Documentário sobre grêmio de escola pública retrata atuação política de estudantes - PORVIR
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Inovações em Educação

Documentário sobre grêmio de escola pública retrata atuação política de estudantes

“Eleições”, da diretora Alice Riff, mostra disputa em escola estadual de São Paulo em meio a discussões sobre composição de chapas, igualdade, feminismo e espaço de fala

por Fernanda Nogueira ilustração relógio 22 de outubro de 2018

“Em todas as salas, em todas as aulas, tudo que eu falo sobre política, tem um preconceito gerado muito grande, que é levado à corrupção”, diz o professor. Na lousa, o quadro mostra linhas de estudo das ciências sociais, como antropologia, sociologia e ciência política. Pouco depois, o professor pergunta: “2018 é ano de?”. Uma aluna responde: “eleições”. Sob olhares dos jovens, ele continua: “alguém cogita uma possibilidade do que poderia mudar no Brasil com um novo presidente? Alguém? Nada?” Corta. Essa é uma das cenas do documentário “Eleições”, dirigido por Alice Riff, que mostra o cotidiano de uma escola pública estadual de São Paulo, a Doutor Alarico Silveira, no bairro da Barra Funda, na capital, durante o período de eleições para o grêmio estudantil de 2018. O filme tem estreia nacional prevista para março de 2019, mas já começa a ser exibido em festivais de cinema, como o DOK Leipzig, na Alemanha, no final de outubro, e o Festival do Rio em novembro.

A sequência de imagens após a aula sobre política traz os estudantes em atitude oposta à passividade que aparentam em sala. Os adolescentes, agora, estão envolvidos em trabalhos em grupo e em discussões sobre composição de chapas, imagem dos candidatos, igualdade, feminismo, diferenças, ser político, espaço de fala, tipo de música e altura do som que podem ouvir no intervalo.

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Filmado nos primeiros meses deste ano, a ideia do documentário nasceu, segundo Alice Riff, do interesse em saber se a luta dos estudantes permaneceu após as ocupações das escolas em 2015 (quando alunos protestaram contra um projeto de reorganização no Estado, que transformaria escolas de dois ciclos – fundamental e médio – em unidades de ciclo único; os estudantes conseguiriam que o governo suspendesse a mudança após 60 dias de protestos). Outro motivo foi a percepção, nas eleições de 2016, de que havia uma desconexão entre os jovens e a política e o sistema democrático, com o aumento de votos brancos e nulos e o surgimento da extrema direita entre a juventude.

Alice queria ainda acompanhar as transformações que estão para acontecer na educação pública, como a reforma do ensino médio e discussões sobre o projeto conhecido como “escola sem partido” (cujo objetivo, segundo idealizadores, é impedir que professor influenciem alunos sobre temas como política e religião).

Filmar as eleições para o grêmio foi uma forma de se aproximar dos alunos. “O grêmio é o espaço institucionalizado em que o jovem pode ter participação política dentro da escola”, explica Alice, que é formada em ciências sociais e cinema e dirigiu outros documentários, como o longa “Meu Corpo é Político” e os curtas “Cidade Improvisada” e “100% Boliviano, Mano”.

Para a diretora, a graça do filme é colocar todos os pontos de vista existentes nos grupos em um processo democrático. “É um processo de escuta, todos podem falar, ter opiniões, posicionamentos, dizer como veem a escola, a direção e os professores. Cabe aos alunos saberem com qual grupo se identificam mais”, conta.

 

Participante das eleições e do documentário, a estudante Amanda Gomes Macêdo, 16, aluna do 2o ano do ensino médio, diz que as duas experiências foram interessantes. “Foi bom saber que alguém queria ver o que acontece dentro da escola. Queria passar para as pessoas o que estava acontecendo em uma escola pública. Ajudou a abrir a mente dos alunos sobre o universo de filme. Os alunos escutavam o que a gente tinha para dizer, o que a gente achava que precisava melhorar. Não dá para escutar só o que o ministro fala, o que o secretário fala, e, sim, tem que escutar os alunos. Acho bem importante isso, até porque a gente que move a escola, a gente que vai ser beneficiado ou não, independente do que aconteça”, afirma.

