Rádio, revista e vídeos: como nasce e cresce um projeto de educação midiática - PORVIR
Crédito: Imprensa Jovem/Escola Estadual Professor Benedito Célio de Siqueira

Diário de Inovações

Rádio, revista e vídeos: como nasce e cresce um projeto de educação midiática

Desde 2011, escola pública de São Paulo incentiva alunos a retratar o que acontece dentro e fora da sala de aula em formatos jornalísticos

por Anderson Luiz Salafia ilustração relógio 5 de janeiro de 2023

Sempre desenvolvi atividades e projetos focados em promover o protagonismo juvenil, como o grêmio estudantil, construindo-o com os alunos. Sou professor de história e, desde 2011, a Escola Estadual Professor Benedito Célio de Siqueira, onde hoje atuo como coordenador de gestão pedagógica, vem se destacando em uma iniciativa: a educação midiática.

Tudo começou com a criação de uma rádio escolar, com o apoio de um computador e o programa Virtual DJ (gratuito para download) para tocar as músicas. Contamos com uma mesa de som, mas pode ser usada uma caixa de som amplificada, ligada diretamente no computador. A transmissão acontece até hoje, durante o intervalo e nos eventos que cobrimos. Eu aprendi tudo sobre os equipamentos com os estudantes, enquanto os auxiliava a organizar a equipe, a programação e fazer tudo funcionar. 

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Ainda no final de 2011, notei que havia outros projetos bem interessantes relacionados à comunicação e propus à turma a edição de um jornal, intitulado “Atualidades G3”. Nele, o grupo da então sexta série (hoje equivalente ao sétimo ano), registrava o que acontecia na escola, a fim de mostrar nossas boas notícias (apesar da localização periférica e de dificuldades enormes quanto a recursos). 

No ano seguinte, por meio de uma oficina, formamos a primeira equipe de imprensa jovem, que, além de participar da rádio, começou a filmar e fotografar tudo o que ocorria na escola, como as atividades culturais (Festa das Nações, Dia das Mães, Gincana nas Crianças, Festa Junina, entre outras). Também realizamos nossa primeira cobertura externa, ao acompanhar a apresentação da fanfarra em um concurso no interior de São Paulo.

Cobertura da Feira de Ciências de 2022

Em 2012, criamos a revista “Jovens Estudantes”, na qual inserimos a retrospectiva daquele ano letivo, inclusive as atividades realizadas nas aulas de sábado, já que a escola ainda tinha três turnos diurnos para atender a demanda da comunidade por vagas. Somente em 2019 passamos a ter apenas dois turnos diurnos, como as demais escolas da rede. A revista segue em produção.

A cada ano, os desafios foram aumentando e logo os estudantes da equipe de comunicação e imprensa G3 assumiram novas responsabilidades. Também produzimos mais algumas edições do jornal “Atualidades G3” até 2015. Além de valorizar o trabalho pedagógico, a publicação tinha como objetivo mobilizar e envolver a turma em ações que pudessem melhorar a convivência no espaço escolar, abordando não apenas os aspectos positivos da escola, mas trazendo reflexões sobre problemas encontrados, como a limpeza das salas e o uso de celulares.

Nas redes sociais, criamos e passamos a manter a página oficial da escola no Facebook. Nela, além das informações relacionadas ao dia a dia, também compartilhamos reportagens sobre aulas diferenciadas, atividades culturais e todas as atividades externas que nossos estudantes realizam (como a participação nos Jogos Escolares do Estado de São Paulo, as apresentações da banda Marcial, excursões e muito mais). 

No YouTube, temos um canal que desde 2014 passou a abrigar as reportagens em vídeo que produzimos sobre a escola e para exibição de reuniões de pais, que também são divulgadas por WhatsApp.

