Especialistas dão dicas sobre como lidar com falta de atenção dos alunos durante aulas online
A preocupação com a pandemia e a educação mediada pela tecnologia durante o distanciamento social podem acarretar falta de foco e compromisso com tarefas escolares. Promover aprendizagem ativa é uma das estratégias para engajar os estudantes
por Maria Victória Oliveira 15 de junho de 2020
Ainda sem uma vacina que previna a contaminação ou medicamento que cure a COVID-19, o melhor a se fazer, segundo infectologistas do mundo todo, é praticar o distanciamento social. A medida apresenta diferentes consequências para cada família a depender de sua estrutura e condição socioeconômica. Não raro, o estresse causado pela sobrecarga dos adultos é transmitido às crianças.
Segundo o artigo “Repercussões da Pandemia de COVID-19 no Desenvolvimento Infantil”, produzido pelo Comitê Científico do NCPI (Núcleo Ciência pela Infância), crianças muito pequenas guiam seus comportamentos a partir da observação de pais e familiares. Por isso, nesse contexto, “é natural que as crianças pequenas passem a dormir mal, não comer, chorar, morder, demonstrar apatia ou distanciamento: são formas de elas lidarem com a situação adversa. Porém, são formas ineficientes, que prejudicam seus processos de aprendizagem, desenvolvimento e convivência.”
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Dessa forma, ao momento atual, repleto de incertezas sobre o futuro, a distância da rotina habitual e novidades como o ensino mediado pela tecnologia, somam-se novos componentes como falta de atenção e irritabilidade. O artigo cita um estudo preliminar realizado em Xianxim, na China, no contexto de distanciamento social. Na amostra, 36% dos respondentes afirmaram que crianças e adolescentes apresentaram dependência excessiva dos pais, 32% desatenção e 29% preocupação, sendo que, entre as crianças mais velhas, predominaram comportamentos como desatenção e dúvidas.
Só por essa breve contextualização é possível compreender que são vastas as influências e consequências do momento para o aspecto educacional da vida de crianças e jovens. Melissa Goichman, psicóloga e consultora pedagógica do LIV (Laboratório Inteligência de Vida), afirma que, antes de mais nada, é necessário considerar que trata-se de um momento atípico, delicado e de incerteza, o que, por sua vez, influencia as possibilidades de resposta frente às tarefas diárias, como comer, dormir e estudar.
“Se em qualquer cenário a presença de características como a desatenção, a preocupação e a dependência fazem parte, no contexto atual essas características se acirram ainda mais. Por isso, lembrar que estamos passando por uma fase difícil nos auxilia também a perceber que esse momento terá fim”, ressalta.
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Internet e seu ‘novo’ propósito
Um ponto fundamental apresentado pela psicóloga é o fato de que, principalmente crianças e jovens, associam as telas a momentos de lazer. Além disso, a especialista pontua que as famílias foram levadas a reinventar as formas de realizar atividades cotidianas, o que demanda um tempo de adaptação que, no contexto educacional, equivale a elaborar toda uma nova forma de aprender, muito diferente da qual as crianças estavam acostumadas.
“Primeiro precisamos dar um tempo para que as crianças possam entender que esses recursos, como computadores, celulares e tablets, agora são também uma ferramenta educacional. É como se estivéssemos passando por uma transição na nossa relação com esses ‘gadgets’ (dispositivos)”, explica Melissa.
Além disso, houve uma mudança total e completa de ambiente: se antes os estudantes tinham a escola como local de aprendizado, hoje precisam dedicar horas de estudo em casa, sem a presença de colegas e professores. “Estudar online traz o ônus de perder um certo contorno que a sala de aula dava para as crianças. Digo contorno no sentido de estabelecer certas balizas sociais que indicavam para os estudantes que aquele seria um momento dedicado ao aprendizado. Muitos símbolos da escola nos lembram de seu propósito educacional, e isso nos ajuda a lembrar que estamos ocupando aquele espaço com a intencionalidade de desenvolver o conhecimento.”
Participar em detrimento de assistir
É praticamente consenso entre professores e profissionais da educação que aulas ativas, que colocam o aluno em posição de criar, pensar, debater e desenvolver ideias, são mais dinâmicas e ativas do que aulas expositivas, nas quais o professor explica o conteúdo durante os 50 minutos de aula. Se adotada como única estratégia também no modo remoto, existe uma grande probabilidade de os estudantes não criarem uma conexão com o que estão fazendo, o que consequentemente pode dispersar o foco.
“Eu investiria em uma forma de educar que possa ser estimulante ao protagonismo dos estudantes, mesmo que dentro do âmbito virtual. Isso já era um desafio para qualquer escola mesmo antes do modelo de aulas online: a dificuldade de pensar uma forma de educar que faça sentido para os estudantes, de maneira que eles possam participar ativamente do processo de aprendizagem. Quando vemos sentido em alguma tarefa, e nos dedicamos a ela também por gosto, é difícil interrompê-la”, afirma Melissa.
Vanessa Zito, professora e psicopedagoga, atualmente dá aula para alunos do ensino fundamental 1 e concorda com Melissa ao afirmar que, seja presencial ou virtualmente, a ideia é pensar em propostas de aula o menos expositivas possível, de forma a engajar, envolver e motivar os estudantes.
