Com relatos de sensíveis, livro reúne práticas pedagógicas na EJA  - PORVIR

Inovações em Educação

Com relatos de sensibilidade e afeto, livro digital apresenta práticas pedagógicas na EJA 

Construído durante curso de formação de professores do Programa Jovens Construtores, o e-book “Sensibilidades e afetos da experiência docente” retrata experiências com juventudes na rede municipal do Rio de Janeiro

Parceria com Programa Jovens Construtores/CEDAPS

por Marina Lopes ilustração relógio 26 de abril de 2023

Práticas pedagógicas na EJA (Educação de Jovens e Adultos) que fortalecem a educação antirracista, valorizam a diversidade na escola e promovem conexões entre o território e a vida dos estudantes. Essas são algumas das principais ideias que aparecem em relatos do livro digital “Sensibilidades e afetos da experiência docente: ações pedagógicas transformadoras da educação de jovens e adultos”, organizado pelo Cedaps (Centro de Promoção da Saúde), com a participação e autoria de professores que trabalham em escolas exclusivas da modalidade, na rede municipal do Rio de Janeiro (RJ). 

A partir da sistematização das narrativas e questionamentos dos próprios educadores, a publicação apresenta experiências sensíveis e afetuosas que ajudam a construir uma EJA mais significativa e participativa para os estudantes. Na maior parte, eles são jovens, trabalhadores, pretos e pardos, moradores das periferias e com trajetórias afetadas por um contexto social e histórico de vulnerabilidades. “O livro reflete muito essa relação de identidade na EJA”, destaca Marina de Freitas Garcia, uma das organizadoras da publicação e consultora do Programa Jovens Construtores no Cedaps.

 

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Em muitas das práticas pedagógicas apresentadas, a educação antirracista e as relações étnico-raciais são colocadas no centro do debate, como no caso do projeto “Vidas Negras Importam”, desenvolvido pela professora Andreza Cristina Rangel Prevot, no CEJA (Centro de Educação de Jovens e Adultos) Maré. Em consonância com a provocação da pedagoga e pesquisadora Nilma Lino Gomes, ex-ministra das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, e com a realidade local da instituição, em que 70,7% dos estudantes se autodeclaram pretos e pardos, a experiência reforça que “a EJA é negra”. A partir disso, convida a turma a percorrer a história da luta pelos direitos civis da população negra estadunidense e refletir sobre as manifestações recentes no Brasil e no mundo, passando pela simbologia do punho cerrado em diferentes movimentos sociais. 

Para questionar padrões de beleza e trabalhar identidade, o professor Bruno Souza Norbert Costa, também do CEJA Maré, promoveu debates a partir do texto “Cabelo afro, cachos e tranças: conheça minas que exaltam a beleza negra nos bailes funk da Zona Sul de SP”, publicado no portal KondZilla. A conversa foi o ponto de partida para os jovens tirarem fotos de como eles e seus colegas se vestem para organizar uma exposição no pátio da escola. “O estilo dos cabelos foi o ponto mais importante em vários registros, o que mostrou a importância que vem ganhando o debate sobre estética dentro e fora das favelas”, observou o professor em seu relato no livro. 

No CREJA (Centro Municipal de Referência de Educação de Jovens), outra prática das professoras Fatima Filgueiras Rocha Correia e Mariana Pereira de Souza reforça o papel da educação antirracista. Com o projeto “Percorrendo caminhos, resgatando memórias”, elas levam os estudantes para visitas de campo nos bairros de Gamboa e Saúde, onde se encontram a Comunidade Remanescentes de Quilombos, para reafirmar a herança e a resistência culturais afro-brasileiras. “A aula contribuiu para que eu pudesse entender que todos nós temos direito e acesso aos patrimônios culturais e que quando nós estudamos e aprendemos sobre eles, nós podemos corrigir os erros dos nossos antecedentes fazendo e agindo diferente”, avalia a estudante Ana Dulce, em uma coletânea de relatos da turma, apresentados pelos educadores na publicação. 

Acesso à cidade e conexão com o território

As aulas-passeio também são estratégias pedagógicas utilizadas no CEJA Acari para reivindicar o direito dos estudantes de acesso à cidade. Apesar de morarem em uma cidade que recebe milhões de turistas por ano no Brasil, muitos dos jovens e adultos da turma não conhecem espaços como o Jardim Botânico, o Museu de Arte do Rio e o Museu do Amanhã. “Nossa unidade escolar é voltada exclusivamente para a educação de jovens e adultos; muitos dos nossos alunos já estão inseridos no mercado de trabalho, fato esse que dificulta ainda mais o acesso a esses locais de grande valor histórico e cultural porque sobra pouco tempo para tal finalidade”, relata o professor Hugo Leonardo Barbosa de Oliveira, no capítulo 2 da publicação. 

Ao compreender que a escola está localizada em um território de passagem para a avenida Brasil, no bairro de Acari, zona norte do Rio, Hugo e os professores João Victor da Silva Paciência, José Silmário Macena e Márcia Elisa L. S. Rendeiro decidiram investir em uma pedagogia sustentada pela cultura para se conectar com a turma e, ao mesmo tempo, ampliar leituras de mundo e oportunidades de conexão com a cidade. Exposições de projetos que celebram a cultura nortista e nordestina e memórias de mulheres que marcaram a vida dos estudantes também foram algumas das práticas desenvolvidas na instituição. 

