Lixo eletrônico se transforma em exposição artística e homenagem a Ariano Suassuna
Professora da rede municipal do Recife alia preocupação ambiental com a riqueza da cultura nordestina e leva exposição da escola para a Galeria Suassuna, da família do autor
por Djanice Leonardo 27 de abril de 2022
O Movimento Armorial foi idealizado pelo escritor Ariano Suassuna (1927-2014) com o objetivo de criar uma arte brasileira erudita a partir das raízes populares da cultura nordestina. Sua importância para a cultura popular é inquestionável, pois propicia o reconhecimento e a valorização da história do nosso povo. Por essa razão, nossa motivação (minha e da turma do 9º ano da Escola Municipal Professor Aderbal Galvão, e também dos alunos do Grupo 5 da Creche-Escola Sérgio Loreto, ambas no Recife) parte da necessidade de abordar esse Movimento, aliando a ele nossa preocupação ambiental com a destinação sustentável dos resíduos sólidos tecnológicos, por meio do projeto “A Metarreciclagem conectada no Movimento Armorial”.
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Vale destacar que o projeto, baseado na metarreciclagem (técnica de reuso do lixo eletrônico), foi realizado exatamente no momento de pandemia que estávamos vivendo. Pensei que poderíamos fazer algo por nossos alunos: ficava inquieta ao ver o esforço do pessoal da saúde, se matando de trabalhar, e comecei a achar que todos poderíamos fazer alguma coisa, mesmo que fosse pouco, para ajudar nossos alunos e professores a aliviar todas as dificuldades e desafios que estávamos vivendo. Queria que a educação chegasse até os estudantes de uma forma leve e criativa, tornando prazerosos aqueles momentos que passávamos juntos. Além disso, a iniciativa teve o intuito de valorizar a cultura popular da nossa Região Nordeste, mostrando a representatividade da arte e do nosso Ariano Suassuna para o Brasil.
O desenvolvimento do trabalho aconteceu de forma remota e interdisciplinar, dialogando com diversas áreas do conhecimento, tais como: ciências, sustentabilidade, língua portuguesa, literatura e história da arte. Todos os encontros foram online, por meio de lives via Google Meet. A comunicação ainda foi estendida com a criação de um grupo pelo WhatsApp, como meio mais viável para esclarecimentos de dúvidas dos alunos.
Nossas atividades se dividiram em oficinas makers e palestras com as netas de Ariano Suassuna. Anaís Suassuna contribuiu com explicações acerca das principais características e representantes do Movimento Armorial, enquanto sua irmã, Ester Suassuna, nos esclareceu sobre a Estética Armorial a partir das iluminogravuras e xilogravuras.
Também contamos com a presença virtual do pesquisador e documentarista Leonardo Brant, que explicou sobre o seu filme “Descarte”, fortalecendo e encorajando nosso projeto.
Para o debate sobre a lei 12.305, sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, contamos com a participação do advogado Davi Luz e do ambientalista Nélio Fonseca, que trouxeram grande contribuição. Tivemos, também, uma participação cultural do cantor e compositor Waguinho, que nos alegrou com várias canções – entre elas “Não jogue fora no lixo”. Por fim, nossos estudantes, do 9º A, da Escola Aderbal Galvão, puderam reunir todos esses conhecimentos para buscar inspiração e produzir suas obras, utilizando vários tipos de resíduos sólidos. Resíduos que antes eram considerados sem utilidade e sem valor.
A metodologia adotada no projeto se fundamenta na própria experiência e percepção do estudante, a partir de práticas que vieram a estimular o potencial criativo e colaborativo dos envolvidos. As leituras propostas, debates interativos e desafios lançados nas oficinas contribuíram para a criação consciente e sustentável dos artefatos produzidos pelos estudantes. No decorrer do projeto, identificamos uma postura mais autônoma e protagonista por parte dos alunos: eles passaram a se comunicar com mais segurança sobre a importância de descartar os resíduos corretamente, bem como defender com maior propriedade a herança da nossa cultura popular.
