Angela Duckworth diz que garra não é suficiente
Psicóloga e professora de matemática comenta suas iniciativas para professores trabalharem competências e diz como lida com críticas a sua pesquisa
por Jeffrey R. Young, do EdSurge 21 de maio de 2018
A pesquisa de Angela Duckworth, psicóloga e professora de matemática que defende que o segredo para realizações incríveis não é o talento, mas uma mistura de paixão e perseverança que ela chama de “garra”, tem sido aclamada como revolucionária e popularizada em livros best-sellers e palestras do TED. Ao mesmo tempo, é considerada polêmica e alguns criticam seu trabalho por colocar a culpa nos estudantes.
Para enfrentar essa reação, Duckworth teve que exercitar sua determinação. Isso aconteceu a partir do momento que um candidato a PhD lhe enviou um e-mail explicando que estava fazendo sua dissertação sobre como a narrativa de Duckworth ignorava as barreiras sistêmicas que podem impedir alguns alunos de persistirem, não importando a questão do caráter. Ela então se ofereceu para participar do comitê de dissertação do aluno, para conhecer as críticas mais a fundo.
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Mais recentemente, Duckworth tem liderado um esforço para criar materiais de orientação para professores com base em sua pesquisa e mostrar que seu trabalho em torno da garra é mais do que apenas um slogan em um cartaz inspirador ou um cartão da rede social Pinterest.
O EdSurge conversou com Duckworth em abril, logo após sua palestra no evento ASU + GSV Summit em San Diego (Califórnia, EUA), para falar sobre seu trabalho e os planos da organização sem fins lucrativos que ela criou para traduzir sua pesquisa em conselhos para professores. A conversa foi editada e condensada para torná-la mais clara. Você pode ouvir uma versão em inglês completa abaixo ou em seu aplicativo de podcast favorito (como o iTunes ou o Stitcher).
EdSurge: O que você acha que as pessoas mais entendem de maneira errada sobre sua pesquisa sobre garra?
Angela Duckworth: Às vezes, acho que as pessoas acreditam que eu vejo a garra como a única coisa que as crianças precisam para ser bem-sucedidas e felizes. Na verdade, o caráter é formado por uma lista muito longa de coisas que as crianças precisam para serem felizes e produtivas. Não é apenas garra. Também é curiosidade. Não é apenas curiosidade. Também é gratidão e gentileza. Não é só isso. É inteligência emocional e social. Não é só isso. É uma mente aberta. Não é só isso. É honestidade. Não é só isso. É humildade.
Quando falamos sobre o que as crianças precisam para crescerem felizes e saudáveis, e serem boas para outras pessoas, estamos nos referindo a uma longa lista de coisas. A garra está nessa lista, mas não é o único item. E eu te digo como mãe, como cientista e como ex-professora, que não é nem a primeira coisa da lista.
EdSurge: Você se preocupa com repercussões inesperadas que aconteceram por conta de sua sua pesquisa sobre garra?
Duckworth: Eu provavelmente não sei o suficiente sobre o mau uso da ideia de garra. Eu acho que quanto mais descubro, mais me preocupo. Isso pode ser uma verdade sobre qualquer ideia, a propósito, na educação e em qualquer outro setor, de que algo tem valor e então se torna o Teste de Rorschach (“teste do borrão de tinta”) e as pessoas projetam o que elas querem ver naquela mancha. Eu acho que a garra de certa forma se tornou isso. Você vai usá-la para justificar e promover algo que você já acreditou de qualquer maneira antes que você ouviu sobre garra e Angela Duckworth.
Eu acho que as crianças precisam aprender a trabalhar duro. Eu não acho que nascemos sabendo como trabalhar duro. Não acho que seja automático saber como trabalhar nossas fraquezas com certa disciplina e aceitar retorno avaliativo sobre o que poderíamos fazer melhor. Eu acho que essas são coisas difíceis de aprender. Eu acho que as escolas devem ser um lugar onde as crianças desenvolvam isso. Não tenho nenhum problema com as escolas assumirem a responsabilidade de desenvolver a capacidade de perseverança e paixão por conta própria.
A questão é: como é exatamente isso? Eu não acho que são exortações como “você deveria ser corajoso” ou “nós vamos envergonhá-lo se você não for corajoso”. É um instinto humano natural evitar a criação de erros, da confusão, do desafio. E é, portanto, responsabilidade do professor em sala de aula ou da escola e da comunidade garantir que as crianças entendam que quando não quiserem fazer algo difícil, algo que talvez não funcione, ou pensarem em desistir, que o mais importante compreender que tudo é parte da luta, em oposição a este inconveniente: “Bem, você deveria ser apenas corajoso. Aqui não temos desculpas para não ir bem”. Eu acho que o crescimento sempre começa com a compreensão.
EdSurge: Eu sei que uma pessoa escreveu para você criticando sua narrativa a respeito de garra e agora você está ajudando a aconselhar sua dissertação. Você pode falar mais sobre o debate com esse estudante?
Duckworth: Houve um aluno que se apresentou a mim após ter escrito um ensaio crítico sobre a narrativa de garra. Seu ponto principal era que quando falamos de garra como uma espécie de força pessoal, ela deixa nas sombras a pobreza estrutural, o racismo e outras coisas que tornam impossível, francamente, para algumas crianças fazerem o que nós esperamos que eles façam. Quando ele me enviou esse ensaio, claro, eu queria saber mais. Eu entrei para o comitê [de dissertação] porque não sabia muito sobre sociologia e sobre essa crítica.
