Livro de Lázaro Ramos inspira professora em atividade no fundamental 1
No projeto "Caminhando com as emoções", educadora de Belo Horizonte parte da obra “Sinto o que sinto: e a incrível história de Asta e Jaser” para reconhecer e validar as emoções da turma do 3º ano
por Jacqueline Paula Mendes Costa 15 de junho de 2022
No retorno às aulas presenciais, ficaram visíveis os efeitos negativos que o enclausuramento e o distanciamento das relações socioafetivas tiveram no desenvolvimento cognitivo e socioemocional das crianças. Assim, no fim de 2021, no decorrer do processo de planejamento do atual ano letivo, pensei em desenvolver um projeto literário em que as habilidades socioemocionais pudessem ser o foco.
Minha ideia era criar um projeto que unisse a literatura às habilidades cognitivas e socioemocionais previstas em nossas matrizes institucionais e na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), necessárias para a efetiva formação de uma personalidade estável e equilibrada, pois essas habilidades são fundamentais para o pleno desenvolvimento da personalidade, inclusive das crianças, que estão em processo de formação de valores éticos e morais.
Inovar é ressignificar as práticas, atribuindo sentido e intencionalidades que vislumbrem tornar as aprendizagens visíveis. De acordo com o meu fazer pedagógico, considero que a inovação no processo de aprendizagem está para além do uso das tecnologias digitais. Nesse contexto, o projeto “Caminhando com as emoções” inova quando inaugura possibilidades do desenvolvimento socioemocional atrelado ao desenvolvimento cognitivo. Entendo, dessa forma, que, por meio do projeto, nossas crianças puderam se sentir pertencentes e valorizadas, com experiências que propiciaram o desenvolvimento do autorreconhecimento, para que exerçam a autorregulação das emoções.
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Segundo a BNCC, para que as competências socioemocionais sejam trabalhadas no contexto escolar do aluno do século 21, elas devem ser o foco de qualquer proposta curricular que venha a ser delineada. Por isso, entendi ser tão necessário construir um espaço em que as crianças tivessem liberdade para expor suas emoções e equilibrá-las de forma eficaz, a partir da conduta de um mediador, para que possam, futuramente, vivenciar a autogestão por meio do desenvolvimento do autoconhecimento.
Reconhecer as nossas emoções, negativas ou positivas, e saber o que fazer com elas é um desafio diário, validar o que eu sinto e o que o outro sente é algo absolutamente significativo e por vezes desconfortável, como relataram alguns alunos ao se sentirem incomodados ao falarem de si mesmos.
Respaldada por esse “olhar”, usei como mola de inovação o simbolismo presente na leitura do livro “Sinto o que sinto: e a incrível história de Asta e Jaser”, do autor Lázaro Ramos, que aborda temas sensíveis e pertinentes aos tempos atuais, tais como: o reconhecimento e a validação das nossas emoções e a nossa ancestralidade, que nos singulariza e nos compõe como seres únicos. Assim, a partir da vivência do projeto, as crianças das turmas do 3º ano democraticamente o nomearam de “Caminhando com as emoções”.
Etapas do projeto
1º – Antes de tudo, realizamos um brainstorming imagético, no qual as crianças desenhavam as emoções que já conheciam. A intenção era identificar o nível de reconhecimento e diferenciação entre emoção e sentimento.
2º – Apresentamos o vídeo de acolhimento enviado pelo autor Lázaro Ramos, o qual consideramos uma âncora do projeto literário. As crianças foram convidadas a participar da dinâmica que nomeamos de “Sinto o que sinto”. Elas escolhiam uma cor de balão de acordo com a emoção do momento, depois desenhavam a emoção no balão já cheio e mostravam a sua representação para os amigos.
3º – Em conjunto com as crianças, elaboramos questões motivadoras para o desenvolvimento do projeto: Como funcionam as emoções? Quais são as emoções mais frequentes em minha vida? Consigo falar sobre as minhas emoções com facilidade? Eu sinto as mesmas emoções sempre? O que eu posso fazer com as minhas emoções e sentimentos? Existe diferença entre emoção e sentimento?
4º – A partir da escolha do livro, construí uma trilha literária estruturada em 21 passos, distribuídos entre leitura da obra e atividades diversas, ancoradas no desenvolvimento das habilidades socioemocionais e cognitivas.
A estrutura da trilha literária foi pensada como oportunidade de vivência para a aprendizagem das habilidades socioemocionais. A partir dos 21 passos, os estudantes estabeleceram conexões consigo e com o outro, refletiram, acomodaram e transformaram a maneira de se ver e se aceitar como seres humanos vulneráveis, percebendo-se como pertencentes a um meio escolar que busca ampará-los na caminhada do “crescimento”.
Vale ressaltar que nenhum dos passos propostos na trilha tinha obrigatoriedade de ser realizado. As crianças tinham liberdade de expressão e escolha. “Educar” para as emoções é também “educar” com as emoções, o que perpassa pelo cuidado e pelo respeito.
O projeto “Caminhando com as emoções” terá continuidade, já que o trabalho com as habilidades socioemocionais se faz tão necessário para o fortalecimento dos indivíduos como seres humanos em constante desenvolvimento. E já é possível coletarmos evidências de aprendizagem à medida que os alunos se apropriaram das características da tipologia narrativa, ampliaram a escrita reflexiva, principalmente no que diz respeito à clareza de ideias, ao uso correto do espaço marcador de parágrafo e aos substantivos próprios. Também apresentam manifestação e reconhecimento das emoções de forma mais consciente, tanto no respeito ao seu sentir, quanto ao sentir do outro.
A comunidade escolar e externa também foi convidada a se envolver na execução do projeto, a partir de divulgação nas redes sociais e dentro dos âmbitos escolares.
Com o desenvolvimento do projeto, fui desafiada o tempo todo a ouvir e rever rotas. Aprendi que, muitas vezes, deixamos de conversar e expressar nossos sentimentos e emoções e, como consequência, esquecemos a importância que eles têm em nossas vidas sociais e em nosso desenvolvimento emocional e pessoal.
Posso concluir que a jornada refinou a nossa forma de lidar com as emoções e que, por meio dela, nos transportamos do mundo externo para o interno. A partir das vivências, os alunos tornaram-se protagonistas na construção da própria aprendizagem, modificaram suas ações e desenvolveram a aplicabilidade das habilidades cognitivas e socioemocionais de forma sistemática e efetiva.
Jacqueline Paula Mendes Costa
Natural de Belo Horizonte (MG), atua como professora há 22 anos e leciona há 10 anos no ensino fundamental 1 do Colégio Santa Marcelina-BH. Formada em pedagogia com especialização em psicopedagogia e MBA em educação cognitiva: gestão da aprendizagem mediada, é educadora parental certificada em disciplina positiva pela PDA (Positive Discipline Association, EUA).