Jardim da infância virtual é uma boa ideia?
Aprender por meio de aulas online não desenvolve habilidades como colaboração e resolução de problemas, diz pesquisador
por Vinícius Bopprê 11 de julho de 2013
Recentemente, a revista especializada em educação Edweek, levantou uma discussão sobre o crescimento de escolas que oferecem aulas online para crianças do ensino fundamental. Exemplo disso está no programa Connections Education, da Pearson, que, desde 2002, oferece esse tipo de metodologia onde de casa, os meninos acompanham videoaulas e fazem exercícios. Modelo que, segundo seus criadores, tem um crescimento anual de matrículas em torno de 25%. Em entrevista a revista, Steven Guttentag, co-fundador e chefe da criação de currículo online da instituição, explica que, no início do desenvolvimento do programa, a pergunta mais frequente era: por que colocar crianças na frente do computador o dia todo? E a resposta é que elas não ficam todo online o tempo todo, e sim, apenas 20% do tempo.
Quando não estão na frente da tela, as crianças desenvolvem atividades como formar letras para trabalhar habilidades motoras ou trabalham com materiais manipuláveis para aprender formas básicas de geometria, por exemplo. Ainda assim, especialistas em desenvolvimento infantil estão inseguros quanto a capacidade do ensino virtual de obter a quantidade necessária de interação social e emocional em ambientes virtuais. “As crianças precisam desenvolver habilidades de aprendizagem do século 21, que incluem criatividade, colaboração e resolução de problemas do mundo real por meio do desenvolvimento de projetos em grupo com objetivos comuns”, diz Roberta Schomburg, professora de educação infantil na Universidade de Carlow e vice-presidenta do Conselho Diretivo da Associação Nacional para a Educação de Crianças, ao Edweek. Para ela, a aprendizagem colaborativa é muito difícil de ser aplicada online para uma criança de cinco anos de idade.
Já a Rose Tree Media School, na Pensilvânia, que tem cerca de 3.800 alunos, divide as aulas entre presenciais e online (em que estudam de casa com a mentoria dos seus pais). O modelo, que pode ser chamado de sala de aula invertida, faz com que os alunos aprendam determinados conteúdos online para, depois, executarem projetos temáticos em grupo nas salas de aula. A tecnologia é usada, também, na captura de imagens das telas dos computadores e no uso de câmeras para que os alunos gravem seus próprios vídeos a respeito do que aprenderam durante as aulas.
No Brasil, o Porvir conversou Arnaldo Nogaro, professor da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, cujo tema de pesquisa do doutorado foi a formação do professor para a escolaridade inicial. Para ele, esse o modelo de ensino que adota apenas aulas online para crianças do ensino fundamental impede que elas desenvolvam determinadas habilidades. “Acredito que o aluno perde muito com isso, principalmente em socialização, em desenvolver a capacidade de interação e de enfrentamento de situações típicas do convívio social, sem contar o aprendizado que o grupo oportuniza”, diz.
Em entrevista por e-mail, Nogaro falou sobre a importância do uso de tecnologia nas escolas, mas que a formação dos professores é fundamental para que essas ferramentas não prejudiquem o desenvolvimento dos pequenos. Leia abaixo a entrevsita completa.
Qual o impacto que elas podem causar no ensino?
Penso que o impacto das novas TDICs (Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação) provocam impacto na organização da mente, no funcionamento da “cabeça” das crianças antes mesmo de entrar na escola, basta pensar em quantas horas em frente à televisão e quanto vídeos uma crianças assiste até a idade de ingresso na escola; e este nem sempre é positivo, pois pode gerar ansiedade, stress, irritação e mentes desatentas. O que a escola e os professores precisam é ter a oportunidade de capacitar-se para o uso das TDICs. O que tem ocorrido é que as escolas são equipadas com recursos diversos e não se faz a formação do professor para utilizá-las. Acaba tendo um descompasso entre o que o aluno traz como bagagem de uso e aquilo que o professor sabe e conhece de como trabalhar com o aluno com a utilização desses artefatos.
Você acredita que modelos que mescla aula online, de casa, e presencial pode ser usado em alunos nessa faixa de idade? Como?
Penso que é possível. Há que se inserir os educadores neste debate e os pensadores da educação para que se busque adequar o uso e o tempo de uso com a faixa etária, para não contribuirmos para uma superexposição da criança ao ambiente virtual. Mas há que se pensar em estratégias que resultem em aprendizagens de conhecimentos e ampliação das habilidades dos estudantes para que o “momento de uso” da tecnologia não se transforme no “recreio de lazer” ou de “descanso” do professor e o momento presencial o de trabalho “duro”.