Eu aprendi muito com ele ao longo dos anos. Eu acho que a lição para mim é que quando alguém o critica, quando alguém me critica, o natural é ser defensivo e, por reflexo, tornar mais claro seu ponto de vista e por que você está certo, mas eu sempre aprendi mais apenas ouvindo. Quando eu tenho a coragem de dizer “Bem, talvez haja um ponto aqui que eu não tenha pensado”, a narrativa de garra e o que garra se tornou é algo que eu desconhecia.
EdSurge: Parece que as pessoas estão com fome de saber o que fazer com essa ideia de garra? Você tem algo que poderia dizer a um professor, seja de uma faculdade ou da educação básica, para que ele tome a iniciativa para ajudar um aluno em sua sala de aula?
Duckworth: Eu tenho uma organização sem fins lucrativos chamada CharacterLab.org. Ainda nesta semana, lançamos um manual sobre a ciência de como praticar a garra. Ele fala sobre como são as coisas quando você é um estudante, por que ainda não é ou talvez nunca será um atleta olímpico, e depois como traduzir esse pensamento para um aluno da oitava série fazer sua lição de casa.
Tentamos com esse manual trabalhar lado a lado com cientistas e professores durante meses para elaborar o que consideramos ser atividades úteis. Como: “Experimente esta atividade na sala de aula. Assista a este vídeo de 60 segundos narrado por Wynton Marsalis, que aprendeu muito sobre a prática da maneira mais difícil.” Estou tentando fazer mais desse trabalho porque percebi que popularizar uma ideia ou mesmo chamar a atenção para algo que tem alguma verdade não é realmente o suficiente. Eu não acho que seja justo para mim ou qualquer outra pessoa esperar que os professores implementem ideias assistindo a um TED Talk e lendo um livro. Acho que precisamos ir muito além disso no apoio a coisas que queremos ver acontecer.
Eu pensei que ter escrito um livro e fazer um TED Talk tinha sido suficiente. Eu estava errada. Eu acho que isso está longe de ser suficiente. O CharacterLab é um passo nessa direção.
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EdSurge: Eu ouvi uma reação no ensino superior contra pessoas que sobem ao palco para expor suas ideias. De certa forma, você acha que algumas dessas preocupações estão certas?
Duckworth: Acho que o objetivo que tenho, um dos objetivos que tenho na minha vida, é não ficar irritada. Eu literalmente digo em voz alta para mim mesmo: “Não fique irritada”. Porque alguém poderia se irritar, por exemplo, com outra pessoa subindo em um palco do TED e dizendo algo em 18 minutos e não entrando em todas as nuances e detalhes. Eu acho que essa é uma das reclamações dos acadêmicos, que em 18 minutos você não consegue dar conta de todas as notas de rodapé. Eu me preocupo também, hesitei em escrever um livro, o que é muito mais extenso que uma palestra do TED, ou francamente qualquer coisa. Porque o que você disser vai ser incompleto e potencialmente enganoso.
Eu não quero ficar irritada porque, olhe, acho que há um papel para jornalistas, escritores e podcasts. Estamos todos apenas tentando, não estamos? Estamos todos apenas tentando rolar a bola para frente. Eu acho que não é motivo de preocupação quando as pessoas ficam irritadas com o jeito que alguém está tentando mover a bola para frente. A menos que haja realmente um motivo que seja questionável, o que não acredito que exista. Quando eu leio coisas que descaracterizam um pouco o meu trabalho, eu adoraria entrar com minha contra-argumentação. Eu tento não ficar irritada com isso, porque a pessoa que escreveu esse post no blog ou que tinha essa queixa também está tentando mandar a bola para frente.
EdSurge: O que você faria de diferente se ensinasse em uma sala de aula do ensino médio, agora que você sabe o que sabe graças à pesquisa?
Duckworth: Uma coisa que eu faria diferente é fornecer um ritual e uma oportunidade. Em vez de apenas avançar no currículo, eu realmente o tornaria muito mais orientado pelo nível de domínio. Eu tornaria possível que as crianças tenham a oportunidade de recuperar e trabalhar melhor nas coisas que não conseguiram assimilar.
Um dos professores que mais admiro é um cara chamado Anthony [Yon]. Seus alunos o chamam só de Yon. Ele ensina no distrito escolar unificado de Los Angeles, no leste da cidade. Ele tem um fichário dos avaliações infantis, que não funciona como se você tivesse que perguntar se pode refazer a prova para corrigir seus erros, aprender com eles e obter algum crédito por isso. Na verdade, essa ferramenta está tão incorporada na rotina da sala de aula que toda vez que ele aplica um teste ou uma prova, o aluno tem a oportunidade de tirar seu teste do fichário e refazer os problemas que errou e tentar descobrir o que não fez certo e qual foi a compreensão e, em seguida, seguir em frente. Eu tiraria uma página do fichário do Sr. Yon.
*** Publicado originalmente no EdSurge e traduzido mediante autorização
Assista abaixo à apresentação de Angela Duckworth no TED