Formação continuada e reflexão sobre a prática pedagógica na EJA 

Todas as práticas pedagógicas apresentadas no livro são resultado de um curso de formação para professores da EJA, oferecido pelo Programa Jovens Construtores no Brasil, em parceria com a GEJA (Gerência de Educação de Jovens e Adultos) da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. “A proposta foi convidar os professores para transformarem a sua própria sala de aula em um laboratório de reflexão da EJA, de forma que eles pudessem refletir e sistematizar práticas para fazer novas intervenções nas suas realidades”, explica Marina. 

Com carga horária total de 40 horas, a formação aconteceu no segundo semestre de 2022 e teve a participação de 11 professores, que atuam em 3 escolas exclusivas de EJA no município: CEJA Maré, CEJA Acari e CREJA. Durante cinco encontros presenciais, que foram realizados na sede do Cedaps, na região central do Rio de Janeiro (RJ), os educadores foram apresentados aos seis eixos formativos que orientam práticas pedagógicas do Programa Jovens Construtores, concebido pela rede internacional YouthBuild: 

  • Aprendizado socioemocional: Suporte para assegurar o desenvolvimento integral dos jovens. 
  • Práticas Informadas sobre o Trauma: Reconhecimento da experiência de vida dos estudantes e mudanças no ambiente escolar. 
  • Design Universal para Aprendizagem: Planejamento de aula e desenvolvimento de material para garantir que cada aluno seja capaz de ser bem-sucedido. 
  • Metacognição: Estratégia para validar a habilidade de cada estudante de compreender o seu próprio processo de aprendizagem. 
  • Pedagogia sustentada pela cultura: Conexão do currículo com base nas histórias linguísticas, culturais e identidades de todos os estudantes. 
  • Resposta à intervenção: Suporte para estudantes resolver problemas específicos que estejam enfrentando. 

“Nós apresentamos os nossos conceitos, nossos eixos formativos e a nossa forma de trabalhar, e os professores trouxeram [para a formação] as suas experiências que foram desenvolvidas em sala de aula”, conta Juliano Pereira, assessor pedagógico do Programa Jovens Construtores e um dos organizadores do livro. 

A partir dos eixos formativos do programa e das práticas trazidas pelos educadores, a formação incentivou a troca de experiências para a construção de ativos pedagógicos. Em mais 20 horas de atividades a distância, os professores fizeram a sistematização e a escrita das suas práticas pedagógicas na EJA. 

“Nesse movimento freiriano, fizemos um constante exercício de reflexão sobre a prática docente”, destaca Marina. Na avaliação dela, esse processo era importante para que os professores pudessem sistematizar suas experiências e desenhar novas formas de intervir na EJA para aproximar a escola da realidade dos jovens. “Nós queremos valorizar as práticas pedagógicas dos professores. É nesse lugar que entramos com uma metodologia e uma experiência que funciona para reter o jovem na EJA”, complementa Melissa Abla, coordenadora da Frente de Juventude do Programa Jovens Construtores. 

Valorização de experiências e práticas pedagógicas dos professores

Diferente de outras experiências formativas, que costumavam impor conceitos e modos de fazer, o professor Roberto Eduardo Albino Brandão afirma ter se surpreendido com a possibilidade de participar de um processo de compartilhamento com outros colegas. “As trocas foram interessantes para pensar as diferentes formações, compartilhar dificuldades, saber que em determinadas escolas acontecem coisas semelhantes e pensar junto como podemos enfrentar desafios”, conta o educador, que desenvolveu um jornal estudantil no CEJA Maré com a proposta de fortalecer o protagonismo dos estudantes. 

Para o professor Coraci Freitas Ferreira, do CREJA, a formação também foi valiosa pelas trocas com outros educadores que trabalham na Educação de Jovens e Adultos. “Nós aprendemos muito junto com os colegas”, afirma. De acordo com ele, os momentos de compartilhamento e reflexão sobre a prática docente eram oportunidades para validar os trabalhos que estavam sendo criados e desenvolvidos em sala de aula. “Eu me tornei um professor que faz experiências, e aí [na troca com outros educadores] a gente percebe que as experiências que a gente faz têm validade. Não é só eu que penso desse jeito”, conta o educador, que no livro foi coautor da prática pedagógica “Educando para a cidadania e interculturalidade”, ao lado de Rodolfo Moreira Damasceno. Baseado no tripé cultura, trabalho e ambiente, eles incentivaram os estudantes a fazerem fotografias do seu momento de trabalho, no contexto formal ou no seus fazeres cotidianos, para expor e compartilhar conhecimentos com os pares. 

Sensibilidades e afetos da experiência docente

As práticas pedagógicas sistematizadas e desenvolvidas nas três escolas exclusivas de EJA no município do Rio de Janeiro, na avaliação de Marina, reforçam o papel e o protagonismo dos educadores no desenvolvimento de experiências significativas de aprendizagem. “Os professores não são reprodutores de metodologias, eles também são autores. Eles são intelectuais teóricos e práticos da educação”, conclui. 


O livro digital “Sensibilidades e afetos da experiência docente: ações pedagógicas transformadoras da educação de jovens e adultos” está disponível de forma gratuita e pode ser acessado neste link.

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Programa Jovens Construtores/CEDAPS

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eja, equidade, formação continuada, socioemocionais

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