Conhecimento ecológico de comunidade paraibana inspira projeto científico do 9° ano
Na cidade de Mogeiro, agreste paraibano, alunos pesquisam saberes tradicionais, estudam sobre caça e transformam o resultado em materiais digitais
por Linaldo Luiz de Oliveira 20 de abril de 2022
Ao longo do tempo, as populações tradicionais tendem a acumular conhecimentos ecológicos sobre espécies que exploram em atividades tradicionais como a caça. Este “Conhecimento Ecológico Local” (CEL) é transmitido de geração em geração, bem como é uma rica fonte de informações a serem agregadas para a dinamização do ensino de ecologia dos alunos em tempos de ensino remoto.
O Porvir precisa da sua doação para uma exposição que celebra feitos de professores. Participe!
Realizei um projeto com os estudantes dos 9° anos do ensino remoto da EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo, situada na cidade de Mogeiro, no agreste paraibano (onde a atividade de caça é parte da cultura local). Buscamos trabalhar os aspectos bioculturais locais, integralizando o conhecimento ecológico dos caçadores nativos, participação familiar, ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) e objetivos do pacto global ligados ao processo de ensino a distância e letramento científico dos alunos, promovendo a divulgação científica por meio das redes sociais.
Em sala, o desenvolvimento do tema “Inter-relações, origem e evolução cultural dos seres vivos” nas esferas bioculturais, socioambientais e políticas do conhecimento ecológico, permitiu à turma conhecer de forma contextualizada o ser humano como parte integrante do seu ambiente natural. O objetivo foi desenvolver a habilidade EF09CI13, determinada como fundamental para o ensino remoto do 9° ano pelos mapas de foco da BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Essa habilidade propõe “iniciativas individuais e coletivas para a solução de problemas ambientais da cidade ou da comunidade, com base na análise de ações de consumo consciente e de sustentabilidade bem-sucedidas”.
Para compreender os aspectos culturais da região, os alunos realizaram entrevistas com caçadores locais, utilizando questionários semiestruturados, metodologia aplicada no campo da etnobiologia, permitindo que pudessem analisar o conhecimento ecológico dos entrevistados em relação aos aspectos bioculturais (místicos, folclóricos, medicinais e alimentícios).
Os dados obtidos foram analisados de forma interdisciplinar junto às aulas de matemática, permitindo aos alunos compreender e discutir os resultados obtidos com a pesquisa.
Leia também: Livro grátis traz propostas para trabalhar objetivos de desenvolvimento sustentável
Uma parceria com Elidiomar Ribeiro, professor da UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) e referência da área de zoologia cultural, foi efetivada. Com isso, por meio de uma palestra, os alunos puderam conhecer e debater a cultura e sua influência no comportamento humano.
Para promover a educação e divulgação científica, os alunos criaram “Pokémons” baseados nas espécies citadas pelos caçadores, a exemplo da Iguana iguana, conhecida localmente como Camelão, a rolinha Columbina, capturada para consumo, e o Tejú (Tupinanbis), cuja banha é utilizada para fins medicinais. Estes personagens, inspirados na biodiversidade global, compõem uma das maiores franquias de animais do mundo – sendo fortes influências culturais.
Cada Pokémon construído recebeu uma ficha técnica com informações ecológicas e bioculturais sobre a espécie, compondo um e-book que será divulgado em breve. Para a divulgação dos dados nas redes sociais, os 136 alunos foram divididos em três equipes, passando a produzir “memes” para o TikTok e para o Instagram (@plancus1, @crotalus2021 e @projetoiguana).
As equipes receberam seus nomes e brasões inspirados em um animal da caatinga, criando seus próprios perfis nas redes. Aos discentes também foi concedida a oportunidade de conversar com ex-alunos campeões da edição 2019 da feira de ciências da própria escola. Todo o material produzido para divulgação foi julgado e analisado por ex-alunos convidados a compor o júri do “Oscar”, cerimônia realizada ao fim do projeto. Foram 12 as categorias votadas: melhor meme, melhor divulgação, maior número de seguidores, entre outros. A equipe campeã foi a Plancus; Iguana ficou em segundo lugar e Crotalus na terceira posição.
O projeto abrigou cinco Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS):
– ODS 4: Ao implantar projetos educacionais complementares com envolvimento familiar (visto que alguns entrevistados eram parentes dos alunos), visando estimular a permanência do aluno na escola. O objetivo é integralizar o conhecimento dos alunos, transformando seu próprio lar em um ambiente de puro aprendizado, onde se pode aplicar de forma prática o conhecimento teórico adquirido em sala.
– ODS 9: Ao promover gincanas, feiras de ciência e inovação.
– ODS 10: Ao desenvolver pesquisas e estudos sobre a realidade social nas quais os alunos estão inseridos.
– ODS 15: Ao realizar campanhas sobre a importância da biodiversidade.
– ODS 17: Ao firmar parcerias com as partes interessadas, além do Princípio 8 do Pacto Global.
Os trabalhos desenvolvidos garantiram aos alunos o direito de acesso às fontes da cultura, incentivo e valorização da diversidade étnica e regional, como destacado no artigo nº 215 (e seu inciso V) da Constituição Federal e o cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, que assegura a educação emergida nas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia dos educandos.
As práticas desenvolvidas promoveram a interdisciplinaridade e o protagonismo dos alunos todo o tempo, sendo responsáveis pela própria construção do saber. A proposta acompanha, também, a chamada Quarta Revolução Industrial, ao utilizar as redes sociais para o aprendizado.
Estes elementos são vitais para o aumento do desenvolvimento do aluno, estimulando seu letramento científico, formando cidadãos cada vez mais críticos e ativos socialmente.
Linaldo Luiz de Oliveira
Graduado (licenciatura e bacharelado) em ciências biológicas pela UEPB (Universidade Estadual da Paraíba). Mestre em ecologia e conservação pelo programa de pós-graduação em ecologia e conservação da mesma instituição. Tricampeão do Prêmio Educador Nota 10 do Instituto Alpargatas, e campeão da 24° edição do Prêmio Educador Nota 10 da Fundação Victor Civita.