Turma do 5º ano usa micro:bit para criar casas inteligentes
Direto de Paulista (PE), professor une robótica, materiais recicláveis e tecnologia para debater os ODS e ampliar o protagonismo dos estudantes
por Sebastião da Silva Vieira
12 de junho de 2024
Como bem dizia Paulo Freire (1921-1997), acredito que a educação acontece quando há troca de saberes. E o projeto “Produção de casas inteligentes utilizando materiais recicláveis por meio do micro:bit”, que realizo na Escola Jaime Gonçalves Bold, no município de Paulista, Região Metropolitana do Recife, nasceu justamente de um intercâmbio.
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Sou doutorando em educação matemática e tecnológica pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), e minha pesquisa é voltada à cultura maker e ao pensamento computacional. Realizei um estágio de pesquisa em Portugal, na startup InovLabs, que apoia e fornece um ecossistema integrado para o ensino de atividades e projetos STEAM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Arte e Matemática) em sala de aula. Passei dez dias visitando escolas públicas no município de Oeiras, pertinho de Lisboa: a cidade tem sido chamada de “Vale do Silício português”, por reunir várias empresas de tecnologia, muitas delas ligadas à educação. Por lá, me encantei ao conhecer as capacidades pedagógicas do micro:bit.
O micro:bit é uma pequena placa usada em projetos de programação e robótica na educação básica, criada para apoiar soluções práticas para problemas da comunidade. Voltei da viagem com três micro:bit na bagagem e muitas ideias de como levá-los à realidade meus estudantes. Assim começou mais uma etapa de trocas e aprendizado, tanto para mim quanto para os meus alunos.
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Dos robôs às casas inteligentes
Conversei com a gestão da escola, que me apoiou na ideia de lançar um desafio maker com a turma do 5º ano. A princípio, queria descobrir quais eram os conhecimentos prévios da turma e focar na parte sustentável, para que eles trabalhassem a robótica com materiais reciclados e criassem um brinquedo.
Esse tipo de protótipo sempre surge da nossa imaginação, e eu queria resgatar os anos 1980 e 1990, quando as brincadeiras eram improvisadas no quintal com os materiais encontrados por ali, antes mesmo da tecnologia.
Incluí o contexto social nas atividades: aqui na comunidade, há vários espaços de reciclagem e cooperativas, e pedi aos alunos que trouxessem materiais que pudessem ajudar na construção de robôs e brinquedos. Aos poucos, fui apresentando as placas de micro:bit, por meio de conceitos básicos de programação e eletrônica. São mais baratas e acessíveis do que o Arduino.
Em um segundo momento, quando conversamos sobre os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), principalmente o 4 (educação de qualidade), o 7 (energia limpa e acessível) e o 11 (cidades e comunidades sustentáveis), veio deles a sugestão: “por que não criamos uma casa inteligente?” Eles decidiram construir um alarme solar: programaram o micro:bit para disparar caso a casa recebesse muita luz e fosse mais iluminada do que deveria, fazendo referência às temperaturas elevadas, o que trouxe também a conversa sobre clima, engenharia e infraestrutura. Ao todo, foram seis casas construídas por grupos de alunos com quatro ou cinco integrantes, apresentadas na Feira dos ODS na escola.
Clique na imagem para ver a galeria de fotos:



O micro:bit é muito chamativo e também despertou o interesse de alunos autistas da turma. São estudantes que gostam de cores e de sentir as texturas dos materiais, e aproveitei a oportunidade para compartilhar com eles como as placas são legais e ajudam a construir muita coisa.
Em paralelo, também reuni os professores e a comunidade para apresentar o micro:bit em oficinas no contraturno da escola. Alunos de outras turmas também participaram.
Aprendizado com os alunos
A geração de hoje é impressionante. Crianças e adolescentes aprendem antes de darmos os comandos, e eu, como pesquisador, tenho observado cada vez mais isso.
Trabalhar com STEAM desperta neles competências e habilidades necessárias para o século 21. Com a criação das casas inteligentes, notei o desenvolvimento de aspectos como resolução de problemas, habilidades espaciais e verbais. Sem contar a comunicação e o raciocínio indutivo: eles observam o professor e já aplicam o que aprenderam ali.
