Realidade virtual como ponto de partida para a inclusão de estudantes
Professor alfabetizador da rede municipal do Rio de Janeiro conta como investe em experiências de realidade virtual e aumentada com alunos surdos
por Doug Alvoroçado 10 de outubro de 2022
Inovação é uma daquelas palavras que gostamos de usar sempre que possível. Inovar significa fazer mudanças ou fazer algo de uma nova maneira. Costumo dizer que inovar não necessariamente é reinventar a roda, mas fazer com que ela rode mais, melhor, com menos atrito, com menos desgaste, na direção correta. Inovar não exige que você invente. A inovação é a criatividade e a adaptabilidade.
Nas últimas décadas, as escolas começaram um processo de caminhar em direção a novas possibilidades, vislumbrando o futuro. Os professores começaram a usar não só uma educação presencial, mas dar espaço ao virtual em suas aulas. Cadernos se intercalam com tablets e lousas com smartboards. Agora também é possível adicionar a este cardápio mais variedades, como experiências de realidade virtual totalmente imersivas.
O cardboard é um par de óculos barato, muitas vezes feito de papelão, lentes e peças simples, que podem ser montados por nós mesmos (o Google disponibiliza um kit para a construção, neste link). O objeto permite aos usuários explorar aplicativos de realidade virtual diretamente em seus smartphones.
O processo é simples: baixar um dos muitos aplicativos de realidade virtual disponíveis para o sistema do seu telefone, colocar o telefone no compartimento designado na parte de visualização do cardboard e olhar pelas lentes para iniciar sua experiência.
O resultado é uma imersão completa em um lugar (como o Maracanã) ou experiência (como visitar um museu ou conhecer o interior do corpo humano sendo atacado por um vírus). Neste mundo tridimensional, você pode olhar ao redor movendo sua cabeça exatamente como faria se estivesse no espaço físico.
A realidade virtual (RV) pode ser usada para melhorar o aprendizado e o engajamento dos alunos. A educação em RV pode transformar a forma como o conteúdo educacional é entregue; ele funciona com a premissa de criar um mundo virtual – real ou imaginário – e permite que os usuários não apenas o vejam, mas também interajam com ele. Estar imerso no que você está aprendendo o motiva a compreendê-lo completamente. Vai exigir menos carga cognitiva para processar a informação.
Essa tecnologia, que é bastante usada para entretenimento pessoal, também está sendo aproveitada para fins educacionais para animar a sala de aula e tornar o aprendizado mais experimental a um custo baixo.
Sempre tive interesse em usar a RV nas aulas. Sempre gostei de inovar para educar e incluir. Ouvi em alguma palestra (não encontro a fonte, mas não duvido dos resultados) que um instituto japonês fez pesquisas e constatou que a RV e a RA (realidade aumentada) conseguem ampliar os resultados em foco e atenção em até 60%, resultando em melhorias na aprendizagem. Este índice com certeza me interessa, pois meus objetivos vão além de inovar e incrementar a aprendizagem, principalmente dos alunos incluídos na minha escola, na minha turma, no subúrbio do Rio de Janeiro.
Como professor alfabetizador, tenho o objetivo de estimular a construção de ideias e a explanação delas. Estimular o raciocínio do discurso para que os alunos e alunas consigam “ler” um texto e interpretá-lo, ou contar uma história organizada com início, meio e fim. O que comumente fazia enquanto professor era trazer textos escritos e perguntas escritas e adequá-los aos meus alunos e suas características. Adaptar textos era uma rotina que me auxiliava nas práticas, mas como muitos de meus alunos eram surdos, o texto escrito apenas em língua portuguesa não trazia o engajamento necessário.
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Percebi, porém, que meus alunos gostavam muito de vídeos. Curtos ou longos, notei que a aderência era muito grande e que os alunos se interessavam mais. Os vídeos, como pórticos textuais, podem trazer textos, imagens, movimento, cor… E os vídeos em realidade virtual e ampliada conseguem trazer, além destas características, uma imersão no vídeo, concentrando o olhar em uma paisagem em 360 graus que conta uma história e permite a exploração do olhar para outros pontos da paisagem.
Eu, na primeira vez que tentei usar o vídeo em 360 graus, pude me preparar para a aula, baixando o vídeo para uma experiência offline e o uso dos óculos cardboard. Mas a escolha do material também fez toda a diferença. Decidi escolher uma história mais simples, com poucos personagens e fatos simples, como o vídeo Rain or Shine:
O mais interessante foi ver como uma história bem visual permitiu que as alunas e os alunos se inserissem na aula.
A estrutura da aula foi bem simples. Comecei com uma acolhida, uma conversa sobre a visão e sobre os óculos (pois alguns conceitos não ficavam claros para minhas alunas e alunos com surdez). Após isso, usei o vídeo acima como um ponto para conversa.
Fiz perguntas para eles e elas respondessem e depois contassem e recontassem a história. Foi tão interessante que os alunos conseguiram compreender toda a atividade e se interessaram pelo tema. Isso possibilitou estudar o tema e a partir do tema. Contar histórias pode ser difícil quando os alunos estão aprendendo a escrever. A realidade virtual pode ajudar a desenvolver diferentes estilos de escrita, incluindo expositivo, descritivo, persuasivo e narrativo, ajudando os alunos a visualizar os conceitos.
Eu continuo usando e incentivando o uso da realidade virtual e ampliada na aprendizagem de todas as idades, com todos os tipos de alunas e alunos. Trazer esta tecnologia para a sala de aula engaja na diversão e na imersão da aprendizagem. É possível, ainda, explorar o material com outras experiências virtuais. Utilizar uma inovação para uso máximo e benefício máximo nunca é fácil. O caminho para o sucesso é acidentado, e boas ideias inevitavelmente esbarram em barreiras – especialmente quando o propósito da inovação é melhorar as experiências de aprendizagem das crianças. Mas os resultados são impressionantes e o final é o impacto positivo na aprendizagem dos alunos.
Doug Alvoroçado
Técnico em eletrônica, pedagogo, professor, palestrante. Mestre em ensino de educação básica, pós-graduado em AEE (Atendimento Educacional Especializado), com experiência em surdez, TEA (Transtorno do Espectro Autista) e outras deficiências.