O que escolas privadas buscam de professores na hora da entrevista de emprego?
Na hora de contratar um novo integrante da equipe pedagógica, o que as instituições de ensino têm em mente? O Porvir traz as pistas
por Ruam Oliveira 4 de março de 2022
De que forma um educador ou educadora deve se preparar para conseguir aquele cargo tão desejado? Quais habilidades são comuns a outras profissões e que todo docente deve ter?
De certo, existem habilidades específicas para a área em que o professor leciona. Só que hoje é igualmente importante estar atento às orientações da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), o documento norteador dos currículos.
O Porvir conversou com algumas instituições privadas de ensino brasileiras para entender o que elas procuram na hora de entrevistar alguém e o que mais se destaca na hora de escolher os candidatos.
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Entrar em uma sala de aula hoje é um tanto diferente do contexto pré-pandemia, em razão das demandas para a integração de tecnologia e das consequências emocionais diante de perdas e do longo período de isolamento social. Mas qual o impacto dessas mudanças em relação ao que as escolas exigem do professor? Confira abaixo a opinião de representantes de diferentes instituições educacionais.
Comunicação
Ter boas habilidades de comunicação é um fator que chama a atenção na hora de decidir quem fará parte do corpo de funcionários.
Para muitas instituições, saber se comunicar bem é um elemento quase que definidor. Renan Costa Rêgo, diretor de cultura e gente da Escola Mais, afirma que a habilidade é bastante avaliada porque os docentes precisam lidar com aspectos não só do desenvolvimento cognitivo dos estudantes, como também de seu lado socioemocional, fatores que são melhor trabalhados quando há uma comunicação clara e efetiva. Ele também destaca que, no processo de seleção, a comunicação ganha real importância na etapa de aulas testes.
“Pela essência do processo escolar, é fundamental não apenas ser capaz de se expressar com clareza, assim como, com igual importância, é fundamental ser capaz de ouvir e também interpretar reações”, afirma Marcelo Xavier, diretor pedagógico de relacionamento da Inspira Rede de Educadores. Ele também aponta: é importante que o educador saiba transmitir suas ideias de forma eficiente, porque muitas crianças nem sempre conseguem se expressar por meio de palavras e acabam usando de outras estratégias para demonstrar suas angústias e dúvidas, por vezes recorrendo a atitudes não verbais.
Colaboração e flexibilidade
Pensando nos modelos de ensino que estão em vigor, desde contextos onde as aulas são presenciais, algumas em ensino híbrido e o já conhecido ensino remoto, demonstrar flexibilidade e boa vontade para trabalhar de maneira colaborativa também são elementos que entram na mira de quem está contratando.
Regina Oliveira, fundadora da Rede Decisão, pontua que saber trabalhar de maneira colaborativa é, também, uma forma de preparar os estudantes para os desafios do futuro, incluindo os de ordem profissional. Ela ressalta que na educação existe muito o trabalho “por exemplo”, no qual alunos e alunas podem refletir posturas dos educadores. “Se a gente não trabalhar isso na escola como uma primeira experiência de vida, fica muito difícil”, afirma.
“Em meados do século passado o trabalho do professor tinha uma característica essencialmente individualizada. A sala de aula era uma espécie de feudo com o professor no papel de senhor feudal”, destaca Marcelo, da Inspira Rede de Educadores. “Muita coisa se modificou de lá para cá, hoje busca-se o profissional capaz de interagir com os demais professores e também com o corpo discente, buscando atividades interdisciplinares ou mesmo trabalhando em projetos que norteiam os trabalhos dos mais diversos atores no processo educacional”, complementa.
Essa configuração de ter que estar sempre em contato com diferentes áreas é apontada pelos entrevistados como elemento de extrema importância. Os novos currículos cobram atividades sobre Projeto de Vida, que deem chance ao protagonismo do estudante. Dar conta desta demanda exige trabalho em conjunto com outras áreas.
Competências em tecnologia
Desde que os computadores chegaram às escolas e os smartphones e tablets também passaram a fazer parte do cotidiano escolar, as tecnologias digitais jamais deixaram de ser importantes dentro de um projeto pedagógico.
Grande parte das iniciativas inovadoras no campo da educação envolvem o uso de aplicativos, ferramentas digitais e plataformas em algum nível, seja para aprendizagem ou gestão escolar. E compreender como usar as ferramentas de maneira adequada é outra das habilidades desejadas em um candidato a docente.
No entanto, ter conhecimentos básicos em tecnologia não significa necessariamente uma desqualificação. Os entrevistados, neste caso os gestores das escolas, apontam que ter facilidade ou conhecer a tecnologia é um ponto importante, porém estar aberto a aprender e a desenvolver novas habilidades nesse campo conta muito mais.
