Novo Ensino Médio abre oportunidades para educação inclusiva
Para especialistas, a diversificação de estratégias pedagógicas que esta etapa de ensino possibilita, com maior protagonismo estudantil, beneficia o desenvolvimento dos jovens
por Fernanda Nogueira 2 de dezembro de 2022
A professora Rosimeire de Souza Gonçalves e Silva, da Escola Estadual Professor Cid Boucault, em Mogi das Cruzes (SP), acompanha o estudante Danilo Souza Gomes, de 17 anos, desde o 9º ano do ensino fundamental. Hoje, no final do 3º ano do ensino médio, eles comemoram o desenvolvimento do jovem durante os últimos anos de estudo.
Com TEA (Transtorno do Espectro Autista), Danilo tem a ajuda da educadora e dos outros professores da escola nas aulas sempre que precisa de alguma adaptação do conteúdo para sua melhor compreensão. Durante a pandemia, havia aulas online em vídeo todos os dias por uma hora. Foi nesta época que os professores e estudantes decidiram criar um telejornal sobre bullying e cyberbullying. Atividades lúdicas potencializam a aprendizagem de Danilo, por isso a proposta foi de que ele representasse o papel de apresentador. “Ele precisa do concreto. Neste trabalho, vestiu a roupa, preparou a bancada, montou o cenário”, diz Rosimeire.
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A escolha do tema da atividade inclusiva, que envolveu outros alunos da educação especial da escola, funcionou como uma forma de engajar os estudantes e familiares nas discussões sobre competências socioemocionais, que fazem parte do currículo do Novo Ensino Médio. “Trabalhamos a consciência social, desenvolvendo a empatia e a habilidade de relacionamento”, afirma a professora.
Danilo precisa de adaptações das aulas em todas as matérias. Em matemática – uma das preferidas do jovem – exercícios teóricos também são transformados em atividades concretas pela professora da disciplina. Em português e inglês, o estudante precisa ver imagens para compreender figuras de linguagem, por exemplo.
Na eletiva deste ano, o estudante trabalhou na horta da escola, onde aprendeu a plantar, cultivar a terra e colher os alimentos. “As mudanças do Novo Ensino Médio – com tecnologia, eletivas e projeto de vida – são benéficas porque trazem para a escola a realidade da vida prática”, diz a professora. Em parceria com uma colega de classe, Danilo escreveu dois livros sobre adolescência e amizade. Participou ainda de um documentário, aprendeu dança, teatro e desenho. O estudante também escreveu seu primeiro livro no ano passado, junto com uma colega de classe.
Para facilitar a interação do jovem com os colegas, Rosimeire conversou com a turma no início do primeiro ano, falou sobre o transtorno e abriu espaço para perguntas. “Eles entenderam e respeitaram. Nunca tivemos problemas”.
Inclusão no Novo Ensino Médio
A lei 13.415/2017, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e orienta o Novo Ensino Médio, não menciona diretamente a educação inclusiva, segundo Karolyne Ferreira, analista de advocacy do Instituto Rodrigo Mendes.
“Podemos, entretanto, inferir que a proposta de formato mais dinâmico, flexível e com maior protagonismo dos estudantes pode incentivar a diversificação de estratégias pedagógicas”, afirma ela, ao mencionar que a educação inclusiva é possível quando se desconstrói a imagem de que todos aprendem da mesma forma. “Valorizar a singularidade e a potencialidade de cada aluno, elementos fundamentais da inclusão, passa pela superação do formato tradicional de aulas expositivas e da incorporação tanto de materiais didáticos quanto de estratégias pedagógicas diversificadas. Ações como essa beneficiam todos os estudantes, independentemente da condição da deficiência”, diz Karolyne.
De acordo com a especialista, as mudanças propostas pelo Novo Ensino Médio (formato mais dinâmico, flexível e com maior protagonismo dos jovens) dão abertura para a adoção de estratégias pedagógicas diversas. “As múltiplas formas de apresentação dos conteúdos podem ser grandes aliadas para o ensino e aprendizagem dos estudantes com deficiência. O uso de tecnologias digitais, por exemplo, dotadas de grande variedade de recursos de acessibilidade, é uma forma de permitir que nenhum deles fique para trás nesse processo.”
O uso de tecnologias digitais, por exemplo, dotadas de grande variedade de recursos de acessibilidade, é uma forma de permitir que nenhum deles fique para trás nesse processo
Com facilidade na internet, Danilo usa regularmente o tablet que ganhou da escola. “Ele sempre pesquisa no Google as palavras que são novas para o vocabulário dele”, conta Rosimeire. As aulas de inglês, por exemplo, são realizadas em interação com a professora da disciplina e o aplicativo Duolingo. O jovem utiliza ainda os notebooks da escola em sala, como nas aulas de biologia, em que acessa a plataforma Kahoot, que traz jogos sobre os assuntos estudados.
Desigualdades na pandemia
Na avaliação de Karolyne, durante a pandemia os estudantes público-alvo da educação especial foram afetados pela reduzida qualidade de acessibilidade às aulas a distância, aos conteúdos e aos materiais.
A pesquisa “Desigualdades no acesso ao ensino durante a pandemia – estudantes com deficiência”, realizada por Itaú Social, Fundação Lemann, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Datafolha, e divulgada no primeiro semestre de 2022, mostrou que dos materiais pedagógicos enviados, 29% não apresentavam adaptações e/ou acessibilidade.
Menos da metade das aulas tinham recursos de acessibilidade (47%) e o AEE (Atendimento Educacional Especializado) foi oferecido de forma irregular: apenas 23% dos estudantes fizeram o AEE durante todo o período, 18% em alguns momentos, 12% raramente e 47% nunca foram atendidos.
“Apesar das dificuldades enfrentadas no ensino remoto, durante a reabertura das escolas, o percentual de frequência entre os estudantes com deficiência foi de 79%. Em comparação com estudantes sem deficiência, os desafios por parte dos responsáveis se relacionavam com insegurança e falta de acolhimento (59%) e por parte dos estudantes com deficiência, tinham a ver com dificuldades no relacionamento com professores e colegas (32%). Esses são alguns pontos de atenção a serem superados de maneira conjunta por professores, responsáveis e a comunidade escolar”, diz a especialista.
O progresso educacional do estudante com deficiência é mais tortuoso pelas barreiras atitudinais que eles enfrentam na escola e pela carência de formação dos professores na perspectiva da educação inclusiva, aponta Karolyne. “Quando isso não é levado em consideração, o acolhimento e o ensino são prejudicados. A conscientização da comunidade escolar sobre a potencialidade de cada aluno e professores preparados para ensinar para todos os estudantes, independente de suas características, impacta positivamente na retomada dos estudos.”
Planos para o futuro
Danilo está empolgado para trabalhar após o ensino médio. “Quero sustentar a vida, ter responsabilidade e ter um compromisso”. Ele diz que vai sentir falta da escola. “Vou ter muitas lembranças na cabeça. Vou ficar com saudade dos meus amigos, mas posso conversar com eles pelas redes sociais.”
A mãe, Joelma Pereira de Souza Gomes, se orgulha do desenvolvimento do filho. “É uma alegria grande ver um filho com autismo acabar o ensino médio. Fiquei preocupada quando ele teve que mudar de escola, eu tinha medo do novo, mas deu tudo certo”. Ela conseguiu na Justiça o direito de Danilo ter o acompanhamento de uma professora especialista durante as aulas.
“A professora se esforçou bastante para incluir o Danilo em todas as atividades. Ele tem uma autonomia que ela incentivou. Percebi essa inclusão”, afirma Joelma.