Equidade na educação: um assunto para todos – inclusive você
A discussão sobre equidade passa por entender diferentes fatores que podem ampliar desigualdades tanto dentro quanto fora da escola
por Ruam Oliveira 21 de fevereiro de 2022
Diferentemente de igualdade, que significa tornar as coisas mais iguais, a equidade visa equilibrá-las. Ou seja, dar mais para quem precisa de mais. E tendo isso em mente, como ela se relaciona com a educação?
Essa é uma das premissas do podcast O Futuro se Equilibra, produzido pelo Porvir. Os programas em áudio, com cerca de 20 minutos de duração, estão disponíveis gratuitamente.
Buscar equidade na educação passa por compreender diferentes contextos da vida, tanto dentro quanto fora da escola. E a existência das desigualdades, por vezes, aprofunda o fosso que separa as pessoas de um caminho mais equitativo.
“Igualdade supõe que todas e todos são regidos pelas mesmas regras, pelos mesmos direitos e deveres, mas não considera as diferenças que existem entre as pessoas”, aponta Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, instituição parceira do Porvir no projeto do podcast.
Ouça o primeiro episódio do podcast O Futuro se Equilibra
Ou seja, a igualdade é apenas um aspecto da equidade. Isso porque não olha de maneira mais ampla e diversa para diferenças a trajetórias familiares, contextos territoriais, étnico-raciais, socioeconômicos, religiosos, características individuais, identidades de gênero, de raça, de orientação sexual, entre outras.
“A equidade, por outro lado, alia igualdade ao senso de justiça social, que é baseada na ideia de equilíbrio entre os os desiguais. Reconhece as características, as necessidades de cada pessoa”, afirma Ricardo.
E, dentro deste contexto de diferenças, existem alguns marcadores sociais que fazem com que a equidade se torne ainda mais difícil de se alcançar.
O que são marcadores sociais?
Os marcadores têm esse nome para designar determinadas características sociais em uma pessoa. Existem marcadores como gênero, raça e classe, que são importantes para destacar como os contextos influenciam a vida das pessoas a depender de quem elas sejam, de qual é a cor de sua pele, se são mulheres ou homens.
Ser preto, ser pobre, ser mulher no Brasil, já coloca a pessoa em determinada posição social e, por vezes, dificulta ascensão ou acesso a direitos básicos.
Quando se pensa em raça, por exemplo, é preciso considerar que o país aboliu a escravidão somente em 1888 e, ainda assim, seguiu uma construção que relegou à população negra e indígena um papel de inferioridade e com poucas oportunidades.
Esse racismo estrutural impacta diretamente todos os sistemas sociais. A escola, que não está deslocada do restante da vida, é um deles.
Nilma Lino Gomes, educadora e ex-ministra das Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, diz que não é possível pensar em equidade sem observar a questão racial. E, observando a educação, ela afirma:
“Para mim, a equidade na educação deveria ser um caminho para que nós alcancemos uma educação democrática no sentido pleno da palavra. E que isso implique uma mudança institucional no campo das políticas educacionais, dos currículos, da relação professor-aluno, da formação inicial e da formação continuada de professores.”
Nilma considera que essa mudança implica um repensar, juntamente com os sujeitos da educação, as formas de participação da comunidade, dos estudantes no interior da escola e dos docentes.
O impacto dos marcadores
Nem sempre a participação é facilitada a todas as pessoas. Como dito anteriormente, o gênero, a classe social ou a raça influencia muito na equidade.
Thiffany Odara, uma mulher trans moradora de Lauro de Freitas, na Bahia, precisou deixar os estudos devido ao racismo religioso que sofreu durante o período de iniciação ao candomblé. Só conseguiu retornar três anos depois.
Evelly Santos, que mora em Camaçari, também na Bahia, faltava muito às aulas por não ter acesso a absorventes íntimos. Usava, muitas vezes, um casaco amarrado à cintura com receio de que seu fluxo vazasse.
Já o professor Leonardo Fernandes, que é diretor de uma escola em Boqueirão do Leão, no Rio Grande do Sul, durante a pandemia atuou não apenas como educador, mas também como aquele que entregava alimentos nas casas dos alunos. Via de perto a fome que eles sentiam.
