Como levar o ensino de inglês para crianças da rede pública?
Redes públicas recebem programa direcionado ao ensino de inglês desde os primeiros anos da trajetória escolar
por Maria Victória Oliveira 25 de agosto de 2023
Da mesma maneira com que aprendem sua língua materna com facilidade, as crianças têm a capacidade de aprender um segundo idioma de forma mais natural e intuitiva quando expostas a ele desde cedo. Neurocientistas e especialistas em educação costumam comparar o cérebro a uma esponja, dada sua capacidade de adaptação a novos sons e estruturas.
Além disso, aprender inglês desde cedo garante que as crianças se conectem com culturas diferentes e ampliem seu olhar sobre o mundo. Esse contato frequente com o idioma também facilita a compreensão intercultural e exercita a empatia.
Entretanto, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) estabelece a obrigatoriedade da oferta de língua inglesa somente a partir do sexto ano do ensino fundamental, o que deixa oensino de inglês para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental ainda incipiente, principalmente quando se trata das escolas públicas.
A falta de aulas dedicadas ao idioma nessa faixa etária pode representar a perda de uma janela de oportunidade junto a crianças pequenas, como explica Raquel Castro, gerente geral da Wings, solução educacional para o ensino de língua inglesa, pensada para os anos iniciais do ensino fundamental na rede pública de ensino.
“É indiscutível a relevância e vantagem de aprender inglês desde sempre. Ainda mais na educação infantil, a criança ainda está com as habilidades de aprender uma nova língua aguçadas pela própria língua materna. Ela ainda não aprende de forma consciente, mas sim adquire o idioma. Então, apesar de não entender todas as palavras, as estratégias que desenvolve e a forma como entende o contexto ainda estão muito aguçadas, o que facilita a aprendizagem de uma outra língua”, aponta.
Raquel reforça, ainda, que, hoje em dia, o fato de crianças terem acesso ao inglês facilita, por sua vez, seu acesso ao mundo, possibilitando maior compreensão de filmes ou de letras de músicas, por exemplo, ou até mesmo expansão de seu repertório de brincadeiras, que podem ser feitas em um ou outro idioma, contribuindo para a percepção de que uma mesma palavra ou expressão pode ter variadas formas em diferentes línguas.
“Isso vai criando conexões no cérebro da criança, que podem ser aplicadas quando ela entende que pode se expressar de formas diferentes para dizer a mesma coisa, ou seja, de que há diferentes caminhos para um mesmo sentido final. Isso vai se refletir na aprendizagem de outras habilidades e disciplinas, porque essa plasticidade do cérebro está mais facilitada para conseguir outros aprendizados.”
Inglês para crianças: escolas públicas x escolas privadas
É nesse contexto do ensino de uma segunda língua que se intensifica a discrepância entre escolas da rede pública e privada, uma vez que, nas escolas particulares, o acesso ao inglês é possibilitado desde a educação infantil.
A multiplicação da oferta de escolas bilíngues também distancia ainda mais estudantes que frequentam a rede pública e a rede privada de ensino.
“Se buscamos uma educação equitativa, precisamos pensar no ensino de inglês para estudantes da rede pública. Pessoalmente, acredito que todo mundo deveria saber pelo menos uma comunicação inicial em inglês, mas isso ainda não é uma realidade, e por isso, o inglês ainda é um diferencial no Brasil, porque realmente não temos uma população que fala inglês.”
Para Raquel, o fato de uma porcentagem pequena da população ser proficiente no idioma também é algo que justifica o fato de o inglês ainda não ter sido introduzido de forma mais forte nos anos iniciais do ensino fundamental e na educação infantil, considerando a falta de educadores fluentes.
