Projeto incentiva alunos a desenvolver soluções para problemas urbanos
Para trabalhar protagonismo e ação social, professor coloca alunos de nono ano para pesquisar e propor soluções para trânsito, abandono de animais e lixo
por Lupercio Aparecido Rizzo 3 de agosto de 2016
Dei aulas de filosofia para alunos do Colégio ESI São José, de Santo André (SP), por um bom tempo. Num determinado momento, eu, a coordenação e a direção da escola chegamos a um acordo para desenvolver uma atividade na qual os alunos tivessem de fato alguma intervenção na sociedade, na cidade e no entorno deles.
A partir daí, surgiu o projeto de protagonismo. No primeiro semestre do ano, apresentei a eles o que é ser protagonista, o que é intervir na sociedade. Além disso, dei aula de metodologia de pesquisa, de pesquisa científica e de análises quantitativas e qualitativas. Quando voltaram das férias de julho, os alunos se dividiram em grupos e receberam a missão de ir para a rua ou para o entorno de casa ou da escola e encontrar alguma coisa que, de alguma maneira, não os deixasse satisfeitos. A minha pergunta para eles foi “como vocês podem potencializar algum tipo de mudança?”.
Eles foram para a rua, entrevistaram pessoas, pensaram em dinâmicas de trabalho diferentes e propuseram algumas alternativas para problemas que antes eles só viam como “alguém tem que cuidar disso” ou talvez nem tinham reparado na questão.
Em Mauá, que é uma cidade muito próxima de Santo André, existe um lixão. Um grupo de alunos quis falar sobre biogás e a possibilidade da cidade usar a biomassa para produzir energia e gerar combustível para os ônibus. Para isso, eles precisaram procurar um professor de química e outro de economia. Eu passei a ser um tutor. A cada semana, eles iam trazendo informações e nós fomos montando o trabalho.
Outro grupo escolheu falar sobre trânsito. Os alunos ficaram na rua da escola fotografando, filmando e fazendo anotações. Eles descobriram, por exemplo, que a escola tem um fluxo diário de 2500 carros. A partir disso, estudaram formas de reduzir esse grande impacto no trânsito. Já outros alunos resolveram criar um aplicativo chamado “Animais em apuros”, que reúne ONGs, veterinários, serviços públicos e pessoas interessadas na busca por animais desaparecidos. Basicamente, funcionava assim: quem visse um bichinho na rua, poderia tirar uma foto e publicar no aplicativo, que informava toda a rede cadastrada como se fosse um alerta no celular. Essa mensagem ficaria piscando até que alguém fosse socorrer o animal.
Em todos os casos, eu orientei os estudantes a fugir de soluções que respondessem a problemas do senso comum. Expliquei que é preciso pesquisar para descobrir quais são os verdadeiros problemas a serem melhorados ou resolvidos. No caso do trânsito, sugeri que levantassem informações como quantos carros passam na escola por dia, qual é o tipo de infração mais cometida e quantos alunos chegam em cada carro. De repente, 10 carros levam um aluno em cada um, e isso poderia ser substituído pelo transporte escolar. Mas, para propor isso, é preciso analisar uma série de variáveis, como o custo do transporte individual e do coletivo.
Quando todos chegaram ao final do processo, nós tínhamos cerca de 30 trabalhos. Todos os grupos produziram um banner no formato acadêmico e fizeram a apresentação para uma banca, composta por mim, outros dois professores, as coordenadoras do ensino fundamental e médio e a diretora da escola. Foi uma coisa simples, mas muito significativa. Ao final da apresentação, foram selecionados cinco grupos. Então, nós fizemos outra noite de apresentações, dessa vez com a presença da comunidade, das famílias e de representantes de ONGs. Até vereadores e secretários de educação compareceram. Para os alunos, foi uma noite brilhante.
Eu fiquei responsável por esse projeto porque, como professor de filosofia e pesquisador, poderia contribuir com as duas coisas: um olhar mais crítico, criterioso e reflexivo da sociedade e outro para a estrutura de pesquisa e de apresentação.
Quando a gente fala de formação cidadã, de formar o ser humano para usar a autonomia e causar impacto na sociedade, deve-se oferecer situações em que os estudantes possam de fato desenvolver essa característica. Em um livro ou análise sociológica, às vezes você deixa os problemas da sociedade quase restritos a um laboratório de estudos. É preciso vivenciar os problemas para se interessar por eles. Por exemplo, os alunos têm que sair da sala de aula e fazer mais que um estudo de meio, voltar para casa e escrever uma redação. Nós temos que pensar em alternativas e dar possibilidades criativas a eles.
Lupercio Aparecido Rizzo
Doutorando em educação pela USP, Mestre em educação pela Uninove, pós graduado em Docência Universitária pela Uninove e pedagogo pela FATI – São Caetano do Sul. Coordenador de cursos de Pós-Graduação na área da educação, filosofia, sociologia e ética. Pesquisador da Capes/ Inep com participação em pesquisas voltadas à educação e inclusão social.