3 explicações sobre inovação na escola que desafiam o senso comum
Estudo realizado pelo Instituto Clayton Christensen, nos EUA, mostra como a adoção de novas metodologias acontece fora da bolha de escolas inovadoras
por Chelsea Waite, do Clayton Christensen Institute 4 de março de 2020
Hipóteses sobre como a inovação acontece estão por todos os cantos da educação. Às vezes, essas premissas são perpetuadas por estereótipos a respeito das capacidades e desafios enfrentados por diferentes tipos de escolas: urbana, de baixa renda, rica, de alunos pertencentes a minorias, entre outros. Em outros casos, elas surgem quando certas abordagens ganham popularidade apesar das diferentes formas de implementação (pense em como o “ensino personalizado” pode remeter a “playlists de vídeos”, ou como “ensino híbrido” lembra situações com “crianças usando fones de ouvido”, apesar de existir uma grande variedade de aplicação dessas processos de aprendizagem).
Um fator que contribui para estereótipos e modelos mentais fixos é a falta de informações diversificadas, abrangentes e amplamente acessíveis sobre como as escolas estão reimaginando a experiência de aprendizado dos alunos. Como não existe, muitos pesquisadores, investidores e formadores de opinião confiam no boca a boca para inovar, o que inadvertidamente pode contribuir para criar “bolhas” e dificultar a obtenção de exemplos que vão além de um conjunto restrito de estudos aprofundados sobre escolas inovadoras bem conhecidas que são repetidamente retratadas.
Leia mais:
– Por que (e para quê) tantas metodologias
– Ensino híbrido permite interações mais significativas
– O ensino híbrido permite ao professor usar o tempo de modo mais eficiente?
– Ensino híbrido e stop motion tornam a aula de matemática divertida
– Quando uma professora inspirada usa o ensino híbrido
– Como descobri o ensino híbrido há mais de 25 anos
Em um esforço para romper a “bolha” da inovação escolar e trazer à tona um conjunto mais diversificado de escolas, o Instituto Christensen lançou recentemente o Projeto Canopy, uma iniciativa colaborativa que reimagina como os dados de inovação escolar são obtidos e estruturados. Os dados do Canopy foram gerados a partir de um processo de nomeação em duas etapas que compartilham a informações sobre o funcionamento de um conjunto diversificado de escolas que não são comumente referenciadas. O projeto usa um conjunto de 88 “tags”, ou seja, palavras-chave e frases que representam aspectos da escola, que os selecionadores e líderes escolares aplicaram a cada escola para descrevê-las.
Os dados do Canopy provenientes de 173 escolas revelam informações que, de outra forma, poderiam passar despercebidas. Se você está familiarizado com o tema de inovação na escola ou está dando os primeiros passos, aqui estão algumas sugestões do relatório que podem desafiar suas suposições:
1. Hipótese: Em secretarias públicas de ensino, as escolas em áreas mais ricas são mais preparadas para inovar
Existe uma percepção comum de que a inovação pode ser uma tarefa mais fácil nas regiões mais ricas (nos Estados Unidos, elas ficam em subúrbios das grandes cidades), que geralmente são menores (e, segundo o pensamento, mais ágeis) do que os a grande massa de escolas urbanas e com mais recursos que as escolas rurais. Por um lado, os dados do Canopy sugerem que as escolas rurais podem de fato enfrentar barreiras à inovação, uma vez que são menos citadas por possuir quase todas as 12 estratégias gerais para o aprendizado centrado no aluno identificadas pelo Instituto Clayton Christensen (autonomia, desenvolvimento socioemocional, aprendizagem baseada em projetos, redefinição de sucesso escolar, foco em equidade, educação por competências, ensino híbrido, aprendizagem experiencial, recursos humanos e infraestrutura, rede de serviços de apoio ao estudante, aprendizagem mão na massa e design universal de aprendizagem).
Surpreendentemente, no entanto, escolas urbanas em geral e de áreas mais ricas também são retratadas da mesma maneira, com duas exceções: ensino por competências e aprendizagem experiencial. Embora seja valioso investigar por que essas abordagens ganham força mais frequentemente em escolas mais ricas, os dados do relatório coloca em xeque a afirmação de que elas são mais inovadoras que aquelas rurais ou localizadas em áreas urbanas tradicionais.
