Desigualdade demanda esforço do professor para atender a todos a distância
Diversificação é palavra de ordem na hora de levar conteúdos educativos a estudantes durante a quarentena
por Vinícius de Oliveira 24 de abril de 2020
A virada de aulas presenciais para remotas em razão da pandemia do coronavírus é um processo que vai além da escolha de plataformas e recursos digitais de aprendizagem. Diante de realidades distintas dentro das redes de ensino e das dificuldades de acesso à internet por parte de educadores e alunos, as secretarias de educação tiveram que pôr em prática estratégias diversas, conforme relatado em reportagem do Porvir logo que as escolas foram fechadas.
Para apoiar gestores, o CIEB (Centro de Inovação para Educação Brasileira) lançou sete planos com Estratégias de Aprendizagem Remota para Secretarias de Educação. Eles incluem a transmissão de aulas e conteúdos educacionais via televisão, videoaulas gravadas e disponibilizadas em redes sociais, aulas ao vivo e online transmitidas por redes sociais, envio de conteúdos digitais em ferramentas online, disponibilização de plataformas de ensino online, transmissão de aulas e conteúdos educacionais via rádio e envio de material impresso com atividades.
Saiba mais:
– Live do Porvir: Paulo Blikstein: as aulas remotas e o impacto futuro da pandemia
– Guia Tecnologia na Educação do Porvir
O Porvir decidiu conversar com educadores para entender como quem está mais perto dos alunos no dia a dia como tem ocorrido a implementação dessas diretrizes. Entre o plano e sua materialização, a realidade mostra a que veio. Conheça algumas experiências que mostram os desafios da implementação das atividades remotas em redes públicas:
Transmissão ao vivo com novos alunos em casa
Assim como acontece no Amazonas, o Pará já havia desenvolvido um centro para transmissão de conteúdos ao vivo, o SEI (Sistema Educacional Interativo), para escolas distantes da cidades antes da pandemia. Agora, esse centro leva conteúdos educativos para mais de 600 mil alunos Um dos educadores a comandar essas aulas é o biólogo e professor de ensino médio Clebis Domingos dos Santos, que conta que no dia a dia, tinha o apoio de um professor em sala de aula para acompanhar e tirar dúvidas. Enquanto os alunos estiverem em casa, esse parceiro não está mais presente. Do outro lado, ele tem a atenção de toda a família, em sessões à tarde ou pela manhã.
“A primeira aula que eu dei no início do ano foi sobre o universo, para que o aluno pudesse entender de onde vieram os elementos químicos da tabela periódica. Agora, quando vou para a TV, eu não tenho o mesmo tempo. O público vai dos anos iniciais do fundamental aos pais, que podem estar sem estudar há anos”.
Tornar as aulas mais acessíveis, ainda que com menos tempo é uma das novas tarefas do professor e da equipe de pedagogos do SEI, que em situações normais leva conteúdos de ensino médio a 15 municípios do estado. Uma das estratégias adotadas para alcançar um público mais amplo foi diminuir o número de “slides”, evitar jargões e explicar, sempre que possível, a etimologia das palavras. As sessões são transmitidas ao vivo, sempre divididas entre 23 minutos de parte expositiva e outros 28 para interação e atendimento das dúvidas de quem está assistindo. “Quando trabalhei Sol, Terra e Lua, aproveitei para falar sobre a influência do ciclo lunar na pesca e na agricultura, algo que até o pai e o avô conseguem entender. Isso não está no conteúdo de biologia, mas é o ponto de partida para falar de fotossíntese e da formação do universo chegando até a ecologia da Terra”.
Plataformas trazem organização
Mesmo para quem já está habituado a usar uma plataforma de recursos digitais no dia a dia, a situação atual demanda novos e diferentes esforços. Stephenson Oliveira, professor polivalente do 5º ano do fundamental 1 da Escola Professor Severino Bezerra, em Tangará (RN), tem usado a Escola Digital, disponibilizada pela rede, para fazer conferências, questionários, tarefas de produção textual e indicação de links complementares para levar atividades a seus alunos.
Como alguns estudantes não têm computador ou acesso à internet de qualidade em casa, o professor Stephenson diversifica as atividades para além das lives, termo em inglês para as transmissões ao vivo que explodiram na internet durante a quarentena. “Nem todos possuem smartphones, notebooks e internet, estou fazendo videoconferências apenas duas vezes por semana para eles tirarem dúvidas. Também insiro um questionário e arquivo de um livro, geralmente de história em quadrinhos”, descreve.
