Reforma do ensino médio traz desafios e oportunidades para o país
Com a possibilidade de rever problemas estruturais da etapa, a nova proposta ainda terá que superar entraves para atrair os jovens e não ampliar desigualdades
por Marina Lopes 22 de junho de 2017
“É a flexibilização só do currículo? As aulas vão continuar sendo as mesmas?” O questionamento do jovem Felipe Lima, egresso da Escola de Ensino Médio Padre Luís Filgueiras, de Nova Olinda (CE), expressa o tamanho do desafio a ser enfrentado pelo país nos próximos anos: a reforma do ensino médio terá que ir muito além da reorganização curricular.
Apresentada como Medida Provisória em setembro passado e aprovada pelo Congresso em fevereiro deste ano, a reforma do ensino médio prevê que 60% da grade curricular seja organizada em torno de disciplinas comuns e 40% corresponda a itinerários formativos optativos. Nesse modelo, alunos da rede pública e privada poderão escolher se aprofundar, conforme a oferta das escolas, nas áreas de linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas ou formação técnica e profissional.
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Apesar da proposta ainda gerar divergências entre especialistas, gestores, professores e alunos, em um ponto todos – ou quase todos – concordam: a última etapa da educação básica no Brasil precisa mudar. Nesta quarta-feira (21), durante o seminário “Desafios Curriculares do Ensino Médio: implementação e flexibilização”, realizado pelo Instituto Unibanco, em São Paulo (SP), diferentes profissionais envolvidos no debate educacional chamaram atenção para os desafios e as oportunidades de uma reforma estrutural na etapa.
Poder de escolha x desafios estruturais
Diante de um cenário em que 1,3 milhão de jovens entre 15 e 17 anos deixam a escola antes de concluir os estudos, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Cesar Callegari, membro do Conselho Nacional de Educação, diz que é preciso tomar providências enérgicas para colocar a educação básica na direção do que o país e os jovens necessitam. “Não é possível que ainda consideremos natural 90% dos jovens concluírem a educação básica sem os conhecimentos indispensáveis em matemática e 78% sem os conhecimentos mínimos em língua portuguesa”, destaca.
Mas o que define um bom ensino médio? Para a assessora sênior de relações globais da diretoria para educação e habilidades da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Elizabeth Fordham, um sistema de qualidade deve garantir que todos tenham domínio das principais competências cognitivas, além de contemplar os interesses dos jovens e preparar os alunos para o futuro. “A reforma no Brasil está alinhada com o que consideramos referência para um bom ensino médio”, avalia.
Se por um lado a assessora defende a possibilidade de escolha do itinerário formativo, prevista na lei de reforma do ensino médio, por outro, ela alerta que também será necessário criar mecanismos para apoiar os jovens na tomada de decisões. “A educação vocacional deve estar no centro do processo”, disse, ao citar que quase 50% dos alunos de países da OCDE participam de programas vocacionais.
Na opinião da jovem Thayane Santos, que acabou de concluir o ensino médio no Colégio Estadual Professor José de Souza Marques, no Rio de Janeiro (RJ), além de orientação educacional para a tomada de decisões, a reforma deve assegurar que as opções de todos sejam consideradas. “A flexibilização é uma coisa interessante, mas me dá um pouco de medo. Até quando a minha escolha será respeitada?”, questiona.
“Tudo o que eu espero de qualquer tipo de reforma educacional é que a exceção passe a virar regra”, diz a Thayane, quando cita que apenas 14% dos jovens brasileiros estão no ensino superior. “Se o jovem decidir cursar um técnico, que seja porque ele quis – e não porque ele foi obrigado. O problema é quando nos tiram a oportunidade de escolha e deixam apenas um caminho”, reflete.
Oferta de itinerários formativos
As ressalvas apresentadas pela jovem esbarram em outro desafio da flexibilização, principalmente quando considerado que quase três mil municípios brasileiros possuem apenas uma escola. Neca Setubal, presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal e do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), alerta que esses municípios terão que fazer consórcios e se reorganizar em arranjos e sistemas de colaboração para conseguir oferecer as cinco áreas formativas. “Esse aluno tem que ter uma escolha real”. Segundo ela, isso significa que o sistema deve oferecer opção para os jovens em cada um dos itinerários e prepará-los para fazer suas escolhas.
Ao mesmo tempo, ela diz que a busca por estratégias para oferecer todos itinerários formativos traz a chance das escolas aprenderem a trabalhar em parceria. “É uma oportunidade para as escolas romperem isolamentos. Muitas vezes elas se veem sozinhas, não se sentem parte de uma rede.”
Participação da escola
O envolvimento da escola no processo de implementação da reforma também é defendido pelo professor Bruno Barreto, da rede pública do Rio de Janeiro (RJ). “Eu não consigo pensar em uma reestruturação de currículo sem pensar que esse professor de matérias vai sair da sua posição para se transformar em um professor de competências que precisa de formação”, lembra ele, que trabalha em três escolas ao mesmo tempo.
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Para o diretor André Barroso, do Colégio Estadual Professor José de Souza Marques, também no Rio de Janeiro (RJ), a nova proposta ainda terá que dar conta de pensar em como adaptar uma carga horária flexível e ampliada para uma escola de três turnos e com condições adversas. “A única possibilidade que eu vejo para implementar essa carga horária e esse novo currículo no modelo de escola que eu dirijo hoje é a transformação de toda a realidade. Hoje não temos condições mínimas nem para manter o aumento de cargo horária. A escola não tem nem cozinha.”
Oportunidade de repensar o sistema
Na avaliação do economista Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, apesar de todos os desafios apresentados, a reforma do ensino médio traz a oportunidade de lidar com desafios antigos da educação no país, estimulando mudanças nos processos de avaliação, carga horária, certificação, formação de professores e materiais didáticos. “Uma vez que a flexibilização se institui como referência de transformação, eu movo outro campo estrutural.”
Como sugestão de construção a partir da reforma aprovada pelo Congresso, ele ainda apresentou uma proposta de flexibilização elaborada em conjunto com especialistas, técnicos e secretários de educação parceiros. O modelo indica a possibilidade de trabalhar com a ideia de itinerários compostos, que combinam conhecimentos comuns para todos estudantes que escolhem a mesma área, mas ainda oferecem a opção de livre escolha do estudante para se aprofundar em temas do seu interesse.