Tornar a aprendizagem visível dá sentido ao que o professor ensina
Escrito por 17 professores, livro organizado pela educadora Júlia Andrade reúne conceitos, práticas e materiais para download sobre a importância do monitoramento e da documentação sobre como acontece o aprendizado
por Ana Luísa D'Maschio 2 de março de 2022
“Como definir claramente objetivos de ensino e de aprendizagem? Uma vez definidos, como realmente monitorar e avaliar o que e como os estudantes estão aprendendo?”
Essas são algumas perguntas lançadas pela educadora Júlia Andrade no texto de abertura do livro “Aprendizagens visíveis: Experiências teórico-práticas em sala de aula” (Panda Books, selo Panda Educação, 308 páginas). As respostas são apresentadas nos capítulos seguintes: organizada por Júlia, a obra reúne 17 professores-pesquisadores de escolas públicas e particulares de todo o país, que compartilham estratégias e reflexões sobre os sentidos do que se aprende e como utilizar o que se aprende, tornando as evidências visíveis.
Os artigos abordam propostas contemporâneas da educação, baseadas na abordagem e no registro de documentação pedagógica no modelo Reggio Emilia (Itália), na pesquisa de pensamento visível realizada há mais de 50 anos pelo Project Zero (Projeto Zero), da Universidade de Harvard (Estados Unidos), e, claro, na proposta da aprendizagem visível.
- Leia aqui um trecho do livro em PDF, disponível no site da editora
- Confira a entrevista de Júlia Andrade para o podcast “Sala de Professor”
Lançado em 2008 pelo pesquisador John Hattie, professor de educação e diretor do Melbourne Education Research Institute, da Universidade de Melbourne (Austrália), o conceito de ensino e aprendizagem visíveis ocorre, como define Hattie, quando “professores olham a aprendizagem pelos olhos dos alunos e quando alunos veem como seus próprios professores”.
Com prefácio do professor José Moran, mentor de projetos de educação básica e superior com foco em metodologias ativas, a publicação aborda processos para que o estudante desenvolva competências, habilidades e não apenas memorize o conteúdo – mas que possa aprender, também, com erros e emoções. “O livro busca ajudar os professores brasileiros a pensar melhor sua prática e a usar essas rotinas e essas estratégias para engajar mais seus estudantes na aula, além de, durante o processo de aprendizagem, obter evidências de como os estudantes estão aprendendo”, reforça Júlia. Confira a entrevista:
Porvir: Como o livro foi pensado?
Júlia Andrade: Reuni alguns conhecidos e fui pegando indicações de outras pessoas que utilizavam a prática da aprendizagem visível. Fui atrás de nomes aqui no Brasil que trabalhavam com a abordagem Reggio Emilia, com o Projeto Zero, da Faculdade de Educação de Harvard e com a pesquisa Visible Learning, do John Hattie. Com as indicações, cheguei ao conjunto de autores.
Porvir: Como você chegou ao tema, como descobriu a aprendizagem visível?
Júlia Andrade: A Simone e a Carmem [Simone Kubric Lederman e Carmen Sforza] contam, no capítulo 5, sobre a primeira experiência que nós tivemos com aprendizagem visível. Foi na volta de uma viagem para a Califórnia (EUA). Por lá, conhecemos escolas públicas incríveis, transformadas por essa perspectiva. Nessa época, fizemos nosso primeiro curso em Harvard e adaptamos o estudo de aprendizagem visível, trabalhado com escolas públicas aqui no Brasil. Fizemos dez oficinas de invenções e criatividade com estudantes de escolas públicas dentro da Casa de Makers. Esse foi nosso primeiro estudo sistemático de rotinas de pensamento visível. A partir disso, fomos atrás de outras pessoas e de outras práticas semelhantes, chegando a todos os autores que estão no livro.
Porvir: Inclusive, o livro reúne uma série de experiências práticas…
Júlia Andrade: O livro foi pensado para trazer essa perspectiva teórico-prática. Pedi a todos os autores para que trouxessem ilustrações e exemplos práticos de rotinas em sala de aula, justamente para favorecer essa reflexão sobre a prática e como contextualizá-la para cada sala de aula. O livro busca ajudar os professores brasileiros a pensar melhor sua prática e a usar essas rotinas e essas estratégias para engajar mais seus estudantes na aula, além de, durante o processo de aprendizagem, obter evidências de como os estudantes estão aprendendo.
Porvir: Como a aprendizagem visível ajuda a acompanhar e a avaliar a aprendizagem?
Júlia Andrade: A prática da aprendizagem visível ajuda a documentar a aprendizagem no próprio momento do aprender, fazendo com que todos tenham mais consciência de como estão pensando, como estão participando e como podem ampliar o seu pensamento com o pensamento do outro. É uma prática que gera documentação e reflexão sobre o pensamento, cria uma reflexão coletiva de um sobre o pensamento do outro. Isso promove engajamento, participação e, ao mesmo tempo, apoia o processo de documentação.
Porvir: Como deve ser esse processo de documentação?
Júlia Andrade: Não é um documentar só para mostrar como as coisas foram. Mas, sim, um documentar que apoia a própria expansão da aprendizagem. Com isso, o professor tem elementos para desenvolver uma escuta atenta de como os estudantes estão aprendendo, e isso apoia também os insights (novas ideias) e as intervenções. Esses são os princípios da avaliação formativa: tudo aquilo que ajuda no processo de aprendizagem a ampliar a própria aprendizagem, a promover escutas e devolutivas que ampliem a aprendizagem dos estudantes. Tornar o pensamento visível é isso: é a gente ter a visibilidade de algo que normalmente é invisível. Como cada estudante está pensando, como cada estudante está significando, o que ainda não está claro, quais dúvidas existem. É a gente tornar visíveis esses processos mentais, cognitivos e emocionais que normalmente são subjetivos e que não conseguem transparecer por meio de avaliações de resultado, como provas. Isso subsidia o professor a perceber em que lugar os estudantes estão, para onde eles precisam ir e qual suporte é mais adequado oferecer.
Porvir: Como a aprendizagem visível é importante em um cenário de crise como o atual?
Júlia Andrade: A aprendizagem visível ajuda muito o atual cenário, no qual temos de diagnosticar bem cada estudante, escutá-lo, engajá-lo, promover o desenvolvimento de cada um. Apoia, inclusive, a personalizar a aprendizagem. As rotinas de pensamento visível, especialmente as do Projeto Zero, e as estratégias de devolutivas pedagógicas e de feedback do John Hattie ajudam imensamente nesse processo de tornar visível o ensinar e o aprender, e como cada estudante está vivendo essa experiência. Na abordagem Reggio Emilia, da educação infantil, isso já é posto desde o início. A documentação é parte do processo. A investigação é o eixo principal da aprendizagem, ainda mais intensa e forte. Nos outros anos, no fundamental e no ensino médio, isso vai ficando menos fácil, mas na educação infantil isso é muito visível.
Mais sobre o assunto
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