Uma mente matemática para expandir a visão de mundo do estudante
Por muito tempo foi comum dizer que a matemática é só para aqueles muito inteligentes. Mas a resposta que a neurociência dá não é bem essa
por Ruam Oliveira 29 de novembro de 2021
O cérebro humano não é uma máquina como muitos tendem a dizer, mas é incrível mesmo assim. Ele possui a habilidade de criar inúmeras conexões, fazer diversas ligações e inclusive se expandir.
Sempre que aprende algo novo, ele faz isso: cresce. E o que isso tem a ver com matemática?
Por muito tempo foi comum dizer que a matemática é só para aqueles muito inteligentes. Quase como voltada unicamente para os que tem um “dom”. Mas a resposta que a neurociência dá não é bem essa. O cérebro humano é plástico, tem a capacidade de expansão, o que significa que também pode aprender sempre e cada vez mais. Qualquer coisa – incluindo matemática.
“Quando você aprende algo novo, seu cérebro cria novos caminhos ou fortalece caminhos que já existem. Ninguém nasce com esses caminhos, mas desenvolvemos ao longo do tempo. Os cientistas sabem que nosso cérebro é muito flexível. Sabemos que mesmo estudantes que nascem com algumas dificuldades de aprendizagem, com o ensino correto podem aprender”, pontua Jo Boaler, pesquisadora na Universidade de Stanford (Estados Unidos), phD em educação e cofundadora do Youcubed, plataforma com vídeos, artigos, atividades e jogos sobre a abordagem inovadora baseados em pesquisas de neurociência.
A neurociência estuda os mecanismos que são implícitos ao processo de aprendizagem. Existem aqueles conhecimentos que são concretos como, por exemplo, onde fica o Brasil, qual a fórmula de Bhaskara, quais são os rios afluentes do Amazonas. Mas quando se pensa nessa flexibilidade cognitiva, as possibilidades de aprendizagem se expandem.
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A matemática, por exemplo, é algo que está além do que é concreto. Ou seja, exige que as pessoas lidem um pouco mais com aquilo que é abstrato que, por sua vez, possibilita uma leitura mais ampla de mundo. Carla Tieppo, doutora em neurofarmacologia, destaca que desde seu surgimento, a matemática teve um papel muito importante de expandir a visão do ser humano a respeito do universo onde ele está inserido.
A partir das experiências dos indivíduos é que vão sendo construídos modelos de pensamento e isso contribui para o desenvolvimento cerebral. “À medida em que vamos estruturando o conhecimento sobre como se dá o desenvolvimento cerebral, isso permite ao educador trazer novos paradigmas, que precisamos entender o desenvolvimento do indivíduo não só através dos conhecimentos que o estudante vai adquirir para ele agir no mundo, mas uma visão mais ampliada”, comenta Carla.
Pessoas com modelos mentais mais amplos têm a possibilidade de perceber e se envolver de formas diferentes com o mundo. As funções cerebrais vão se ampliando devido a esse repertório adquirido e essa mentalidade, quando observada na matemática, facilita a relação das pessoas com essa área do conhecimento.
“Uma mentalidade de crescimento pode ser instalada nesse cérebro em desenvolvimento: se eu vejo o mundo de outras formas, isso traz novos recursos para a interação com o mundo”, diz a cientista.
Carla afirma que o papel da educação não é apenas ensinar a aprendizagem de alguns conteúdos, mas tem a ver com a perspectiva formativa e de desenvolvimento desse cérebro. Nesse sentido, a maneira como a matemática é apresentada tem um impacto diferente no cérebro de quem está aprendendo.
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A mensagem transmitida por educadores e educadoras também influencia na percepção sobre a área do conhecimento. Se professores e professoras reiteram que existem pessoas “matemáticas” e “não matemáticas”, por exemplo, isso reforça a ideia errada de que a matemática é para um público específico.
Jo Boaler, que concebeu a abordagem de mentalidades matemáticas, afirma que a forma como as pessoas acreditam em si mesmas também tem um efeito no crescimento cerebral. “Essa é uma das evidências mais fortes, de que como você se vê, de fato, modifica a forma como seu cérebro funciona”, explica. “Por isso é muito importante que estudantes desenvolvam uma mentalidade de crescimento”.
Nessa rota de crescimento, outro aspecto importante de ser visto é o erro. Muitas vezes pessoas se sentem inseguras para tentar se envolver com a matemática porque acreditam que, além de não ser “algo para elas”, vêem o erro como um elemento paralisante. E errar, na verdade, é uma parte substancial e significativa da aprendizagem. Errar é bom.
“Os melhores momentos para nosso cérebro são quando ele está se esforçando e cometendo erros. Nós sabemos que quando cometemos erros, sinapses estão a todo vapor em nosso cérebro e é exatamente isso que nós queremos que nossos alunos façam, nós queremos ver eles se esforçando”, pontua a pesquisadora de Stanford.
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Se o convívio e apresentação à matemática forem feitas de uma forma a construir o recurso, ao invés de fazer uma apresentação processual, que é o que acontece na maior parte das vezes, essa mudança na forma como o indivíduo se aproxima do conhecimento matemático pode ter um impacto dramático, pontua Carla. “A depender da forma como essa apresentação é feita, qualquer indivíduo é capaz de aprender matemática em todos os níveis, especialmente se ele se sentir confortável, emocionalmente pertencendo a esse universo, onde ele se sentir desafiado ao invés de ameaçado, especialmente em relação à cultura do erro”.
Sim, qualquer pessoa pode aprender matemática. Quem diz isso é a neurociência. Também olhando para as características menos concretas da matemática, o conhecimento matemático auxilia no entendimento de padrões e essa também é uma forma importante de aproximar as pessoas desse tema.
Charles Bezerra, cientista na área de inovação, destaca que um benefício sofisticado da matemática é auxiliar a entender esses padrões. “Vivemos num mundo em que sistemas complexos não tem problemas, eles têm padrões. Acho que dá pra inspirar muito. A gente tem sistemas complexos, problemas gigantes que precisamos entender que requer uma abordagem de lógica de padrões e não de soluções de problemas”, afirma.
Para Charles, cada aula precisa ser encarada como a possibilidade de fazer um novo convite para que os estudantes possam “curtir” esse conhecimento científico. Vivendo em um mundo complexo, com diversas hipóteses, há uma explosão do conhecimento que demanda um cérebro desenvolvido.
E a plasticidade cerebral, seja na área matemática ou em qualquer outra linguagem, possibilita justamente isso: uma relação mais ampla com o mundo. Em outras palavras, a compreensão de um cérebro que se expande, que é capaz de aprender matemática em altos níveis, por exemplo, traz consigo a chance de um desenvolvimento integral das pessoas.
“A educação infantil e a educação fundamental precisam ser inclusivas não porque reconhecem as características de cada indivíduo, mas porque dão os recursos possíveis para que qualquer indivíduo possa seguir suas paixões e interesses. Não é avaliar se o indivíduo pode, mas dar condições para que todos possam”, diz Carla.