4 estudantes posam para foto, tirada de baixo para cimaCrédito: Distribuição

Sobre as eleições, Amanda conta que queria fazer algo diferente pela escola. “Tivemos a ideia de fazer uma chapa só de meninas. Acabou encaminhando para o lado errado hoje em dia, mas na época foi interessante. A gente tinha pouco tempo para se entender. A gente se conheceu em cinco minutos e tinha que estar junto todo dia, fazendo reunião, fazendo as coisas. Fiz amizades que posso levar. Teve todo o processo de conversar com alunos. A gente fez amizade com os mais novos. Conversava, ia todo dia, fazia cartazes, campanha. A gente colocou foto no perfil do Facebook para pedir voto na nossa chapa, o que está acontecendo na eleição hoje em dia. A gente colocou significado em tudo que fazia”, lembra.

Leidiane Andrade Alves, 18, aluna do 2o ano do ensino médio, também considera as duas oportunidades, de participar das eleições e do filme valiosas. “Fiz várias amizades no começo do ano. Estou com elas até hoje. Espero que dure bem mais. Fiz amizade com o pessoal do filme. São todos muito legais.”

João Vitor Marsullo Scarpa Braghirioli, 18, aluno do 3o ano do ensino médio, participou do conselho das eleições, fazia a ponte entre os alunos e a direção da escola. Ele conta que a atividade ajuda a ter voz na escola. “A gente começa a não ter medo da secretaria. Fala o que quer que mude. Eles escutam mais hoje em dia. Antigamente não, ninguém ligava. Agora, conversam com a gente”, diz. Alguns dos problemas que mais incomodam os estudantes, de acordo com o João, é a estrutura do prédio, como falta de cabos de energia e de lâmpadas e alagamentos em salas. “Começaram a mudar agora. Começou uma reforma na escola”, conta.

Alunos na sala de aulaCrédito: Distribuição

Anderson Righetto, 31, professor de sociologia na rede pública do Estado de São Paulo, é o educador que aparece na cena que inicia este texto. Foi escolhido como interlocutor entre a direção da escola e o grêmio estudantil nos últimos dois anos pelo seu entrosamento com os estudantes. “A questão do diálogo é fundamental para o adolescente resolver problemas. A escola é um microespaço onde funciona muito bem a política. Faz uma equiparação com a política atual, que não funciona, que não tem diálogo. Tem um candidato prestes a se eleger (para presidente) com base na falta do diálogo”, diz Anderson.

O professor explica que o grêmio estudantil ganhou relevância e força dentro da escola após as ocupações de 2015. A política, agora, é de gestão democrática na educação, de acordo com Anderson. “Mesmo assim, é difícil fazer os estudantes terem consciência de que participando daquilo vão conseguir mudar algo na realidade deles.”

As filmagens na escola foram positivas nesse sentido, segundo o professor, porque os alunos quiseram participar ativamente. “Foi uma experiência muito boa. Ninguém imaginava como eram os bastidores de um filme. Foi uma experiência antropológica. Com o filme, houve uma troca entre as pessoas. Rolou mais humanidade. Achei lindo ter filmado isso, foi um recorte histórico, um documento mesmo, que agora esta aí.”

Seis alunas falam com estudantes fazem apresentação para classeCrédito: Distribuição

Segundo Alice, “Eleições” mostra que é preciso preservar os espaços de discussão para fazer com que a política seja mais tangível. “Pensando sobre o momento atual, o filme constrói uma narrativa que faz com que a diversidade dentro da escola seja possível. O conflito de ideias, o debate, não só é possível como é transformador. Nesse momento que vivemos, os estudantes, no dia a dia e na troca de ideias, passam o recado de que não tem problema ter ideias diferentes, precisa que a democracia exista. O filme coloca o espaço da escola, que deve ser radicalmente democrático. É o local, como outros locais, igreja, família, esporte, onde os estudantes estão se construindo.”

O filme será distribuído para todo o Brasil pela Olhar Distribuição. A produção foi feita por meio do Edital Videocamp de Filmes – Edição 2017, iniciativa da plataforma Videocamp. Teve ainda patrocínio da Coca-Cola Brasil.


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autonomia, ensino médio, participação dos estudantes

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