Ao sair da sala de aula, projeto explica história do bairro e racismo ambiental a crianças
Atividades e aulas compartilhadas em escola pública do bairro de Perus, em São Paulo, fortalecem a conexão da turma com a história do território e o meio ambiente
por Danilo Daniel dos Santos 11 de outubro de 2024
Localizado entre áreas remanescentes da Mata Atlântica, o bairro de Perus, em São Paulo (SP), conta com aproximadamente 80 mil moradores. Para integrar os alunos do 4º ano do ensino fundamental da EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Philó Gonçalves dos Santos ao contexto histórico e ambiental da região, marcada por um passado de impactos socioambientais, como aterros sanitários e pedreiras, criei o projeto “Pequenos guardiões”.
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Desde 2021, a EMEF se associa à FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) para ampliar seu espaço educativo. Com o apoio da universidade, um terreno abandonado de mais de 14 mil m² ao lado da escola foi transformado no Eco-Parque Escola Philó.
Professores, gestores e a comunidade escolar agora zelam pelo espaço, e nós, educadores, somos convidados a desenvolver projetos ali – tanto que, para essa iniciativa, contei com o apoio do coordenador Eder Daniel.
Uma parte essencial para o cuidado com o eco-parque foi a formação continuada dos professores, que participaram de oficinas sobre educação ambiental, metodologias ativas e “desemparedamento” da educação. Essas aulas garantem que as atividades ao ar livre estejam sempre alinhadas às práticas pedagógicas da escola e aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) da ONU (Organização das Nações Unidas).
Primeiros passos
Sou professor de história e atualmente trabalho no laboratório de educação digital, mas sempre gostei muito de atividades relacionadas à natureza e à conservação ambiental. E assim nasceu o projeto “Pequenos guardiões: explorando e preservando com a EMEF Philó Gonçalves dos Santos”.
Nossas aulas acontecem no eco-parque, permitindo que as crianças explorem o território e cuidem da natureza, tornando-se monitores ambientais enquanto aprendem sobre biodiversidade e sustentabilidade. Antes disso, iniciamos pesquisas sobre o histórico ambiental e social da região. As atividades interdisciplinares, realizadas no contraturno, buscam ressignificar a conexão da turma com o território e a natureza.
Contexto histórico
Perus faz divisa com Caieiras, Cajamar e Osasco, além dos distritos de Jaraguá e Anhanguera. As políticas públicas do século passado escolhiam as áreas periféricas para derrubar as matas e instalar lixões, fábricas poluidoras e pedreiras. Por quê? Para que funcionassem longe do grande centro, deixando marcas significativas ao bairro da periferia, com sérios danos ao meio ambiente – sem contar a degradação do solo e a poluição dos rios.
Debati com os alunos a instalação desses empreendimentos para apresentar a eles a temática do racismo ambiental. O termo foi criado há aproximadamente 50 anos por Benjamin Franklin Chavis Jr., líder dos direitos civis nos Estados Unidos, para destacar como a crise climática afeta injustamente os moradores das periferias. E quais são as consequências que enfrentamos em Perus? Nosso bairro abrigou a primeira fábrica de cimento do país, a Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus (1926-1980), fechada por pressão popular. Os “Queixadas”, trabalhadores da antiga fábrica, lideraram a maior greve da história do Brasil.
O apelo popular também abordava a degradação da natureza. Minha intenção é que a turma, mesmo pequena, desenvolva conhecimento histórico e reflita sobre como a distribuição desigual desses danos ambientais está refletida nas injustiças sociais.
Não daria para realizar uma pesquisa ambiental completa se eu não mostrasse o passado da região, marcado por violações de direitos humanos que também influenciam a degradação ambiental.
De maneira sensível, realizamos rodas de conversa. Além do eco-parque, a escola está ao lado do cemitério Dom Bosco. Perguntei se eles sabiam o motivo de o cemitério ter sido construído ali. Por que ocupava um espaço tão grande? A instalação do próprio cemitério, em 1971, em uma região periférica e extremamente pobre, teve pouca fiscalização e impactou a natureza ao redor.