Esses são alguns exemplos reais, que ocorreram no âmbito escolar e que dizem respeito à falta de equidade. Orientação sexual, cor, pertencimento à determinada classe. Tudo isso impacta e influencia que as desigualdades deixem de existir.
Evelly, por exemplo, vivia uma situação de pobreza menstrual, que não diz respeito apenas à falta de absorventes e produtos de higiene, mas também a estrutura e informação.
“A escola é um espaço onde a gente precisa dialogar sobre esse assunto porque é um espaço de interação em que, muitas vezes, a menstruação ainda é tratada como um tabu. A gente acaba tendo situações como bullying, ou outras situações constrangedoras que muitas vezes são ocasionados pela falta de informação”, afirma Rayanne França, oficial do Programa de cidadania dos adolescentes do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil.
Em manifestações de racismo religioso, ter acesso à informação pode ser uma medida efetiva para diminuir seus impactos. Não são as únicas ações, mas são um caminho.
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“A gente enfrenta dificuldades que vão do âmbito da gestão pública, de gestores que são racistas, que não se comprometem efetivamente com a implementação da lei, no sentido de fazer a devida formação dos professores e garantir a bibliodiversidade nos materiais pedagógicos. É efetivamente levar para dentro da escola a história e cultura dos africanos e dos afro-brasileiros nos currículos escolares”, pontua Macaé Evaristo, ex-secretária municipal e estadual de educação de Minas Gerais.
A lei a qual ela se refere é a 10.639, de 2008, que determina o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas e integra a LDB (Lei de Diretrizes e Bases).
Quando marcadores se encontram
Quando existe a presença de mais de um marcador social, essa junção recebe o nome de interseccionalidade. Em poucas palavras, trata-se justamente da intersecção entre diferentes marcadores sociais. Quanto mais marcadores, maiores as chances de existir desigualdade.
“A escola ocupa o lugar definitivo na formação de cidadania e da personalidade dos sujeitos. Embora a escola seja esse lugar socializador, é também onde a gente vai entender que as diferenças existem”, pontua a professora e pesquisadora da UFMT (Universidade Federal do Mato Grosso), Bruna Irineu.
O papel da escola, dos educadores e educadoras
E o que a escola tem a ver com isso tudo? Compreendendo o espaço escolar e sua relação com a vida, a resposta é: tudo. Como dito pela professora Bruna, é neste ambiente que as pessoas vão se desenvolver enquanto cidadãs.
O professor Alexsandro Santos, diretor presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo, afirma que a formação de docentes para lidar com as diferenças é fundamental e deve começar já na licenciatura, com as universidades tendo esse compromisso de uma formação que combata preconceitos e discriminações.
“Não é porque alguém escolheu ser professor que esse alguém está livre de valores, crenças e comportamentos discriminatórios e preconceituosos. E se a gente não cuidar da formação desse sujeito, ele pode carregar esses valores e crenças para a prática pedagógica, para a gestão da escola e para a gestão do sistema”, diz Alexsandro.
Alexsandro aponta que essa formação precisa ser bidimensional. Ou seja, ao mesmo tempo em que trabalha para desconstruir essas crenças e valores discriminatórios precisa orientar aos futuros educadores o que fazer para proteger os estudantes sob sua responsabilidade desses preconceitos.
Entre as posturas que precisam ser adotadas para garantir a equidade, uma saída é também investir em políticas públicas, como é o caso da lei 10.639, que recupera a história da população negra brasileira; o projeto de lei 388, de 2021, que garante a distribuição de absorventes a alunas da rede pública municipal de São Paulo ou o PNAE (Plano Nacional de Alimentação Escolar), que distribui alimentação escolar a estudantes de todas as etapas da educação básica pública, além de promover ações de educação alimentar e nutricional.
“Na sociedade do conhecimento hoje a gente precisa de políticas educacionais que tratam desigualmente os iguais, olhando o contexto de cada estudante e que, reconhecendo esse contexto de radicais diferenças, estabeleçam uma visão de sociedade buscando o desenvolvimento pleno de todas e todos os estudantes”, complementa Ricardo.
No podcast O Futuro se Equilibra, você pode ter acesso mais aprofundado a diferentes temas relacionados à equidade na educação e também conferir na íntegra as histórias da Thiffany, da Evelly, do professor Leonardo e de outras pessoas que sentem ou sentiram na pele os impactos dos marcadores sociais.
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