Brasil coloca três professores entre os 50 finalistas do Global Teacher Prize 2020
Conheça o trabalho de três professores de escola pública que se destacam pela inclusão e por colocar alunos em papel de protagonistas de seu aprendizado
por Vinícius de Oliveira 18 de março de 2020
A Varkey Foundation anunciou nesta quarta-feira que três professores do Brasil estão entre os 50 finalistas que concorrem ao Global Teacher Prize 2020, prêmio considerado o “Nobel da Educação” que neste ano é realizado em parceria com a Unesco (braço da Organização das Nações Unidas para educação e cultura). Em sua sexta edição, o prêmio de US$ 1 milhão é o maior de sua categoria.
Em comum, além de atuar em escolas públicas, os três dedicam sua jornada à inclusão e à aprendizagem de todos os seus alunos, independente de suas condições sociais ou se possuem alguma deficiência. Os três brasileiros foram selecionados entre mais de 12.000 indicações e inscrições de mais de 140 países do mundo todo. São eles:
- a professora de educação especial e língua portuguesa Doani Emanuela Bertan, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Júlio de Mesquita Filho, em Campinas (SP);
- o professor de história e especialista em educação inclusiva Francisco Celso Freitas, do Centro de Ensino da Unidade de Hospitalização de Santa Maria (DF);
- a professora de Lília Melo, da Escola Brigadeiro Fontenelle, de Belém (PA).
O prêmio Global Teacher Prize foi criado para prestar reconhecimento a professores que contribuem de modo extraordinário para a sua profissão e destacar seu importante papel na sociedade. Com o prazo de dez anos para o cumprimento da Meta 4 de Desenvolvimento Sustentável da ONU (Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos), o Global Teacher Prize fez uma parceria com a Unesco para garantir que os professores consigam cumprir as agendas governamentais.
“O Global Teacher Prize iniciará essa nova década com energia e propósito renovados, levando a cerimônia de premiação a várias partes do mundo, transmitindo a mensagem de forma mais profunda nos novos países-sede e garantindo que o prêmio faça jus ao seu nome, que é o de uma celebração verdadeiramente global dos professores. Temos o orgulho de anunciar que Londres, sede da Varkey Foundation e uma grande cidade global, é a primeira das nossas novas cidades-sede”, disse Sunny Varkey, fundador da Varkey Foundation.
A partir da lista de 50 nomes de 37 países anunciada nesta quarta-feira, o Comitê do Prêmio seleciona dez, e esse resultado será anunciado em junho de 2020. O vencedor será escolhido entre esses dez finalistas pela Academia do Global Teacher Prize. Todos os dez finalistas serão convidados para a cerimônia de premiação, que será realizada no Museu de História Natural de Londres, em 12 de outubro. Na ocasião, o vencedor será anunciado ao vivo no palco.
Mais informações sobre os 50 finalistas estão disponíveis no site do Global Teacher Prize.
Conheça o trabalho da professora Doani Emanuela Bertan:
Doani ensina Libras (Língua Brasileira de Sinais) a alunos ouvintes ou com deficiência auditiva no ensino fundamental 1. “A gente tem um problema no país que é a falta de material didático para os alunos surdos. Os livros estão escritos em português, que é a segunda língua da criança. Enquanto ela está em sala de aula, eu como professora bilíngue, consigo ajudar, mas quando eles levam esses materiais para casa, ainda sem dominar a língua portuguesa, não conseguem estudar sozinhos”.
Foi por isso que Doani começou a trabalhar com vídeos. Inicialmente fazia vídeos com os alunos para tirar dúvidas. Mais tarde, em razão de inúmeros pedidos das famílias, começou a gravar o material em um estúdio montado dentro de casa e disponibilizá-lo no canal Sala 8 do YouTube. “É como se fosse uma extensão da nossa sala de aula para a internet”, disse.
Além do uso da tecnologia como ferramenta, essas aulas viabilizam a flexibilidade dos locais e horários de aprendizagem. Para familiares, além dos alunos ouvintes, a iniciativa também possibilita novas experiências educacionais, porque melhora interação e entendimento sobre como melhor como ajudar as crianças com deficiência. “O material é para os surdos e adaptado para os ouvintes”.
“Nossa escola é uma das poucas do Brasil a oferecer Libras na grade curricular. As crianças e adolescentes ouvintes aprendem desde o primeiro ano como acessar a língua de sinais”, disse. Isso fez inclusive com que a ideia de não colocar sons nos vídeos fosse revista, para que esses alunos também se sentissem incluídos no material para os colegas surdos.
Com uma carreira que já acumula passagens como professora em universidade e também no fundamental 2, Doani diz se entusiasmar com os anos iniciais do fundamental. “O que eu gosto é a parte da alfabetização, quando você apresenta libras e a língua portuguesa e permite ao aluno surdo a ler e escrever com autonomia”.
A dedicação por cada aluno também lembrada pela professora. Em sua turma de terceiro ano, oito dos 30 alunos apresentam surdez. “A partir do momento que a criança entra em minha sala de aula, ela é minha aluna. Se tem surdez, se não tem, eu tenho a responsabilidade de ajudá-la da melhor forma possível. Cada um deles têm suas necessidades e capacidades”. Desde 2017, graças ao apoio do estado, a escola oferece aulas bilíngues em duplas pedagógicas, e as aulas bilíngues em vídeo são utilizadas como material de apoio pedagógico.
