Sem esquecer do vestibular, colégio une disciplinas e aposta na prática - PORVIR
Crédito: Divulgação

Inovações em Educação

Sem esquecer do vestibular, colégio une disciplinas e aposta na prática

Após passar por reforma e revisão de currículo, o tradicional Bandeirantes, em São Paulo, transforma o núcleo de ciências em uma jornada de educação mão na massa

por Marina Lopes ilustração relógio 4 de maio de 2017

Pedaços de barbante, madeira, cola, rodinhas e uma orientação inusitada: “Façam esse cubo se mexer!” Com essa lembrança, a adolescente Eleonora Migliori, 16, descreve a sua primeira aula de STEAM – acrônimo, em inglês, usado para designar a integração entre as áreas de ciências, tecnologia, engenharia, artes e matemática. No tradicional Colégio Bandeirantes, em São Paulo (SP), onde ela estuda, desde o ano passado as atividades mão na massa começaram a fazer parte do currículo do ensino médio.

Em um espaço com divisórias móveis, mobiliários flexíveis e uma série de maquinários, Eleonora está construindo um projeto de ciências para colonizar Marte. Longe de ser mais uma história de ficção, a atividade faz parte de uma jornada pelo método científico para explorar o espaço e também estudar maneiras de prevenir problemas atuais do planeta. “Meu projeto é fazer uma rede de residências para as pessoas sobreviverem à pressão atmosférica de Marte e também conseguirem se alimentar. Depois a gente tem que escrever um artigo científico e buscar fontes até no fim do mundo”, brinca a adolescente, que está no segundo ano do ensino médio.

Como parte do roteiro proposto pelo currículo de STEAM, duas vezes por semana, por cerca de 100 minutos, os alunos trocam as salas de aula tradicionais pelo recém-inaugurado Studio 268, onde se reúnem em grupos para aprender na prática os conceitos de física, química e biologia. Tudo isso com um olhar de design, trazido pela chegada da disciplina de artes no ensino médio. “Eu gostei muito dessa ideia de mudar o destaque das aulas para o que o aluno errou e como o professor pode ajudar ele a passar por esse desafio”, avaliou Eleonora.

internaCrédito: Divulgação

A proposta de integração das disciplinas teve início há cerca de cinco anos, quando um grupo de professores recebeu da direção o desafio de repensar o currículo do ensino médio. “As aulas já não estavam mais atendendo à melhor forma de aprendizagem para o aluno”, conta Cristiana Mattos Assumpção, coordenadora de STEAM do colégio. Conhecido por ter o foco na preparação dos adolescentes para os vestibulares, o Bandeirantes percebeu que seria necessário mudar a forma de ensinar para atingir melhores resultados.

Em sintonia com tendências educacionais, que destacavam a interdisciplinaridade, o protagonismo dos alunos e a aprendizagem mão na massa, a equipe começou a pensar em como poderia fazer um curso de ciências integrado. “Nós mapeamos todas as habilidades e conteúdos que achávamos imprescindíveis em um curso de ciências. A partir daí surgiu uma experiência muito interessante de integrar quatro equipes”, explica a coordenadora de coordenadora de STEAM, fazendo referência ao trabalho conjunto dos professores de física, química, biologia e artes.

Maker é um bom começo pra motivar [os alunos], mas você precisa ir além e perceber como transformar isso em uma aprendizagem

Em um processo de design thinking, os professores da escola se envolveram na construção do currículo interdisciplinar. “Maker é um bom começo pra motivar [os alunos], mas você precisa ir além e perceber como transformar isso em uma aprendizagem”, pondera Cristiana.

Para transformar as atividades mão na massa em aprendizagem, a equipe construiu um roteiro de STEAM que foi implementado com as turmas do primeiro ano do ensino médio, logo no início de 2016. “Começamos a ver um ganho muito grande. No laboratório, o aluno vê ciência. Aqui eles estão fazendo ciência, e isso é bem diferente”, diz a coordenadora.

interna02Crédito: Divulgação

A professora do laboratório de física Marly Machado Campos, foi uma das educadoras que participou dessa mudança e lembra que a integração das disciplinas foi um grande desafio. “É muito mais fácil você preparar uma aula a apresentar um conceito na lousa. Agora é uma arquitetura você achar uma estratégia para o aluno, através de uma atividade, adquirir o conhecimento de conceitos. O professor passa a ser muito mais um estrategista do que alguém que transmite conhecimento”, reflete a professora do time de STEAM.

O desafio também chega na hora de avaliar os alunos. Para se adequar ao novo currículo, o modelo de avaliação precisou ser revisto. Como os alunos desenvolvem projetos e trabalham em grupos, além de avaliar o lado conceitual, os professores também levam em conta itens como colaboração e respeito. Uma autoavaliação preenchida pelos alunos também é considerada na nota final.

É muito mais fácil você preparar uma aula a apresentar um conceito na lousa. Agora é uma arquitetura você achar uma estratégia para o aluno, através de uma atividade, adquirir o conhecimento de conceitos

Os itens a serem avaliados são combinados previamente com os alunos, que no início da atividade já sabem exatamente o que professor espera de cada um. “Acho que foi tudo bem explicado”, garante a aluna Carolina Martins, 15, do primeiro ano. De acordo com ela, durante as aulas também é possível notar que a construção de projetos ajuda a aprender uma série de conceitos teóricos. “Quando fizemos a construção de um carrinho, vimos muito sobre física, variação de velocidade e peso”, conta. No final de cada atividade, os alunos também recebem um roteiro com questões de vestibulares para entenderem como esses conhecimentos aprendidos se aplicam em uma prova teórica.

“O aluno vai transitando entre as diversas áreas. Ele começa entender que não é o conhecimento disso ou daquilo”, reflete a professora de artes Paula Ariane. Ela também destaca que a entrada de artes no ensino médio trouxe um novo olhar para as ciências. “Quando o teu olhar artístico fica mais aguçado, você também começa a perceber nuances em aspectos científicos. É possível transferir essa habilidade para sua área de interesse”, completa.

No primeiro ano do ensino médio, por exemplo, o segundo bimestre de STEAM trabalha cor e imagem. “Dentro de cor, o que vamos explorar? Enquanto física fala da cor, artes podem mostrar como ela aparece em imagens”, cita a professora. Nessa etapa, após trabalhar em uma série de atividades, os alunos são incentivados a construir um brinquedo ou instrumento para diagnóstico precoce de daltonismo em crianças.

Todas as mudanças realizadas na área de ciências refletem um movimento que o colégio começou há alguns anos, conforme explica o diretor Mauro Aguiar. “Percebemos que existiam algumas contradições em uma educação tradicional como era a nossa. Eficiente e vitoriosa, mas que estava muito adequada a essa regra do vestibular”, aponta ele, ao mencionar que também é necessário desenvolver habilidades para que os alunos se tornem pessoas autônomas no século 21.

Sem deixar de lado a importância do conteúdo, ele diz que o colégio também passou a se preocupar com o desenvolvimento de habilidade de diálogo, colaboração e relacionamento. Entre outras mudanças, a escola deixou de rankear turmas por notas, passou a investir em rodas de conversa com os alunos e começou a fazer a integração de disciplinas em núcleos.


TAGS

aprendizagem baseada em projetos, ciências, educação mão na massa, ensino médio, interdisciplinaridade, tecnologia

Cadastre-se para receber notificações
Tipo de notificação
guest

0 Comentários
Comentários dentro do conteúdo
Ver todos comentários
0
É a sua vez de comentar!x