Um professor diante da tarefa de desacelerar a matemática e permitir erros
Professor costuma reforçar com os estudantes o quanto errar faz parte do processo de aprendizagem e que está tudo bem ir devagar
por Lucas Marçola 22 de setembro de 2021
Meu contato com as mentalidades matemáticas começou quando participei da “I Semana Mentalidades Matemáticas do IFSP”, promovida pelo Instituto Federal de São Paulo, em abril deste ano. Aquela primeira vez me marcou muito e fiquei bastante interessado em descobrir mais a respeito dessa forma diferente de falar sobre o assunto.
Comecei a participar de uma célula, com outros professores, onde discutimos, dialogamos e estudamos os conceitos das Mentalidades Matemáticas. Gostei tanto que propus a abertura de uma célula aqui no Vale do Ribeira (SP) com o apoio do Instituto Sidarta. Hoje somos 16 educadores(as) nessa célula, que já conta com profissionais de outras cidades e regiões de São Paulo e Santa Catarina. E é tão incrível que a gente começa com um número de pessoas e, de repente, vai aumentando, uma chamando a outra, vamos conhecendo gente nova e crescendo a rede.
Durante esses encontros, tive contato com os livros da Jo Boaler, pesquisadora de matemática da Universidade de Stanford, e comecei a me aprofundar ainda mais no tema. No final do semestre passado, fomos provocados a aplicar uma das atividades que está no livro. Para abordar frações, nós iríamos usar o Tangram, que é um jogo geométrico chinês formado por sete partes.
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O conteúdo de frações não está explicitamente presente no currículo do 8º ano, período em que leciono; o primeiro contato com esse conteúdo ocorre no ensino fundamental 1 e ver o quanto eles apresentaram certas dificuldades me mostrou a tarefa árdua de retomar o aprendizado. Percebi ali o quanto a pandemia impactou a vida dos alunos, pois, quando retomamos as aulas, ficou nítido o quanto a turma estava defasada, com muitas dificuldades de anos anteriores.
Olhando para os conceitos que tenho descoberto ao me deparar com as mentalidades matemáticas, um deles me chama muita atenção: o erro. Os erros são importantes, os erros nos fazem crescer, e repito isso sempre aos estudantes, trazendo o embasamento teórico e científico, o que é muito importante e dá credibilidade na sua fala em sala de aula.
Na matemática, especificamente, a questão do erro no dia a dia é difícil. Às vezes, o aluno tem medo de tentar porque tem medo de errar. E isso por diversos motivos, dentre os quais destaco: bullying e a pressão por ter que terminar no mesmo tempo e velocidade que os colegas.
Eu sempre tento dizer o quanto os erros são importantes e quantas sinapses estão sendo feitas no momento em que erram e percebem o erro. Quando estamos fazendo algum exercício, por exemplo, eu acompanho a maneira como resolvem e, quando aparece o erro, eu aponto para a cabeça e digo “que o cérebro está crescendo”. Comemoro efusivamente quando reconhecem o erro e, a partir deste momento, entendem porque erraram e que está tudo bem não ter acertado.
Em relação ao bullying, a primeira coisa que faço quando chego na sala de aula é falar bem sério para os alunos e as alunas: “Vocês sabem que eu sou muito tranquilo, mas não quero ver ninguém aqui zoando outros colegas porque erraram. Se isso acontecer, eu vou procurar os responsáveis e a coordenação”. Pode parecer extremo, mas considero que é preciso naturalizar o erro, entender que ele faz parte do processo de aprendizagem. É preciso tirar das crianças e adolescentes o medo de errar.
Como os estudantes recebem
Enquanto comigo é muito importante deixar claro que errar é permitido, o que mais chama a atenção dos estudantes é a questão da velocidade. Eu trabalho com o conceito de que a velocidade é menos importante que a profundidade. Às vezes, fico quinze minutos esperando que todos tenham respondido um exercício, reforçando para a turma que não importa quem terminou primeiro ou por último. O que quero saber é se respondem tendo convicção sobre o que estão fazendo. É importante que entendam que estou dando esse tempo para que eles pensem, raciocinem e entendam profundamente o que estão fazendo.
A vida inteira foi assim, em muitos outros lugares, ouvem que tudo tem tempo. Fazer a prova tem tempo, o vestibular é tempo em sala de aula etc. Não ter a obrigação de fazer rápido ou de ser rápido chama muito a atenção dos estudantes. Isso também é um jeito de desconstruir a ideia de que quem faz mais rápido é a mais inteligente da sala.
Conheça e faça parte da rede de educadores Mentalidades Matemáticas
Se você perguntar para a turma quem conhece mais de matemática, apontarão na hora para alguém. E se eu tentar entender o porquê, dirão que é porque quando o professor mal termina de escrever na lousa, a pessoa já respondeu. É importante observar que ela pode até ter feito mais rápido, mas por conta de ter decorado um certo mecanismo e nem sempre ter entendido direito.
Ainda é cedo para mensurar os impactos desta abordagem. O que percebo, contudo, é que os estudantes estão mais à vontade para participar da aula, opinar ou falar qualquer coisa, mesmo que não tenha tanto sentido com o que está sendo discutido no momento.
A necessidade de repensar a forma de aprender e ensinar matemática é urgente. Como abordado acima, o 8º ano, por exemplo, está chegando com dificuldades do 6º ano, ou seja, de dois anos atrás.
Veja o infográfico: Todos podem aprender matemática
Vejo também que o ensino da matemática por meio da repetição excessiva de exercícios precisa ser repensado. A grande questão é que nós professores aprendemos desse jeito tradicional, e ensinar de outra forma é um grande desafio. Entendo que um primeiro passo a ser dado é os professores enxergarem essa necessidade de mudança e buscar formações nesse sentido, por exemplo, por meio dos encontros nas células do Mentalidades Matemáticas.
Essa necessidade de mudança se dá pela situação em que os estudantes estão vivendo, com acesso à tecnologia e outras muitas alterações na sociedade que ocorreram desde que nós professores começamos a aprender matemática até os dias de hoje.
Como um bom começo, sugiro um exercício interessante que é fazer uma autobiografia matemática, a fim de rever os traumas passados com o conteúdo e tentar não reproduzi-los em sala de aula, o que acontece muitas vezes.
Considero que é um caminho com muito a ser trilhado, mas decidi implementar, aos poucos, em todas as aulas, alguns conceitos que coloquem a matemática longe desse papel de “vilã”, de conteúdo traumático e passe a ser prazerosa.
Lucas Marçola
Formado em Engenharia Química pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), pós graduado em Engenharia Ambiental pela Unicamp e mestre em Engenharia Química nesta mesma instituição. Possui duas complementações pedagógicas de licenciatura em Matemática e em Química e atualmente é professor da rede estadual de São Paulo, ministrando aulas no Ensino Fundamental II e Médio. Faz parte do grupo PCIEM-GEPEMAI da Unicamp e das células 2 e 3 de SP do Mentalidades Matemáticas.