Conheça o trabalho do professor Francisco Celso Freitas
Francisco é um professor de história, produtor cultural, fundador e coordenador do Projeto RAP (Ressocialização, Autonomia e Protagonismo), que usa a musicalidade e a poesia do rap como uma ferramenta pedagógica emancipatória capaz de promover os valores de uma cultura de paz e direitos humanos. O projeto atende cerca de 150 adolescentes (meninos e meninas) internados no Núcleo de Ensino da Unidade de Internação de Santa Maria, no Distrito Federal, que têm problemas com a lei, às vezes por atos violentos, propensos a lesões autoprovocadas e tentativas de suicídio.
“Existe um desconhecimento da sociedade sobre o que é o sistema socioeducativo. As pessoas não sabem que existe um núcleo de ensino e que os jovens têm direito à escolarização. Os programas sensacionalistas da TV e a sociedade os enxergam como monstros, mas isso não é verdade.”, afirma o professor, que ressalta a necessidade de ter um olhar humano capaz de acreditar o potencial dos meninos e meninas.
Segundo Francisco, na instituição, 80% dos jovens se declaram negros e 100% são moradores de bairros de periferia. A maior parte evadiu a escola a partir do 6º ano do ensino fundamental e dois ou três anos depois passaram a cometer crimes. “A escola regular não deu conta desses jovens e nós precisamos fazer algo diferente. Eu não posso ser um professor conteudista, com abordagens tradicionais que já não deram conta das necessidades desses meninos e meninas”.
Após entender que os jovens não se viam nas histórias narradas em livros didáticos, a conversa passou a considerar os interesses e as paixões dos jovens. É dessa forma que os participantes do projeto passaram a ter contato com a literatura de e para periferia, como Ferréz, Sérgio Vaz e Cristiano Sobral, que permitiram a Francisco trabalhar de forma transversal o currículo da rede do DF (direitos humanos, sustentabilidade e diversidade). Com o tempo, os jovens começaram a produzir discos e vídeos de rap e participar de festivais em Brasília. Os recursos produzidos pelo projeto, como músicas, videoclipes e e-books, foram disponibilizados online gratuitamente, para que outras pessoas possam se beneficiar.
Francisco já recebeu amplo reconhecimento e prêmios pelo projeto RAP. Participou de conferências e visitou escolas para dar palestras sobre o valor dessa forma de mediação social, ressocialização, combate ao uso e abuso de drogas, enfrentamento de várias formas de preconceito e discriminação, e a descriminalização da cultura urbana.
Conheça o trabalho da professora Lília Melo
Vencedora do Prêmio Professores do Brasil, do MEC (Ministério da Educação), Lília leciona para em uma escola na periferia de Belém (PA). Ela é autora do projeto intitulado “Juventude negra periférica: do extermínio ao protagonismo”, que trata do aprimoramento da arte na escola e na comunidade.
“Em um momento que estamos sofrendo diversos cortes na educação, inclusive do prêmio Professores do Brasil, o qual fui vencedora em 2018 e foi cancelado em 2019. Quando recebo a noticia que sou finalista de um prêmio como o Global Teacher Prize, é uma injeção de ânimo muito grande. É o que faz a gente não perder o gás e não se sentir sozinha, mesmo sabendo que existe uma rede de professores lutando no Brasil inteiro”, disse.
Seu trabalho vai além da sala de aula e envolve oficinas nos fins de semana sobre tambor, capoeira, dança, teatro e poesia. Alguns deles foram realizados nas escolas e outros em ruas e praças, criando vínculos com a comunidade local. “A educação acontece por diferente meios, não só o acadêmico, não só pela escola, não só pelo conhecimento hegemônico. O menino que tira nota baixa consegue produzir arte, dançar e produzir rima como ninguém, mas infelizmente a escola não valoriza esse tipo de conhecimento”.
Em outra ocasião, quando relatou à imprensa local que seus alunos não tinham dinheiro para comprar ingressos para o filme “Pantera Negra”, da Marvel, que tem uma mensagem positiva e empoderadora para eles, empresas locais uniram forças e custearam a viagem de 400 alunos. Debates posteriores ajudaram a reforçar a mensagem do filme e contribuíram para a reflexão sobre a importância da representatividade na ficção.
Seu mais recente projeto, “Amor preto, minha cria'”, agora busca incluir também as famílias em atividades de cultura, semelhantes às realizadas para os jovens. “Eu tenho três filhos e também tenho dificuldades para educá-los. Mas eu percebi que estava perdendo meninos e meninas para a depressão que não era enxergada pela família ou vista como frescura. O pai ou a mãe de periferia não entendem as demandas dos jovens”. O alerta soou quando Lília perdeu um de seus alunos em um caso de suicídio e foi aí que descobriu que não era necessário apenas lidar com a violência armada, mas com a invisibilidade das questões emocionais. “É um momento para olhar e cuidar um do outro. É preciso tempo para o afeto e para a escuta. E para a mãe dizer ‘eu confio em você'”.
Em todos os projetos, os alunos de Lília são tratados como protagonistas. Universidades, museus e empresas se interessaram e entraram em contato para ouvi-los e conhecer suas histórias, fazendo convites para que eles dessem palestras. Agora essa abordagem se disseminou e é amplamente estudada, virando inclusive objeto de pesquisa na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em São Paulo.
Edição de 2019
O Global Teacher Prize de 2019 foi conquistado pelo professor queniano Peter Tabichi, que trabalha em uma escola rural. A professora brasileira Débora Garofalo, que trabalhava conceitos de tecnologia a partir de sucata no ensino fundamental, ficou entre os 10 melhores professores do mundo. Após conseguir esse feito, Débora foi convidada a assumir um cargo de gestão na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.