Expansão de STEAM na rede pública depende de esforços para formação de professores
Apresentar novas abordagens nas escolas passa por fazer os docentes entenderem, de maneira teórica e prática, como elas funcionam
por Ruam Oliveira 16 de fevereiro de 2024
A abordagem STEAM (acrônimo para Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática, em inglês), pode ser uma maneira de incentivar os estudantes a pensar de maneira crítica, criativa e inovadora sobre os conteúdos que estão aprendendo. Em qualquer etapa de ensino, desenvolver um projeto nesse modelo depende também que o corpo docente tenha conhecimento sobre a prática.
📳 Inscreva-se no canal do Porvir no WhatsApp para receber nossas novidades
Incluir de maneira sistemática a abordagem STEAM nas redes de ensino é uma tarefa que exige bastante planejamento e formação. A professora Herika Machado, que atua como formadora na Secretaria Municipal de Educação de Piracicaba (SP), conta que há aproximadamente três anos a rede iniciou um processo de formação docente nessa área, apresentando à equipe conceitos teóricos, mas sobretudo investindo em uma proposta mais prática dessa abordagem em sala de aula.
“Além da formação presencial com os coordenadores, tivemos uma outra formação online de maneira síncrona e também oferecemos material para consumo assíncrono”, conta. À época, Hérika estava ainda atuando como coordenadora. A proposta foi que os coordenadores pudessem escolher como implementar em suas escolas o que haviam aprendido durante as formações. Ela optou por apresentar os conteúdos durante os períodos de reunião pedagógica, principalmente o material síncrono, desenvolvido pela ArcelorMittal em parceria com a Tríade Educacional. O curso foi ministrado pelos especialistas Lilian Bacich e Leandro Holanda, diretores da Tríade.
Leia também
Caminho para mais meninas em áreas STEAM é feito de representatividade, aulas práticas e motivação
Educação STEAM: como levar a abordagem para as turmas de infantil e fundamental?
STEAM e aprendizagem maker: quais as semelhanças e as diferenças?
“Nós fazíamos debates e íamos articulando com os projetos da escola, para entender o que fazia sentido ou não para nós”, conta Hérika.
A professora Izilda Gonçalves Ferreira dos Santos, coordenadora de inovação e formação continuada na Secretaria Municipal de Educação de Resende (RJ), viu no STEAM a chance de conectar os conteúdos passados em aula com as demandas do século 21. A rede onde atua também participou de formações voltadas para essa abordagem: “Isso fez com que a gente tivesse a nossa visão mais ampliada sobre o que poderíamos fazer com o STEAM dentro e fora da sala de aula”, diz..
Eles iniciaram pesquisas sobre STEAM ainda no período de pandemia de covid-19, e o que descobriram fez diferença, pontua Izilda. “Nós fizemos uma formação bem intensa, contamos com 1.500 professores envolvidos”, relembra.
Convite ao novo
Mas nem sempre tudo o que é novo chama a atenção imediatamente. Muitas vezes, há quem demonstre certa resistência a experimentar uma abordagem nova, diferente da que é conhecida e que já está implementada.
Em se tratando de uma rede de ensino, o desafio torna-se ainda maior. Izilda, por exemplo, relata que percebeu certa resistência de alguns educadores. “No início foi bem difícil. Precisei fazer um trabalho de formiguinha, conversando com professores e gestores, mostrando a importância e reforçando o quanto isso poderia impactar a comunidade”, explica.
Entre os principais argumentos para convencer os mais resistentes, a docente destaca que explicar que o estudante vai colocar a mão na massa e que é possível também envolver toda a comunidade escolar nos projetos são excelentes exemplos.
No caso de Piracicaba, uma outra forma de chamar a atenção dos docentes foi trazer formadores para oficinas presenciais com os professores. Por lá, eles contaram com as orientações ao vivo de Lilian e Leandro, da Tríade Educacional. “Nós trouxemos atividades bem mão na massa. Apresentamos as possibilidades do STEAM em sala de aula, trazendo um pouco para a realidade do professor e mostrando que não era preciso algo além do que já estava proposto para o ano”, comenta Hérika.