“A tecnologia ajuda no processo de aprendizagem e é uma ferramenta que ajuda o professor a desempenhar com ainda mais eficiência e possibilidades de inovação o seu trabalho. Na Escola Mais, é fundamental estar aberto ao aprendizado e entendimento de tecnologias que potencializem o uso de metodologias ativas na prática”, descreve Renan.
Ou seja, saber usar tecnologias digitais é um diferencial. No entanto, não saber – mas querer saber – faz mais diferença. Isso porque grande parte das instituições possui departamentos que auxiliam docentes a usar melhor, e quando necessário, as ferramentas.
Apesar de considerar um dos três pilares mais importantes no momento da contratação, a educadora Regina afirma que a escola também pode estar preparada para formar os professores e professoras, tendo inclusive um profissional dedicado especificamente a fazer esse auxílio caso seja necessário.
“[A tecnologia] é importante, mas é muito mais importante a disposição de aprender. Essa disponibilidade que efetivamente é um diferencial. A gente não deixaria de contratar alguém que não dominasse completamente. Claro que precisa ter um mínimo de habilidade, mas não é só isso que conta”, diz.
Titulações acadêmicas. O quanto pesam?
“Grau de aprendizado sempre será um item importante a ser considerado. Mas será considerado um diferencial decisivo em uma contratação quando esse mestrado, doutorado ou mesmo cursos de atualização de menores durações conversarem com a função a ser exercida”, reforça Marcelo.
Na prática, isso significa que ter uma titulação – seja especialização, mestrado ou doutorado – é sempre algo positivo e muito bem-vindo, mas estar apto a exercer a função é o que pode chamar mais a atenção dos contratantes.
Em muitos casos, os entrevistados destacam que não se trata de um pré-requisito e que o importante é se manter capaz de contribuir com o projeto pedagógico da escola. Marta, do grupo Eleva, afirma que ter uma experiência prévia relevante conta tanto quanto um título acadêmico.
Em linhas gerais, ter um mestrado ou doutorado pode ser bom. Mas não tê-los tampouco significa chances menores do candidato.
O que é preciso dominar?
Além da já citada BNCC, os entrevistados afirmam que é preciso que os candidatos saibam bem não somente as metodologias aplicadas na escola onde desejam trabalhar, como também compreender um pouco sobre outras metodologias.
No caso da Escola Mais, por exemplo, é importante que o educador domine bem não só a BNCC como conheça regras do Novo Ensino Médio e saiba aplicar metodologias ativas.
Marcelo aponta que é imprescindível que o professor esteja antenado com as novidades educacionais. Para ele, este seja, talvez, um dos grandes problemas enfrentados: a resistência de parte dos profissionais de educação em se atualizar em relação às mudanças na educação. “Por exemplo, em uma entrevista para contratação de um professor ou coordenador com interesse no ensino médio, seria uma falha grande do candidato não ser capaz de discorrer sobre as mudanças que começaram a ser implementadas este ano pelo Novo Ensino Médio.”
Em busca dos diferenciais
Existem atributos e habilidades que há pouco tempo eram considerados diferenciais, mas que vão mudando de acordo com os avanços em termos de uso da tecnologia, aplicação de metodologias etc.
Nesse sentido, algo que dificilmente vai mudar (e que ainda assim é requerido pelos contratantes) é o engajamento do docente com seu trabalho. Em outras palavras, a “paixão” pelo ensino figura entre os elementos da expectativa de quem contrata.
Regina afirma que quando faz uma entrevista com educadores, ela repara no brilho dos olhos de quem fala enquanto comenta sobre determinado conteúdo ou prática. Para ela, essa “paixão” por ensinar acaba transbordando para a prática docente e isso influencia diretamente na maneira como os estudantes recebem o conteúdo e se lembram dele.
É muito provável que esteja na memória de muita gente aquele professor ou aquela professora que ensinava entusiasticamente e isso fazia com que essas mesmas pessoas sentissem uma grande vontade de aprender.
Entre as habilidades que antes eram um diferencial e que hoje passaram a ser consideradas básicas, Marcelo chama a atenção para a empatia. “Não cabe mais aquela figura do professor descompromissado do resultado do aluno. A sociedade hoje exige do professor que ele também seja capaz de olhar para o aluno como um todo, sabendo perceber suas dificuldades, e consiga realizar trabalhos diferenciados com o objetivo de resgatar alunos com peculiaridades que dificultam seus aprendizados”, diz.
“Aprender a aprender é muito importante na Escola Mais e um diferencial claro, pois os professores precisam se adaptar às mudanças constantes nas formas de ensino e aprendizagem, baseadas em metodologias ativas e, embora não se tenha o conhecimento completo em alguns aspectos, é fundamental aprender a aprender constantemente, sendo esta uma competência-chave”, conclui Renan Costa Rêgo, da Escola Mais.