O projeto também focou na autonomia desses meninos e meninas, que traziam de casa as suas ideias e compartilhavam com os colegas suas ideias para a construção dos projetos da primeira fase (robôs e brinquedos) e os da segunda fase (as casas sustentáveis). Eles mesmos encontraram um problema, com o excesso de sol e temperatura elevada e tiveram senso crítico para trazer ao STEAM assuntos ligados à sustentabilidade e aos ODS.
Além de a turma apresentar a produção para a escola, levamos as casas inteligentes para uma exposição na Semana de Ciência e Tecnologia do IFPE (Instituto Federal de Pernambuco). Veja só, os alunos do 5º ano apresentando o projeto para estudantes do ensino superior! Foi muito show de bola! Também fizemos uma oficina em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Paulista e visitamos o Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco.
Na volta dos encontros, Giovana, minha aluna do 5º ano, quis saber por que havia poucas meninas no STEAM e na universidade. Depois da nossa conversa, ela reuniu outras amigas e montou um grupo “Meninas nas Ciências”, para colocar em prática suas descobertas. Uma delas foi feita com o micro:bit: Giovana criou um alfabeto digital e móvel, com letrinhas que acendem, e aplica com os alunos mais novos que estão em processo de alfabetização.
Dicas para replicar o projeto
Quando se fala em tecnologia, há quem diga: “Mas eu não tenho recurso, não posso fazer”. Nós também tínhamos poucos recursos e a escola não contava com um espaço maker. Nesses momentos, vale pensar na criatividade e na quantidade de mentes inteligentes envolvidas, em sair da lousa e focar no aprender fazendo. É rico trabalhar a sustentabilidade, com materiais recicláveis e fáceis de achar, como papelão, plástico, fita LED, fita crepom, aliados à tecnologia. Com três placas de micro:bit consegui atingir um universo que eu não imaginava que fosse ganhar a proporção que ganhou, com reportagem até no telejornal local, vencedor da etapa estadual do Prêmio Educador Transformador e do Prêmio Professor Porvir.
Para este ano, quando devo qualificar o projeto do doutorado, quero levar o projeto a uma escola rural. Quero continuar investindo no conhecimento prático e no aprender fazendo, com a mão na massa, que sai do livro para a prática.
Conexão com a BNCC
O objetivo pedagógico do projeto é utilizar a programação com o micro:bit para desenvolver casas inteligentes que sejam ambientalmente sustentáveis e construídas principalmente com materiais recicláveis (EF05GE01, EF05CI05). Esse objetivo está relacionado a diversos componentes curriculares, tais como:
| Competências e habilidades |
|---|
| Ciências (EF05CI08) – Promover a compreensão dos conceitos de sustentabilidade ambiental, ecologia e preservação dos recursos naturais. – Explorar os impactos das ações humanas no meio ambiente e identificar estratégias para minimizar esses impactos. Matemática (EF05MA14) – Aplicar conceitos matemáticos na análise e no design de estruturas sustentáveis, incluindo cálculos de áreas, volumes e proporções. – Utilizar medidas e grandezas mensuráveis para planejar e otimizar o uso de materiais recicláveis na construção. Tecnologia e cultura digital (EF05CI09) – Desenvolver habilidades de programação utilizando o micro:bit e outros dispositivos tecnológicos para automatizar sistemas dentro das casas inteligentes. – Explorar o potencial das tecnologias digitais para promover práticas sustentáveis, como monitoramento de consumo de energia e gestão de resíduos. Arte (EF15AR21, EF15AR24) – Expressar ideias sobre sustentabilidade e tecnologia por meio de projetos artísticos relacionados ao tema das casas inteligentes e materiais recicláveis. – Integrar elementos estéticos e criativos na concepção e na construção das casas inteligentes, valorizando o design e a inovação. |
Sebastião da Silva Vieira
Pedagogo e professor da rede de Paulista (PE), doutorando em educação matemática e tecnológica pela UFPE, com mestrado pela mesma instituição. Especialista em ensino de ciências (UFRB) e pedagogia empresarial (Uninabuco), é técnico em informática e multimeios didáticos. Pesquisa tecnologias digitais na educação, vídeos e jogos digitais, lógica e programação, pensamento computacional, cultura popular, folkcomunicação e cultura maker.






Sempre bom ter ideias inovadoras e fazer com que os alunos participem ativamente da construção do seu conhecimento.