A preocupação com o educador
Pensando em todas as questões que cercam o ensino de inglês na rede pública, a Wings surge em 2023 como uma solução educacional pensada para os anos iniciais do ensino fundamental da rede pública de ensino. O material didático é contextualizado para a realidade brasileira e centrado na ludicidade, ferramenta aliada no aprendizado de crianças, levando em consideração os desafios das escolas públicas, com professores polivalentes que eventualmente podem não saber falar inglês. Por isso, os recursos devem ser apresentados de forma didática também para os adultos.
Essa necessidade de formação foi percebida desde o início do trabalho, sobretudo no trabalho junto a educadores de 4º e 5º anos, quando as aulas começam a ficar mais repletas de texto e, assim, demandam maior apoio e, consequentemente, compreensão e proficiência por parte dos docentes.
Isso significa: contação de histórias gravadas em áudio, manual do professor em português, roteiros de aulas detalhadamente explicados em português, sugestões do uso da chamada “classroom language” (em tradução livre, linguagem de sala de aula), ensinando aos docentes os momentos para uso de expressões como ‘be quiet’ (faça silêncio), entre outras estratégias para possibilitar o ensino do inglês mesmo por pessoas não proficientes.
“Nós andamos de mãos dadas com as redes [de ensino] e fazemos uma assessoria de acordo com o que cada rede precisa. Então se um município tem professores que falam inglês, talvez possamos trabalhar com eles aspectos como planejamento de aula e melhoria das técnicas de contação de histórias.”.
Na prática: o caso do município de Paulo Afonso
Um dos municípios que adotou a Wings foi Paulo Afonso, na Bahia, por uma decisão da prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Educação (Seduc) em ofertar o ensino da língua inglesa a estudantes do 1º ao 3º ano do ensino fundamental.
Berilânia Albuquerque, da coordenação pedagógica da Seduc, conta que a proposta tem como objetivo a inclusão de crianças da rede, ao favorecer o processo de ensino-aprendizagem e o contato com uma língua estrangeira. “Diante do papel do inglês na sociedade contemporânea, proporcionar aulas do idioma nos primeiros anos do ensino fundamental torna-se uma excelente oportunidade para as crianças, já que, segundo pesquisas, quanto mais cedo o estudo de línguas estrangeiras começar, maiores serão os benefícios e o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem”, afirma.
Bel aponta que,apesar de todos os educadores que trabalham com inglês serem licenciados na área, não é incomum ouvir relatos sobre o desafio que representa ministrar aulas para crianças. A ação, ainda nova no município, está em fase de ajustes pedagógicos. Uma das principais questões dos educadores é o tempo curto das aulas. Além disso, o fato de que os estudantes vêm de famílias com menos acesso ao idioma dificulta o suporte da família à criança e aos professores.
Mesmo assim, Bel afirma que já é possível notar uma aprendizagem significativa do inglês. “Segundo vários relatos feitos pelos docentes e coordenadores pedagógicos, as crianças recebem as aulas com entusiasmo, demonstram bastante facilidade na aprendizagem e têm uma interação muito positiva durante as atividades. Além de fazer com que a criança aprenda um novo idioma, [as aulas] também fomentam as funções cognitivas, ajudando na aprendizagem multidisciplinar.”
Importância do acompanhamento
Outro município que adotou a Wings por julgar pertinente o ensino de inglês para crianças foi Ibiapina, no Ceará. Edna Maria do Nascimento, educadora e formadora na Seduc do município cearense, defende que se antecipar à obrigatoriedade da LDB possibilita o desenvolvimento de ações mais complexas conforme os alunos vão avançando na compreensão.
Em Ibiapina, os desafios são muitos, sobretudo porque alguns professores não são formados na área. A questão tem sido melhorada, segundo Edna, com os encontros de formação para que os educadores consigam desenvolver sua prática.
“As funcionalidades que mais nos ajudaram foram os recursos pedagógicos que acompanham o material didático. Essa é uma oportunidade importante para crianças de escolas públicas, uma vez que o ensino de inglês já vem sendo ofertado para escolas da rede privada. Percebemos maior envolvimento das crianças, que já começam a utilizar algumas palavras em inglês.”