Os estudantes também demonstraram habilidades no que se refere à oralidade ao elaborar um vídeo, destacando suas aprendizagens com esse projeto. Também foi observado que tiveram mais interesse em pesquisar, ler e escrever sobre as obras de Ariano Suassuna. Eles também relataram uma aproximação com os membros da família ao envolvê-los nas produções das suas obras.
Entretanto, é necessário destacar alguns desafios enfrentados durante a realização do projeto, como a falta de acesso aos recursos tecnológicos e à internet. A baixa frequência também se justifica pela ausência dos recursos acima mencionados. Mas, mesmo diante das dificuldades encontradas, constatamos por meio de relatos dos alunos e professores envolvidos um impacto positivo com o desenvolvimento da proposta.
A primeira mudança foi em relação ao olhar sobre o “lixo”, pois o que antes era descartado sem importância, passou a adquirir uma ressignificação e utilidade que não existia. Cada resíduo reaproveitado passou a ser visto como verdadeira matéria prima, capaz de transformar e dar vida a produções belíssimas, inspiradas no Movimento Armorial.
Com a divulgação e exposição virtual das obras criadas pelos estudantes por meio de um livro digital, identificamos o reconhecimento sobre a importância do Movimento Armorial, reforçando a ideia de que aquilo que é nosso tem valor e significado únicos. Todavia, a valorização aqui não se restringe apenas à nossa cultura popular nordestina, mas também ao reaproveitamento dos resíduos sólidos e tecnológicos que adquiriram utilidade e sentido novos na aplicação decorativa dos artefatos produzidos.
Já no que se refere ao impacto desse projeto na escola, podemos dizer que a principal mudança é com relação ao olhar diante dos resíduos. Todos que apreciaram a publicação do e-book com as criações dos estudantes, comentaram sobre a riqueza de detalhes e beleza, revelando admiração e surpresa ao descobrirem os tipos de resíduos que foram reaproveitados em cada uma das obras.
Tal constatação foi registrada a partir de comentários e depoimentos em diferentes redes sociais, sendo o WhatsApp o mais utilizado entre professores e estudantes da unidade escolar. Fizemos uma exposição e, tão logo a família de Ariano viu tudo pronto, achou extraordinário, levando todas as peças para a Galeria Suassuna, onde permanece exposta neste espaço aberto ao público.
A representante da família, Magda Suassuna, presenteou os alunos com um livro e um par de tênis, sendo esse um lindo final para o nosso projeto. Eu pensei: “O que querer mais? Ver os alunos felizes, as obras expostas e tudo tão lindo?” Ah, ainda tinha mais por vir: a professora Nivia Barreto escreveu um “Rap da Metarreciclagem” em nossa homenagem. Só temos que agradecer e continuar acreditando no poder da educação.
Embolada da Metarreciclagem (por Nívea Barreto) Eu vou contar, eu vou contar! Uma história bem curtinha Aconteceu na pandemia Cada qual no seu lugar Todo mundo em suas casas Assistindo suas aulas Foram se conectar Eu vou contar, eu vou contar! Djanice é professora Também arte-educadora E começou a divulgar Um movimento impactante Realmente interessante Que chegou para ficar Eu vou contar, eu vou contar! Que Ariano Suassuna Fez a arte armorial Usou a xilogravura Pra mostrar nosso local Criou peças de teatro Fez romance, fez ensaio Ele era genial! Eu vou contar, eu vou contar! Muitas lives foram feitas, Todas elas, com certeza Conseguiram ensinar Sobre esse movimento Que gerou envolvimento E também fez exaltar A cultura nordestina Produções em oficinas Começaram a criar Eu vou contar, eu vou contar! Djanice é uma danada Que não desperdiça nada Tudo pode transformar Seus alunos não são bestas Sabem que a natureza É pra gente preservar Eu vou contar, eu vou contar! Ficou tudo no capricho O que antes era lixo Virou arte, escultura Pra gente admirar Fica a reflexão Pequeno ou grande cidadão Todos podem ajudar Cada um faz sua parte E com a metarreciclagem O mundo pode melhorar!
Djanice Leonardo
Professora da rede municipal do Recife (PE), trabalha com foco em projetos educacionais voltados para arte, sustentabilidade e criatividade.