Todos podem aprender matemática? Pesquisadores e especialistas garantem que sim
Com novas práticas e uma mudança de mentalidade é possível aprender matemática de uma forma aberta, criativa e visual
por Marina Lopes 27 de março de 2021
“Eu sempre fui rotulada como uma estudante que não era boa em matemática. Para mim, ela era uma disciplina monocromática, exata e pouco visual. Quando eu finalmente descobri que a matemática poderia ir muito além disso, comecei a me sentir mais segura e empoderada.” Com esse depoimento, a professora polivalente Indira Vânia Pereira da Silva recorda como desconstruiu pensamentos e estigmas da sua própria trajetória escolar para enxergar a matemática de uma forma mais leve e ampla.
⬇️ Baixe infográfico: Todos podem aprender matemática
“Precisamos acabar logo com esse ranço que as pessoas têm da matemática”, diz a educadora, que hoje dá aulas para cerca de 90 alunos do 3º a 5º ano do ensino fundamental, em uma escola da rede SESI, em Santos (SP). Portuguesa, naturalizada brasileira aos 10 anos de idade, ela conta que a sua relação com a matemática ganhou novas cores e significados ao conhecer a abordagem das Mentalidades Matemáticas, que trabalha a disciplina de uma maneira mais aberta, criativa e visual. “Eu transformei a minha concepção em relação à matemática. Percebi que ela pode, sim, ser equitativa e possível para todos.”
Depois de conhecer a matemática por uma nova perspectiva, Indira conta que as aulas também mudaram. Hoje, as cores, símbolos, formas, interesses e experiências dos estudantes fazem parte da rotina escolar. Entre muitas possibilidades, por exemplo, as Conversas Numéricas já se tornaram um hábito. “Pelo menos uma vez por semana, os alunos deixam de lado o lápis e a caneta para fazerem contas mentalmente. Eles pensam em um número usando suas próprias estratégias, que podem variar como contar ovelhas, comida ou dinheiro, e depois compartilham os diferentes caminhos que seguiram para chegar aos resultados”, explica. Outras atividades como Números Visuais e Conversas de Pontos também fazem parte dessa nova forma de ensinar matemática, como mostrado no infográfico publicado pelo Porvir.
Como superar estigmas e obstáculos com a matemática
A abordagem parte de uma constatação de que todos podem aprender matemática em altos níveis. “Sabemos pelas pesquisas de neurociência que muitos alunos não conseguem entender, mas não é por uma questão de capacidade. O que acontece é que temos alguns obstáculos que estão atrapalhando. Então, o que queremos fazer é criar um ambiente na sala de aula em que os alunos se sintam capazes o suficiente para aprender e fazer perguntas”, destaca Jack Dieckmann, diretor de pesquisa da plataforma YouCubed e pesquisador da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.
Com base em conhecimentos da psicologia, da neurociência e da educação matemática, Dieckmann afirma que a abordagem tem o objetivo de repensar a relação que alunos e professores têm com a matemática. “Temos uma cultura de gerações que diz ‘eu aprendi assim, meus pais aprenderam assim e, talvez, os meus avós tenham aprendido assim’. Parece normal ter esse pensamento de que a matemática vai ser sempre difícil”, relata. No entanto, ele diz que é preciso desconstruir esses estigmas e adotar novas posturas em relação ao ensino da matemática, que hoje ainda é muito desconectado da forma como os próprios matemáticos enxergam a área.
“Não é somente dizer uma frase de motivação de que todos podem aprender, mas é pensar em como vamos fazer isso”, ressalta. De acordo com ele, a resposta também passa por mudanças nas normas da sala de aula, no currículo e nas práticas de ensino. “Se não fizermos isso, é como se estivéssemos dizendo para os alunos: vocês têm toda a responsabilidade por não conseguir.”