Você acha viável que os alunos assistam aulas online de casa, tendo acompanhamento dos seus próprios pais?
Alguns países têm a prática de ensinarem seus filhos em casa, como é muito comum nos Estados Unidos, acredito que o aluno perde muito com isso, principalmente em socialização, em desenvolver a capacidade de interação e de enfrentamento de situações típicas do convívio social, sem contar o aprendizado que o grupo oportuniza. Como recurso pedagógico pode-se adotar o modelo online, no entanto pergunto-me quantos pais terão tempo de serem tutores de seus filhos? Em que horários? Qual o conhecimento de estratégias de aprendizagem, de aquisição de conhecimento conhecem para auxiliarem seus filhos?
Acha que a criatividade é mais estimulada quando há um contato com a tecnologia?
O mais importante é o como a tarefa vai ser desenvolvida do que com quais recursos. É claro que utilizando recurso interativos, dinâmicos pode-se ter até melhores resultado, mas muito do tempo da criança no uso das TDICs é repetitivo, “automatizado”, de pouca criatividade, fruto muito mais do treino do que do pensamento criativo. Retornamos à ideia inicial da forma como são utilizadas as TDICs, da complexidade e profundidade das tarefas ou não e do desafio que lhe é posto levando-a ao desenvolvimento de maior profundidade de pensamento.
Como deve ser feita essa dosagem da tecnologia?
Como afirmei acima, há que se ter equilíbrio de tempo e atividades entre os dois momentos para que não se estigmatize um deles. O uso das TDICs muitas vezes pouco se diferencia das aulas tradicionais, fazendo-se atividades repetitivas, burocráticas e maçantes. É necessário pensar que muitas crianças passam boa parte do seu tempo “doméstico” fazendo uso das TDICs e se, ao chegarem à escola forem submetidas novamente às TDICs sem um uso adequado vão preferir a conversa e interação com colegas do que “fazer o que fizerem boa parte do seu dia”. Para termos aulas inovadoras é necessário planejamento de cada atividade com objetivos a serem atingidos e clareza das habilidades que se deseja desenvolver.
Quando a tecnologia pode atrapalhar o desenvolvimento do aluno?
Quando ela estiver presente na sua vida de forma excessiva ou utilizada de forma inadequada. Estudos mostram como games e outros podem gerar dependência, compulsividade, levando a estados doentios. Além deste aspecto há os relacionados ao funcionamento da mente: superficialidade, dispersão, sobrecarga etc. Outro aspecto que deve ser considerado é quando o estudante não desenvolveu autocontrole ou não tem a capacidade de definir limites de uso e de tempo para as TDICs, provocando perda de tempo, secundarização de tarefas importantes ou abandono de atividades que exijam mais concentração e trabalho.
E o professor? Como deve ser a preparação dele para lidar com essas novas demandas?
Primeiro rompendo as barreiras físicas de acesso e mentais de uso das TDICs. Segundo dando-se conta que o ingresso destas na sociedade e na vida das pessoas é irreversível. Não se trata de postura fatalista, mas de adotar posturas críticas, de uso adequado e voltadas para a construção de habilidades positivas. Precisa também ler, informar-se, buscar auxílio de como introduzir estas na sua vida e no seu trabalho. É tarefa também dos gestores e dirigentes educacionais auxiliar o professor oportunizando cursos de formação, esclarecimentos sobre as mesmas e instrumentalizando o professor para desenvolver seu trabalho na realidade do século XXI.
Para o senhor, como seria a escola do futuro?
É difícil imaginar a escola do futuro numa sociedade da incerteza em que fazer previsões é muito arriscado pois incorre-se no perigo de se imaginar coisas que jamais poderão acontecer. No entanto, acredito que poderão surgir novos artefatos, formas diferentes de se organizar os espaços de aprendizagem, mas vejo um protagonismo muito grande para o professor, especialmente porque a construção do sentido, a relação emocional, sua proximidade pedagógica com a criança são fundamentais e nenhum tecnologia vai pode ou terá condições de substituir. Se as escolas terão o mesmo modelo, se seguirão padrões parecidos com os de hoje em sua organização, não sei. Há algumas certezas e estas estão relacionadas ao perfil das novas gerações que serão muito mais voltadas para o uso das TDICs e à necessidade de um professor que tenha a capacidade de se renovar permanentemente e acompanhar as mudanças que ocorrerem.