Expliquei que, quando inaugurado, a intenção era enterrar indigentes, mas os governantes passaram a utilizá-lo para enterrar pessoas perseguidas. Muitos alunos conheciam o cemitério, mas desconheciam a história da Vala Comum e do memorial instalado ali para preservar a memória. Acho importante apresentar temas difíceis aos pequenos, desde que tomados os devidos cuidados, claro. À medida que os alunos crescem, podem aprofundar-se ainda mais nesse assunto.
Para abordar tais assuntos, busquei estratégias e exemplos práticos e fáceis de entender. Um exemplo vem das comparações: qual a diferença entre bairros que têm acesso a áreas verdes e aqueles que não têm? No nosso caso, ainda somos afetados por lixões e poluição. E o que acontece em outras regiões?
Visitas a campo
Levamos o debate para fora da sala de aula, explorando os espaços educativos do território: o eco-parque e a horta agroecológica. Esses locais, conquistados por professores e alunos, foram mapeados como áreas de aprendizagem ao ar livre.
Realizamos visitas para avaliar a infraestrutura, como trilhas guiadas e espaço para cultivo e interação com a natureza. Aproveitamos a caminhada para fazer algum exercício físico e recolher o lixo que encontramos por ali.
A turma sempre trabalha em equipe, observando, tocando a terra, identificando espécies de plantas e animais do eco-parque. Na horta agroecológica, plantam e cuidam da colheita, trabalhando em equipe e desenvolvendo senso de responsabilidade.
O projeto também enfatiza a interdisciplinaridade: em ciências, os alunos estudam a biodiversidade local, enquanto em geografia compreendem o impacto ambiental das atividades humanas. Também visitamos o Cemitério Dom Bosco, pois minha proposta sempre foi unir a consciência social à disciplina de história.
Os materiais utilizados incluíram livros didáticos, mapas da região, ferramentas de jardinagem, mudas de plantas, material de limpeza e conservação das trilhas, pranchetas para anotações, lupas e tablets para registrar audiovisual das atividades.
A turma também registra suas experiências, tanto em diários de campo quanto por meio de fotos e vídeos. Esses materiais são usados em atividades de reflexão e produção textual, para expressar suas aprendizagens e sentimentos sobre o processo.
Os alunos se sentem orgulhosos ao reconhecer a importância de ser um cuidador do parque e do território onde estudam e vivem. E não só isso: ser um guardião também gera empatia e maior conscientização sobre questões sociais e ambientais.
O impacto mais evidente é ver como eles entenderam o que significa ter o eco-parque e a horta como ambiente de aprendizagem, e não só a sala de aula. O nosso território não é só a escola, não é só dentro dela que a gente aprende.
Desafios
A EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Philó Gonçalves dos Santos se destaca na rede municipal de São Paulo por promover uma abordagem inovadora de educação, o que fortalece o sentimento da comunidade. Mas há desafios a serem superados.
Entre as principais dificuldades encontradas durante a implementação do projeto, estão a falta de recursos financeiros para a manutenção contínua da horta e do eco-parque, e a necessidade de uma maior integração com a comunidade externa à escola. Em algumas ocasiões, enfrentamos resistência de parte da comunidade escolar, que inicialmente não reconhecia o valor pedagógico das atividades fora da sala de aula.
Reforçar o aprendizado por meio da experiência prática é uma abordagem baseada nos princípios da educação integral de Paulo Freire, que ressalta a construção do conhecimento de forma contextualizada e crítica.
Preservar o meio ambiente, lutar por um espaço de lazer e aprendizagem é lutar por justiça social. Está tudo conectado: faz o aluno refletir e relacionar o conceito de racismo ambiental com a realidade ao redor.
Danilo Daniel dos Santos
Licenciado em história, pedagogia e filosofia, possui 19 anos de experiência na educação, incluindo três anos como coordenador pedagógico e 15 anos como educador na rede estadual e municipal de São Paulo.