Neurociência da curiosidade: por que suas aulas precisam mudar
Entenda o que estudos recentes dizem sobre o tema e como adaptar estratégias do cinema e da cultura pop para acender o pavio da curiosidade sem entregar todas as respostas aos alunos
por Tiago Eugênio 21 de outubro de 2019
Há tempos, filósofos e psicólogos têm descrito a curiosidade como apetite para o conhecimento, uma espécie de elo que junta a fome com a vontade de comer, ou, ainda, “o pavio na vela da aprendizagem”.
Os estudos da Neurociência ligados aos processos de aprendizagem corroboram essa tese e sugerem mudanças radicais na forma como lidamos com o conhecimento e promovemos a aprendizagem. Você sabe por quê? Aqui vão algumas motivos:
1- O professor jamais deve mastigar o conteúdo e entregar como uma papa pré-pronta para que o aluno se farte de informação. Assim como um bom diretor de cinema que se esforça para manter pujante a curiosidade do espectador do início ao fim do filme, o professor deve discutir o conteúdo de forma seriada e planejada, abrindo mais espaço para perguntas do que respostas. O conhecimento precisa ser construído e não simplesmente observado.
2- Os alunos precisam se entreolhar. Com toda a certeza, o sorriso e o movimento dos músculos faciais do colega são muito mais curiosos do que uma fileira de nucas estáticas.
3- É recomendável que o professor, sempre no final de sua aula, acenda o pavio da vela para a próxima aula.
4- Rapidamente pode ser apresentada uma pergunta que motive o aluno a buscar informações para saciar sua curiosidade. Essa postura pode contribuir para que ele comece a aula com novas informações, muitas das quais o professor pode desconhecer.
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De acordo com resultados de estudo da Psicologia Cognitiva e da Neurociência, o professor deveria se preocupar mais, inicialmente, em como irá frustrar seus alunos do que satisfazê-los.
Mas por quê?
Entenda: a curiosidade é um estado cognitivo repulsivo, cuja satisfação ativa áreas específicas do hipocampo relacionadas à memória e aprendizagem. Assim sendo, o desconhecido, o mistério, o mágico, o impossível, o impensável e o intangível precisam ser utilizados com mais frequência pelos professores.
Até parece que os professores nunca se perguntaram por que filmes de ficção científica e séries de enredo policial fazem tanto sucesso. Se não sabem, eu digo.
Simplesmente, porque esses filmes e séries imprimem uma atmosfera de possibilidades para aqueles que os assistem. A imagem, o som e a história de fantasia atuam como combustíveis latentes à curiosidade que, por conseguinte, acende o pavio da vela da aprendizagem na mente dos espectadores.
A curiosidade faz o coração bater mais rápido, deixa nossas mãos suadas e instala a ansiedade e a inquietação. Essas circunstâncias são na verdade efeitos colaterais do que a curiosidade, de fato, causa: expectativa.
Em uma conversa, experimente cogitar a possibilidade de contar um segredo importante para um amigo. É bem capaz que não dê nenhuma importância para o restante da conversa, pois a atenção será concentrada exclusivamente na revelação do segredo. Enquanto não contar, milhares de ideias malucas passarão pela mente do seu amigo – o cérebro dele se tornará uma sentinela feroz atrás da informação confidencial. Isso acontece porque simplesmente foi criada uma expectativa no ouvinte.
As expectativas são executadas através de histórias fantasiosas emolduradas no cérebro. Nesse momento, as vias neuronais roteirizam o impossível, o imaginável ou então o mais provável, de acordo com as informações conhecidas ou das cobiças desejadas.
É uma forma sofisticada de forjar o futuro, de pleitear frustrações ou então de mesclar satisfações. Não sei se na verdade se trata de uma mão dupla ou então de uma díade do tipo “ovo e galinha”, mas é certo que a curiosidade gera expectativa, ou vice-versa.
Em estudo publicado na revista “Memory & Cognition”, um grupo de cientistas mostrou que a expectativa impacta significativamente sobre a memória e a aprendizagem.
Nesse estudo, os estudantes foram separados em dois grupos. O primeiro recebeu informações de que teria de fazer uma prova no final da aula. O segundo grupo recebeu a incumbência de ensinar aos colegas o conteúdo aprendido no final da aula.