Atender à necessidade do momento também traz novas preocupações. Será que os alunos vão ter autonomia para navegar na plataforma sem ter o professor ao lado? Pensando nisso, Stephenson criou para seus alunos tutoriais para que consigam fazer o login e navegar pelos menus sem ter que pedir para algum familiar.
Ter um contato mais frequente com a tecnologia também ajudou professores do Centro de Ensino Cidade Operária 2, em São Luís (MA), que já tinham hábito de produzir videoaulas em canais do YouTube para complementar o trabalho do dia a dia. Quando veio o anúncio da suspensão das aulas, o governo local orientou escolas a escolher plataformas de acordo sua preferência para o monitoramento a avaliação.
Na Cidade Operária 2, a corresponsabilização dos alunos tem ajudado. Assim como acontecia em suas salas físicas, a organização do espaço virtual conta com a ajuda dos líderes de turma para fazer com que as atividades cheguem a todos e sejam devolvidas dentro do prazo aos professores. “No início do ano, os alunos passaram por um curso sobre liderança para entender o que é ser um representante de sala e eles já sabem importância do papel que desempenham”, disse a diretora Silvia Solange Amaral.
WhatsApp ajuda e limita
Em outras situações, a dificuldade de acesso à internet e de fazer com que alunos tenham que criar usuário e senha de uma hora para outra até ter acesso a plataformas mais robustas, próprias para gestão de aprendizagem, faz com que educadores prefiram adotar o WhatsApp como ferramenta para organizar turmas e distribuir conteúdos. “Na primeira semana de isolamento social criamos grupos de estudo para cada sala. Até agora, o resultado tem sido satisfatório. Os nossos horários não mudaram e todos os dias, de manhã e à tarde, são ministradas cinco aulas para cada turma”, conta Elaine Cristina Rosa Bastos, professora de inglês e coordenadora pedagógica do Colégio Estadual Menino Jesus, em Trindade (GO).
Entre os recursos adotados estão vídeos do YouTube, vídeos gravados pelo próprio professor e áudios explicativos. Após resolver a atividade no caderno, o aluno manda uma foto para o professor, que devolve com a correção e comentários avaliativos. Se na sala de aula tem sempre alguém que se intimida em levantar a mão para tirar dúvidas, na aula remota por WhatsApp quem prefere não se expor manda as perguntas diretamente para o professor. “A orientação da secretaria neste primeiro momento para nos preocuparmos mais com a aprendizagem do que com o conteúdo. Só quando retornamos às aulas presenciais é que vamos aplicar simulados e avaliações”, disse a professora e coordenadora.
É também por WhatsApp, que não tem tráfego de dados cobrados pela maioria das operadoras, que as listas de atividades oferecidas pela secretaria na plataforma NetEscola e também de preparação para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) chega aos alunos. Em alguns casos, no entanto, é o material impresso que ajuda alunos a continuarem aprendendo. “Alguns alunos que não têm qualquer tipo de acesso à internet. Na semana passada, uma mãe me ligou dizendo que não tinha R$ 7 para colocar crédito no celular e permitir que o filho continuasse fazendo as atividades. Nesses casos, imprimimos as atividades da plataforma e eles comparecem ao colégio para retirá-las. É assim que conseguimos chegar a 100% dos alunos”.
Por mais que facilite o lado da comunicação entre professor e aluno, o WhatsApp não resolve por completo as dificuldades para aulas remotas. Também em Trindade (GO), no Colégio Estadual Padre Pelágio, a professora Luciana Evangelista Mendes conta que o aplicativo é usado para distribuir conteúdos, mas quando o aluno precisa acessar o link externo, os problemas começam e as possibilidades de conhecer conteúdos ricos acabam limitadas.
Quando o Porvir publica que professores estão tendo muito mais trabalho com aulas remotas, parte do problema esta aqui. Luciana explica que quando quer trabalhar com um arquivo de texto, muitos alunos não possuem aplicativo apropriado, e ela precisa mandar reproduções de tela pelo WhatsApp. Da mesma forma, os vídeos precisam ser baixados antecipadamente ou preparados para a função de vídeo do próprio WhatsApp. “Se você coloca um link para um vídeo no YouTube, o aluno não consegue ver por falta de conexão à internet. Essa é uma realidade”.
Após quatro semanas de isolamento social, a professora diz ter percebido entre seus alunos a saudade do cotidiano na escola. “A interação com o colega, com o professor e a vivência de aprender com o outro não tem acontecido no ensino online. E faz muita falta”.