Árvore, é uma forma de ampliação de repertório. E isso significa dar aos estudantes a condição de conhecer, de maneira crítica, outros espaços, outras formas de pensar e de dialogar com a vida e com os outros.
Leitura coletiva e intercâmbio de percepções
A postura do docente em relação ao que está sendo lido também é essencial nessa relação. Mesmo que trabalhando conceitos, procedimentos ou até mesmo atitudes, os educadores e educadoras têm, na intencionalidade, um peso significativo.
O professor Euclides Alves, do Colégio Estadual Mário Quintana, em Barão de Cotegipe (RS), ensina língua portuguesa e literatura para as turmas de ensino médio na escola. Quando houve o retorno às aulas presenciais, percebeu que havia uma defasagem nos alunos em relação à leitura. “Os alunos esqueceram da palavra.”
Foi a partir dessa percepção que o professor resolveu dar início ao projeto “Promovendo Mudança com a Leitura”. Uma vez por semana as turmas de primeiro, segundo e terceiro ano do ensino médio, realizam uma leitura conjunta de uma obra escolhida pelo professor e discutem temas relacionados ao texto. Para que não fiquem apenas com as leituras propostas pelo docente, a cada mês os alunos também são incentivados a escolher os títulos que mais os agradam e trazer algumas temáticas para discussão.
“Através dessa leitura estamos conseguindo que eles voltem a conhecer as palavras”. A impressão do docente é que, com a distância da escola, muitos “desaprenderam a pensar”.
Com as leituras em conjunto, principalmente no primeiro e segundo ano do EM, há um incentivo para o debate, enquanto no caso do terceiro, há uma proposta de também fazer relações com habilidades de redação e preparação para as provas de vestibular – o que também se reflete no futuro.
Docente tem na leitura uma ferramenta importante para trabalhar projetos de vida
Diferente do online, em que as câmeras e microfones fechados faziam com que o professor se sentisse um pouco sozinho, no presencial ele pode ter um pouco mais de liberdade para convidar os alunos à participação. E essa troca faz toda a diferença para ele.
Como mencionou Letícia, essa troca enriquece o texto, colocando-o em seu sentido mais amplo por envolver diálogo e um intercâmbio entre as muitas percepções dos alunos. “Nas pesquisas internas, quanto mais o professor faz a mediação, maiores são os índices de leitura. Ou seja, o papel do professor é fundamental”, aponta a gestora.
O professor Euclides aproveita esse momento de retorno presencial para incentivar os estudantes: “Através do exercício de leitura, de olhar para práticas, profissões e atualidades eles começam a querer se projetar e pensar sobre o futuro. Durante a pandemia eles tinham perdido um pouco essa vontade de pensar e querer sair das realidades que têm hoje. E, com as leituras na sala de aula, podemos proporcionar a eles a experiência de outras pessoas – até mesmo em idades parecidas –, mostrando que pode ser diferente. Dessa maneira, eles conseguem enxergar o futuro”, destaca o professor.
A preocupação do professor de literatura é resgatar a vontade de seus alunos de olhar para suas vidas no pós ensino básico. No período de pandemia, ele relata que devido ao longo tempo em casa, expostos apenas ao pior do noticiário, muitos deles foram deixando de olhar para o futuro, que eles voltariam para a escola, poderiam escolher suas profissões etc. O trabalho com a leitura – principalmente com textos jornalísticos – foi então feito no sentido de resgatar essa esperança.
Ao mostrar os avanços da ciência, o que os jovens estavam fazendo durante a preparação das Olimpíadas, por exemplo, ele reforçava que aquelas realidades também poderiam ser as dos estudantes. “Por que não algum estudante nosso pode estar ali? Tentamos passar para eles que o futuro está aí, que a humanidade pode passar por percalços, mas ela sobrevive”, conta Euclides.
A vida pode mesmo ter muitos percalços, como a queda do balão que levou os cinco abolicionistas à ilha misteriosa de Júlio Verne. Ao entrar nessa nova realidade, eles perceberam que eram capazes de efetuar muito, de construir, imaginar, inventar e realizar. Quando o educador traz uma leitura contextualizada, evidenciando as muitas potencialidades do aluno, ele também é um pouco Júlio Verne. Também faz com que conheçam outros mundos possíveis e saibam se posicionar, refletir e sonhar sobre o futuro.