O interessante do estudo é que não foi aplicada nenhuma prova e não ocorreu nenhum momento de ensinar os colegas. Simplesmente foi estudado o efeito da expectativa de realizar determinada tarefa sobre a aprendizagem. Na realidade, os cientistas somente aplicaram testes após as aulas para analisarem e compararem o número de informações retidas pelos grupos de estudantes.
Os resultados indicaram que os alunos com expectativas de ensinarem seus colegas tiveram um desempenho mais eficiente do que os alunos com expectativas de fazer apenas o teste.
Esse estudo, portanto, demonstra que a aprendizagem pode ser modulada por estratégias que fomentam ou não a curiosidade (e expectativas) do indivíduo.
Vejamos outro estudo: cientistas das Universidades de Illinois e de Stanford verificaram se é possível praticar a curiosidade, além de verificar quais áreas do cérebro são ativadas pela curiosidade e como elas se relacionam com outras habilidades cognitivas, tais como a memória, atenção, raciocínio e a aprendizagem.
No primeiro experimento, estudantes universitários tiveram seus cérebros escaneados na máquina de ressonância magnética enquanto respondiam 40 perguntas de diferentes assuntos. Antes de responder cada questão, o sujeito apontava o grau de curiosidade em relação à resposta de pergunta específica. Depois disso, era perguntado ao estudante sobre o grau de certeza da resposta dada. Logo após a resposta, o participante recebia um “feedback” (retorno avaliativo) sobre a sua escolha e descobria qual era a resposta certa para cada pergunta.
O que o estudo revelou? Dependendo do grau de curiosidade do participante sobre a pergunta, áreas diferentes do cérebro eram ativadas. Quanto maior era a curiosidade em relação à resposta, maior era a ativação do corpo estriado e os gânglios da base – regiões que compõem os chamados núcleos da base do cérebro com diferentes estruturas responsáveis pelo aprendizado e a memória.
Estudos anteriores já mostraram que os gânglios basais são responsáveis pelo processamento do “feedback”. Basicamente isso acontece quando o indivíduo executa algo e o outro lhe oferece o retorno: se está certo, está errado, se está acima do esperado, etc. Esse processo é utilizado para o indivíduo diagnosticar uma sequência ótima de ações para determinar um objetivo, e esse processo, em geral, é realizado por meio da tentativa e erro.
No segundo experimento, outro grupo de estudantes respondeu às questões, repetindo o mesmo protocolo do primeiro experimento. Não foi utilizada a ressonância magnética. Após cerca de 11 a 16 dias, os participantes retornaram ao laboratório para realizar uma tarefa de memória. Nesse teste, os pesquisadores apresentaram as mesmas questões e perguntaram sobre a lembrança da resposta dada pelo próprio sujeito dias atrás. Os estudantes receberam US$ 0,25 para cada resposta correta. Durante o teste, os cientistas avaliaram a dilatação da pupila como indicação do grau de curiosidade do participante diante da pergunta. O resultado desse experimento mostrou uma associação entre aumento da dilatação da pupila com aumento do grau da curiosidade e maior sucesso no teste de memória. Em consonância com os resultados do primeiro experimento, a curiosidade provavelmente ativou áreas do cérebro relacionadas à memória e aprendizagem.
Mas o que isso significa na prática? Esses achados embasam e explicam porque é importante investir em materiais e experiências de aprendizagem que brilham os olhos dos alunos. A dilatação da pupila dos alunos é um indicativo de ativação da curiosidade e, por consequência, de formação de memórias de longo prazo, ou seja, é um indicativo forte de que haverá aprendizagem.
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Para conhecer mais a respeito as bases biológicas da curiosidade, acesse o site Aula em Jogo. Ali você vai encontrar no e-book “Aprender a partir da curiosidade”: As Bases biológicas da curiosidade; A Curiosidade no cérebro: o que acontece?; Curiosidade, memória e aprendizagem; Chama do saber na educação; Cultura da curiosidade.
Tiago Eugênio
Psicobiólogo com formação em Game Based Learning pela Quest To Learn em Nova York. Cofundador do Movar Educação, Detecta.app e Plataforma Educacional Neurons. É professor de neuroeducação e gamificação do Instituto Singularidades, UNIFESP, USP e Santa Casa. Autor do livro "Por Dentro dos Jogo: o impacto dos games sobre o cérebro e as relações sociais".