2. Hipótese: Aprendizagem baseada em projetos é mais adotada em escolas ricas
Resumidamente, não é – mas o cenário sobre como e onde essa abordagem está se desenvolvendo mais é complexo. Da mesma maneira que na questão anterior, escolas urbanas ou em áreas ricas tiveram a mesma avaliação sobre adoção de aprendizagem baseada em projetos, o que desafia o pressuposto que uma escola tradicional tem menos flexibilidade ou recursos para adotar esta metodologia. Entretanto, escolas rurais foram menos assinaladas, o que levanta dúvidas sobre as dificuldades específicas que elas enfrentam.
Aqui é onde as coisas ficam mais complicadas: a marcação de aprendizagem baseada em projeto teve uma correlação relativamente alta com a aprendizagem experiencial, indicando que os modelos de aprendizagem baseada em projetos e experiencial podem estar intimamente relacionados (seja em suas definições ou na implementação – o que significa que algumas escolas podem adotá-las em conjunto). No entanto, esses modelos também podem alcançar diferentes populações de estudantes. Os dados mostram que as escolas mais ricas são ligadas ao aprendizado experiencial com muito mais frequência do que as escolas urbanas, rurais e menos ricas. É possível que, embora abordagens baseadas em projetos possam ser adotadas mais amplamente entre as escolas com diversidade demográfica, os componentes experienciais e de mundo real dos modelos baseados em projetos possam ser mais comuns em contextos de nível socioeconômico mais elevado.
3. Hipótese: Ir além das provas significa priorizar aprendizagem sociomocional
O debate sobre redefinir o que significa um aluno bem-sucedido está ganhando força, especialmente no que diz respeito ir além dos números, como resultados de provas e taxas de aprovação. Mas para onde estão indo as métricas? Em muitos ambientes, elas incluem cada vez mais a aprendizagem socioemocional, como autoeficácia e resiliência.
Os dados do estudo Canopy sugerem que existe mais elementos em jogo – e o que caracteriza essa redefinição de sucesso pode variar de acordo com o contexto. Quando investigamos as relações entre as “tags”, descobrimos que a autonomia do aluno, aprendizagem socioemocional e a redefinição do sucesso, estavam todas correlacionadas de forma relativamente forte. Esse conjunto de relacionamentos sustenta a ideia de que redefinir o sucesso está relacionado ao aprendizado socioemocional, além de maior capacidade de autodirecionamento e autogestão. No entanto, nossa análise mostra que, embora foco em equidade (definida como colocar as necessidades de alunos historicamente marginalizados no centro) também estivesse correlacionado com a redefinição de sucesso, ele tinha uma ligação mais fraco com ensino de competências socioemocionais e muito mais fraco com a autonomia do aluno.
O que isso pode significar? Os níveis de correlação são apenas números, portanto, não podemos afirmar que os grupos de práticas estão sendo desenvolvidas de maneira significativa nas escolas sem antes realizar mais investigações. Mas levanta a possibilidade de que as escolas focadas em equidade podem vislumbrar um conjunto diferente de prioridades e métricas em torno do sucesso do aluno – menos guiada por uma filosofia de autonomia ou desenvolvimento socioemocional. Dado que a tag de foco em equidade tendia a aparecer com mais frequência nas escolas em áreas mais pobres e naquelas com mais alunos negros, a resposta poderia ter implicações para as quais os estudantes estão sendo expostos a que tipos de resultados.
É hora de colocar em prática nossas suposições sobre inovação escolar. Dados mais abrangentes e diversificados sobre como as escolas estão reimaginando a experiência do aluno são nossa aposta em como desafiar estereótipos, confirmar suspeitas e levantar novas questões. Confira o relatório do Projeto Canopy e o conjunto de dados para saber mais sobre nossas descobertas nas escolas de todo o país.
* Texto publicado originalmente no Clayton Christensen Institute por Chelsea Waite e reproduzido mediante autorização
Chelsea Waite, do Clayton Christensen Institute
É pesquisadora do Clayton Christensen Institute com foco em ensino híbrido e personalizado na educação básica, onde analisa como a teoria da inovação pode informar o design de novos modelos instrucionais