“Precisamos fazer uso de estratégias que garantam a participação da maioria, como a construção de mapas mentais sobre o tema da aula, a realização de uma chuva de palavras por aplicativo antes da discussão do dia para acionar o conhecimento prévio e engajar os alunos, a construção de apresentações durante as discussões e leituras compartilhadas. Da mesma forma que tentamos engajá-los no ensino presencial, fazemos a mesma coisa no online, claro que usando outros recursos porque o contato físico, o olhar, a mediação não estão presentes.”
No processo de elaboração de aulas online, docentes também precisam levar em consideração que, em casa e, em muitos casos, sem a mediação de um adulto, que por sua vez precisa trabalhar remotamente, a atenção que seria dedicada às aulas pode ser capturada por um sem fim de possibilidades: brinquedos, videogames, conversas paralelas com os amigos na internet ou simplesmente não ouvir o que o professor está falando do outro lado da tela. Para evitar que isso aconteça, Melissa reforça a importância de não esperar que alunos não se distraiam eventualmente com o celular, considerando que ele faz parte dessa nova geração. Além disso, tem papel fundamental a elaboração de aulas que cativem, engajem e possibilitem que as crianças atuem como protagonistas do debate.
Como relacionar as aulas e o momento atual
Muitos profissionais da educação têm comentado sobre a importância de, professores, enquanto o laço entre alunos e suas famílias com o sistema de ensino, darem atenção ao bem-estar dos estudantes. Nesse sentido, uma estratégia para combater a falta de atenção e interesse por conteúdos educacionais é diferenciar o que é estimular e o que é demandar mais do que os alunos podem oferecer atualmente. “A cobrança excessiva por rendimento me parece ser um fator que influencia negativamente na atenção das crianças e jovens nesse momento. Os estudantes precisam ser estimulados em seu processo de aprendizagem, mas se exigirmos mais produtividade do que efetivamente eles podem dar conta agora, criamos uma situação de estresse desnecessária”, afirma Melissa.
Na percepção de Vanessa, houve queda no engajamento e compromisso com tarefas, lições de casa e preparação dos alunos para as próximas aulas. “Talvez por conta das estratégias adotadas, aplicativos utilizados e pelo planejamento de aulas mais ativas, não notei tanta falta de atenção e concentração nas aulas, mas sim uma falta de organização e comprometimento com os roteiros de estudo diários e tarefas. Não foi do grupo todo, mas de uma parte foi mais difícil ver a pontualidade, qualidade e compromisso”, explica a professora.
Como é possível ajudar?
Para Melissa, psicóloga e consultora do LIV, capturar o interesse do estudante para que ele se engaje na aula requer um trabalho extenso de reinvenção, juntamente com a parceria entre escola e família para que exista em casa um ambiente favorável ao estudo. Em primeiro lugar, a criação de uma rotina pode beneficiar a casa toda: pais podem organizar momentos dedicados ao trabalho, deixando mais momentos disponíveis e de qualidade para apoiar e estar com os filhos, enquanto as crianças saberão em quais momentos deverão prestar atenção às aulas e evitar ao máximo eventuais distrações.
Ainda, a psicóloga aponta conversas francas e com linguagem acessível como a ferramenta para lidar com a preocupação e ansiedade de crianças e jovens, que podem prejudicar sua dedicação às aulas. “É importante poder conversar, explicar o contexto que estamos vivendo, e que sim, nossa rotina está diferente e estamos nos reorganizando”.
Para a especialista, inúmeros aspectos, assuntos e âmbitos da vida devem, neste momento, deixar de lado a rigidez, e isso está diretamente relacionada à forma com que pais e responsáveis poderão lidar com a dispersão de seus filhos durante as aulas. Se antes os pais contavam com a presença física e olhar especializado para as dificuldades de aprendizagem e atenção dos seus filhos, hoje são eles mesmos que encaram esses desafios de frente.
Por isso, “A organização da rotina em turnos facilita, não apenas para responder às demandas de trabalho, mas também para dividir emocionalmente seu tempo. Entender que não vamos produzir exatamente como antes, e que talvez não possamos cumprir todas as tarefas escolares dos filhos é fundamental. Não existe um manual para ser pai ou mãe, tampouco para ser pai na pandemia. Comunicar as dificuldades para a escola e buscar parceria é uma ótima alternativa já que cada um tem um olhar diferente para os desafios e dispõe também de ferramentas variadas.”
Vanessa, por sua vez, explica que quando nota que não está conseguindo atingir determinado aluno, lança mão de estratégias alternativas e mais direcionadas, como conversas individuais e atendimentos específicos após a aula. Também existe a possibilidade de envolver a orientação educacional e conversar com as famílias.
Já para alunos com transtornos de aprendizagem ou de déficit de atenção e hiperatividade, a psicopedagoga pontua a importância de os professores usarem estratégias mais específicas e recorrerem à sensibilidade. “Nesses casos, a falta de atenção, foco, engajamento e desmotivação são questões neurobiológicas. Estratégias usadas de forma mais individual são eficazes, mas não se trata de fazer de uma forma excludente. Esses alunos estão sempre presentes durante as propostas com o grupo todo, mas há uma estratégia de reforçar tanto o conteúdo, como o esforço do próprio aprendiz, de forma individual.”