Uma nova forma de aprender matemática
Dentro dessas mudanças, ele cita algumas possibilidades como o trabalho visual, a valorização do raciocínio e dos diferentes caminhos para chegar a uma resposta, o foco no pensamento cuidadoso em detrimento à velocidade e a abertura ao erro como parte do processo de aprendizagem. “Quando um aluno comete um erro costumamos dizer ‘sinapse’. O cérebro está crescendo nesse momento, então isso não é uma coisa ruim”, menciona o pesquisador.
“O elemento do erro ainda é muito punido dentro do ambiente escolar, mas ele faz parte do processo de aprendizagem”, concorda Ya Jen Chang, presidente do Instituto Sidarta, instituição que trouxe a abordagem Mentalidades Matemáticas para o Brasil, com base os estudos da professora e pesquisadora Jo Boaler, da Universidade de Stanford, aliados à estratégia de trabalho em grupos colaborativos, desenvolvida pelas pesquisadoras Rachel Lotan e Elizabeth Cohen, da mesma instituição.
Para a presidente do Instituto Sidarta, também é preciso rever a ideia de que a matemática é a ciência dos números. “Os matemáticos vão afirmar que esse conceito já está ultrapassado há mais de 2.500 anos. Hoje muitos preferem definir a matemática como a ciência dos padrões”, explica Ya Jen. “Quando você começa a enxergar o mundo pela lógica da matemática, você percebe que os padrões estão em toda parte. Não há como separar o ser humano da lógica matemática, porque ela está presente inclusive na natureza.”
Formação de professores e mudança de mentalidade
Muitas vezes, por não enxergar essa relação entre a forma como a matemática é ensinada na escola e a aplicação na vida real, as pessoas olham a disciplina com um estigma. E isso também recai sobre o professor. “Quando ele se vê nesse lugar de impossibilidade de aprender matemática, isso gera um impacto direto nas crianças”, indica Ya Jen. Por esse motivo, dentro da abordagem, os educadores são um dos primeiros agentes sensibilizados a enxergar a matemática de forma mais aberta, criativa e visual.
“A mudança acontece quando os professores olham para a matemática e se reencontram enquanto sujeitos matemáticos. Eles pensam e observam que procedimentos, fórmulas e a resposta certa é apenas uma parte da matemática, mas ela está inserida em um universo muito maior”, conta a socióloga Marina França, formadora de professores do programa Mentalidades Matemáticas.
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Para apoiar os educadores nesse processo, ela destaca que é fundamental criar experiências mais abertas e criativas. “Não adianta eu discutir com professor mil teorias se isso também não estiver presente na minha prática. Não adianta formar o professor de um jeito totalmente tradicional e rígido, e depois achar que sozinho ele vai fazer de outro jeito quando chegar na sala de aula”, alerta.
Uma abordagem que dá resultados
Além de gerar mais motivação e confiança entre educadores e estudantes, ensinar a matemática de forma mais colaborativa e criativa também traz resultados visíveis para a aprendizagem. Em uma experiência do curso de férias do programa Mentalidades Matemáticas, realizada em janeiro de 2020 com 70 estudantes de escolas públicas, foi possível observar um ganho de 1,3 ano de escolaridade em conceitos matemáticos em apenas 10 dias.
A evolução vista no Brasil foi correspondente ao padrão americano, acompanhado por pesquisadores da plataforma YouCubed da Universidade Stanford. “O que aprendemos é que não precisa de muito tempo para os estudantes se engajarem. Aprender não é questão de inteligência, é uma questão de oportunidades e condições para que eles se sintam capazes”, destaca Jack Dieckmann.
E a professora Indira Vânia Pereira da Silva também reforça que esses resultados foram vistos na sua sala de aula: “A matemática para eles hoje é algo que faz sentido e dá prazer. As crianças levam o que aprenderam na sala de aula para a vida delas. Muitas já até mudaram a sua concepção e chegaram a destacar a disciplina entre as suas favoritas.”
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