Isso se deve também pelo fato de que muitos docentes podem entender uma nova abordagem como adição de mais trabalho em uma rotina já bastante cheia. “A carga horária de trabalho dos professores é bastante extensa e para muitos é necessário atuar em mais de uma escola. A falta de tempo para que o educador possa se dedicar ao estudo é hoje o maior gargalo na implementação da abordagem”, reflete Tatiana Nolasco, presidente da Fundação ArcelorMittal.
Para uma boa implementação de STEAM, a formação é fundamental. Gestores responsáveis por essa inclusão devem também compreender de que maneira, dentro da rotina dos docentes, é possível apresentar os momentos formativos.
“Nas redes onde há uma cultura de estudo já consolidada entre os educadores, a adesão e permanência na formação é bem sucedida. Para além disso, estamos muito surpresos positivamente com a adesão voluntária dos educadores no projeto e em muitas redes temos mais de 50% de toda a população de professores inscrita como cursistas na Liga STEAM”, destaca Tatiana.
A Liga STEAM é uma estratégia realizada em âmbito nacional para a promoção e desenvolvimento do STEAM nas escolas públicas brasileiras. Uma de suas vertentes é o Prêmio Liga STEAM, do qual tanto a rede de Piracicaba quanto a de Resende já saíram premiadas.
Reconhecimento e adesão
Passado o período de convencimento entre os professores para a implementação do STEAM, muitos educadores reconhecem que alguns dos projetos que realizavam antes já poderiam se encaixar dentro da abordagem.
A surpresa em relação à participação dos educadores lembrada por Tatiana se dá porque as redes fazem convites para que professores iniciem as formações e comecem projetos de STEAM em suas escolas. “Quem quisesse [implementar] a gente apoiava, ia na escola. Recebíamos professores na secretaria para ajudar no desenvolvimento dos projetos, envolvendo profissionais de diferentes áreas”, diz Hérika.
No ano passado, por exemplo, Piracicaba teve 19 projetos classificados entre os cem melhores do ano na Liga STEAM e foi campeã na categoria educação infantil. “Falar de STEAM na nossa rede já é algo familiar entre os professores”, comenta.
Para uma boa implementação da abordagem em nível de rede, Tatiana comenta que o apoio das secretarias é fundamental, assim como o comprometimento das lideranças escolares.
“Os educadores estão ávidos por inovar, testar e experimentar novas abordagens com seus estudantes, porém essa ‘licença’ e entusiasmo dos gestores é fundamental para que a transformação aconteça. Nas secretarias onde há engajamento e abertura para o novo, a abordagem se mostra transformadora, com relatos entusiasmados de educadores que voltaram a se apaixonar pelo processo de ensino ao verem os olhinhos das crianças e jovens brilhando nos projetos práticos da Liga STEAM”, diz.
Desafios encontrados
Trazer uma abordagem que é relativamente nova no Brasil para toda uma rede de ensino é algo desafiador. Izilda, da secretaria de Resende, comenta que é complexo fazer esse movimento, e que é necessário que as secretarias estejam sempre muito próximas dos educadores para que os projetos fluam da melhor forma possível.
“Ainda não conseguimos atingir 100% da nossa rede, algumas escolas ainda precisam entender como trabalhar por projetos e como isso tem significado para as crianças”, comenta.
A docente argumenta também que quando os professores entendem que nem sempre é preciso um grande laboratório com muita tecnologia para desenvolver projetos, muitos embarcam na proposta mais facilmente. “Nós mostramos que com sucata ou coisas simples que temos em casa ou na escola, conseguimos desenvolver projetos muito bacanas”, reforça Izilda
Uma outra solução usada pela rede de Piracicaba é entender o currículo e a partir do que está proposto lá pensar em projetos de STEAM. “É olhar para o que temos que trabalhar dentro daquele componente específico e não fazer o projeto como algo a mais”, aponta. A orientação é sempre integrar os projetos com os campos que estão previstos no currículo, mesmo que sejam necessárias algumas adaptações.
A participação nas formações é sempre voluntária. Hérika explica que a demanda das escolas pode ser um complicador nesse sentido. Para contornar a situação, a rede faz as formações com coordenadores, que repassam os aprendizados à equipe durante as reuniões de HTPC (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo). Para ela, chegar diretamente aos docentes e fazê-los relacionar os projetos com o currículo é um desafio, justamente porque nem sempre as secretarias podem trabalhar com esse acesso direto aos professores.