Em 2015, nossa equipe de imprensa jovem já estava consolidada dentro da escola quando um novo desafio surgiu: o convite para integrar a equipe organizadora da Mostra Científica da Diretoria de Ensino da região Sul 3, resultando na edição de uma nova revista sobre aquele evento. Também passamos a fazer as fotos e filmagem da formatura de nossa escola e, a partir de 2016, criamos o “Livro dos Formandos”, com fotos das turmas para servir de recordação. 

O ano marcou o período em que começamos a multiplicar nosso projeto com estudantes de outras escolas, compondo uma equipe conjunta de imprensa para cobrir a Mostra Científica. A iniciativa contou com o apoio do professor Mario Barros, da Escola Estadual Adelaide Rosa Fernandes Machado de Souza, estreitando a parceria. Inclusive, acabamos de criar uma diretoria de imprensa, na qual realizamos formações conjuntas com alunos de ambas as escolas. Juntos, também passamos a atender pedidos da Diretoria de Ensino para registrar atividades como a certificação dos grêmios estudantis, o desfile cívico, a Mostra Científica, os Jogos Escolares e o Campeonato de Foguetes, contribuindo também para divulgar o trabalho de outras escolas de nossa região. 

Passo a passo

Anualmente, os integrantes mais experientes da equipe de imprensa divulgam o projeto aos estudantes do sexto ano. Para eles, tudo é novidade, pois chegam à escola, que atende do fundamental 2 ao ensino médio, com muita vontade de participar dos projetos. Mas qualquer aluno, de qualquer turma, pode se inscrever. 

Os interessados escrevem uma carta, contando os motivos de querer participar da iniciativa. O objetivo, com essa atividade, é fazer com que cada criança reflita sobre seus sonhos, o que deseja fazer ao integrar o grupo: vemos com destaque o desejo de ajudar no que for preciso e disposição em aprender. Atualmente, a turma é composta por 20 alunos, em média.

Após uma oficina inicial que eu realizo presencialmente, os estudantes têm contato com o básico sobre o trabalho da imprensa e ainda o funcionamento da rádio. As demais formações têm caráter mais prático, e são feitas com integrantes mais antigos. É nesse momento que eles aprendem a fotografar e a filmar, tendo como material de apoio uma apostila que criamos e que sintetiza importantes conhecimentos. 

Todos começam como redatores, observando as aulas e participando de projetos e atividades internas, redigindo reportagens sobre o que vivenciaram e consideraram interessante para ser relatado na “Jovens Estudantes”, revista da escola. Eu faço a leitura e oriento mudanças e ajustes nos textos. Também tenho estimulado que os alunos mais experientes auxiliem os mais novos, além de trabalharem em duplas. Com o tempo, eles aprendem a fotografar ou filmar melhor e passam a ser escalados para as equipes que cobrem os eventos externos. 

Também organizamos uma sala no Google Classroom, onde gravei videoaulas que contemplam desde a formação inicial aos conteúdos aprofundados sobre a produção de documentários e da escrita no gênero jornalístico, permitindo que possam acessar e aprender em casa. 

Há uma evolução na complexidade das pautas produzidas: aqueles estudantes que demonstram mais interesse e facilidade passam a acompanhar de perto os detalhes do trabalho pedagógico, marcando presença nas reuniões do Conselho Escolar ou mesmo apurando mais informações para compreender o que é realizado na escola.

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Materiais necessários

Quando começamos este projeto, a escola tinha outro nome, Loteamento das Gaivotas III. O nome atual, Benedito Célio de Siqueira, é uma homenagem ao nosso diretor, que morreu em 2015. Bem no início das atividades, tínhamos apenas os recursos que eu conseguia reunir: uma câmera fotográfica básica, uma intermediária e uma DSLR

Por gostar de fotografia, ao entrar na educação, consegui investir em algo que antes era impossível, fazendo curso e comprando equipamentos, logo compartilhados com os estudantes. Em 2016, a escola adquiriu com recursos próprios as câmeras fotográficas e, hoje, nossa diretora Carmen Benedita Valim reconhece a importância do projeto, aportando recursos para a rádio e para a imprensa jovem.

Hoje, a escola dispõe de todo o equipamento que usamos para a filmagem e a fotografia. Eu edito os vídeos na minha casa: é um passo que ainda vamos consolidar quando tivermos equipamento na escola para fazer a edição. Para a rádio, a expectativa é que possamos dispor de novas caixas de som e outros equipamentos, modernizando o que já temos. Também chegarão alguns itens para complementar o material de fotografia.

Crédito: Imprensa Jovem/Escola Estadual Professor Benedito Célio de Siqueira Revistas produzidas pelos estudantes / Crédito: Imprensa Jovem/Escola Estadual Professor Benedito Célio de Siqueira

Efeito multiplicador

Considerando que a primeira turma que fez parte da criação deste projeto concluiu o ensino médio em 2016, é gratificante ver os impactos que o trabalho teve na vida desses alunos – até hoje, aproximadamente 400 jovens participaram das atividades. Há dois tipos de estudantes que a frequentam: os que permanecem por longo período, alguns até concluírem o ensino médio, e aqueles que ficam de um a três anos. Contudo, a permanência no projeto fica a critério de cada estudante, que tem liberdade para sair quando desejar. 

Uma integrante está concluindo a graduação em jornalismo, outra, Millena Silva Divino, acabou por ingressar no magistério e atua em nossa escola, auxiliando, agora como professora, o mesmo projeto que ela ajudou a construir enquanto estudante. 

Para os estudantes, é perceptível a desenvoltura para lidar com situações adversas e interagir com o público. Eles também demonstram foco e disposição maior para correr atrás de seus sonhos e objetivos. Já para os demais alunos, que são o público-alvo de nosso trabalho (nossos leitores e nossa audiência), a forma como veem a escola mudou. Eles reconhecem que, a despeito das dificuldades, temos um ensino de qualidade e precisamos valorizar a educação pública.

Uma década se passou e, hoje, conseguimos apresentar à comunidade, via YouTube, WhatsApp e o PDF da revista, uma visão completa sobre a escola e a educação, destacando o protagonismo juvenil e abrindo um espaço importante para estimular diferentes projetos de vida enquanto valorizamos a educação. 

Pessoalmente, tenho enorme alegria e satisfação por ver que o que começou de forma simples e sem maiores pretensões cresceu e se tornou algo sólido, que tem importância para todos os estudantes que participam ou participaram, sendo comum que ex-alunos ainda mantenham contato e fiquem felizes em saber que o projeto segue firme e crescendo.

O que é preciso fazer para replicar o projeto?

Não há muitas dificuldades em replicar este projeto. Afinal, hoje dispomos de celulares com câmeras e todos os jovens têm grande facilidade em fazer uso de redes sociais e ferramentas de edição de foto e vídeo, disponíveis em forma de aplicativos. 

O básico é um computador (para digitar textos, editar a revista, tratar as fotos e editar os vídeos) e uma câmera. Hoje, todos os celulares contam com gravador de voz, câmera de vídeo e até mesmo aplicativo para a edição desses vídeos. 

Basta reunir estudantes que gostem da proposta e lhes abrir espaços, facilitando oportunidades para que possam descobrir e fazer bom uso de talentos que eles já possuem. O segredo é o trabalho em equipe, compartilhando conhecimentos para atingir os objetivos definidos com os estudantes. E uma vez que seu primeiro jornal, vídeo ou postagem em uma rede social sobre as atividades da escola for concluído, os próximos passos ocorrerão naturalmente.


Anderson Luiz Salafia

Graduado em história pela Unisa (Universidade Santo Amaro), é docente, desde 2010, na rede estadual de São Paulo, nos anos finais e ensino médio na EE Professor Benedito Célio de Siqueira, onde assumiu a coordenação de gestão pedagógica em 2018.

TAGS

educação mão na massa, educação midiática, educomunicação, ensino fundamental, ensino médio

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