Espaço maker e o fim da era do laboratório de informática
Modelo de laboratório de informática usado nas escolas brasileiras está ultrapassado; veja por que adotar um espaço maker faz sentido tanto pedagógica quanto financeiramente
por André Raabe 28 de janeiro de 2019
O modelo de laboratório de informática, que vem sendo praticado nas escolas brasileiras há muitos tempo, está ultrapassado. Ele foi importante para trazer a informática para o contexto das escolas, mas hoje não atende mais os anseios de uma educação que busca não apenas transmitir informações, mas também resgatar a vontade dos estudantes de ir à escola e aprender. Urge a necessidade de novas abordagens para trabalhar a tecnologia na escola.
Neste sentido, a abordagem maker possui grande potencial para enriquecer a formação dos jovens na direção de torná-los produtores de tecnologia e não apenas consumidores. Possibilita impulsionar a aprendizagem interdisciplinar, o protagonismo do estudante e trazer mais frequentemente temas relacionados a disciplinas STEM (sigla em inglês para ciências, tecnologia, engenharia e matemática). Com a redução do custo dos equipamentos de fabricação digital, o investimento para montagem de um laboratório maker já se equipara ao investimento para montagem do laboratório de informática.
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O maker é uma nova abordagem para a tecnologia na escola e os espaços maker deverão substituir gradativamente o laboratório de informática, com muitas vantagens.
A Cultura do Laboratório
Por muitos anos a preocupação em atender os anseios de introduzir tecnologia nos processos de ensino aprendizagem nas escolas brasileiras vem se pautando no modelo do laboratório de informática. As redes de ensino receberam apoio para a aquisição de equipamentos e investimento na montagem destes laboratórios. Como decorrência desta política, foram criados diversos programas de apoio à formação docente para uso pedagógico dos recursos. Cada escola ou rede definiu suas regras para uso destes espaços, que acabaram por criar o que passaremos a denominar como a “Cultura do Laboratório”.
Esta cultura acabou consolidando uma forma de uso pedagógico da tecnologia em detrimento de outras. O laboratório favorece e realização de atividades em que os estudantes se engajam em aprender conceitos ligados aos temas escolares usando jogos, tutoriais, exercício e prática e outras modalidades de software educacional e/ou objeto de aprendizagem que tem como principal objetivo transmitir informações.
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Os estudantes em nossos dias já têm um contato com a tecnologia desde a primeira infância. Nos anos finais do ensino fundamental, a maioria dos estudantes possui smartphones e os utilizam principalmente para acesso à internet, comunicação e lazer. Neste cenário, o encantamento com os computadores e com os recursos disponíveis nos laboratórios de informática que existia no passado já se perdeu. Os estudantes não dependem mais do laboratório para poderem acessar a internet, fazer pesquisa, jogar jogos, produzir filmes e etc.
Educação maker
Nos últimos anos, uma nova forma de utilização da tecnologia em processos educativos emergiu a partir da popularização da cultura maker. Maker é um termo que remete geralmente a pessoas que costumam construir coisas (faça você mesmo), consertar objetos, compreender como estes funcionam, em especial os produtos industrializados. A reunião destas pessoas em comunidades passou a criar bases para o que veio a se chamar de Movimento Maker, que desenvolveu um conjunto de valores próprios e que tem chamado a atenção de educadores pelo potencial de engajar os estudantes em atividades de aprendizagem muito diferentes da educação tradicional.
Iniciativas que buscam levar a cultura maker para escola tem-se multiplicado, inicialmente nos países de primeiro mundo (Blikstein, 2017), e mais notoriamente partir de 2015 no Brasil. As atividades maker geralmente estão associadas a construção objetos com uso de tecnologia. As atividades possuem propósitos diversos que incluem o uso de equipamentos de fabricação digital como Impressoras 3D, cortadoras laser e kits de robótica, programação, costura, marcenaria e outras técnicas. O Maker aborda a tecnologia de a possibilitar que os estudantes se apropriem das técnicas que o permitam se tornar produtor de tecnologia e não apenas consumidor. Para isso, é fundamental uma abordagem interdisciplinar integrando conhecimentos e práticas de diferentes áreas do conhecimento.
Seymour Papert é considerado por Martinez e Stager (2016) como o “pai do movimento maker”. Sua obra fundamentou o construcionismo, que se apoia no construtivismo de Piaget (1974), mas avança ao enfatizar que a construção do conhecimento ocorre mais efetivamente quando o aprendiz está engajado conscientemente na construção de um objeto público e compartilhável. Papert (2006) materializou suas ideias no com uso da linguagem LOGO e suas “tartarugas robóticas”, permitindo que as crianças construíssem conhecimentos matemáticos, “pensando como matemáticos”, ao invés de “aprender sobre matemática”. De maneira similar, o movimento maker na educação possibilita que os estudantes pensem como inventores ao invés de serem ensinados sobre as invenções.
Apresenta-se a seguir um comparativo entre e cultura do laboratório e a cultura maker explicitando o quanto diferem enquanto proposta pedagógica. Também são apresentados estudos sobre os custos de implantação de ambos os modelos de uso de tecnologia. Para um melhor detalhamento sobre educação maker acesse a versão completa do artigo.
Espaço maker x Laboratório de informática
Os espaços Maker proporcionam uma nova forma de trazer a tecnologia (não somente a informática) para a Educação. Neste sentido, cabe uma comparação com o modelo atual de laboratórios de informática a fim de avaliar pontos fortes de fracos da nova proposta frente a política de tecnologia educacional estabelecida no Brasil. A comparação está pautada em uma premissa de que as atividades em laboratório de informática assumem um caráter mais instrucionista(1). Sabe-se que professores podem adotar muitas estratégias e abordagens em um laboratório, mas o que a pesquisa em informática na educação tem mostrado ao longo dos anos é que estes professores são exceções.
Como decorrência de uma abordagem construcionista, o espaço maker proporciona o desenvolvimento dos estudantes em habilidades que são mais alinhadas às competências do século 21.
O espaço maker necessita de um profissional (ou equipe) responsável por manter os equipamentos funcionando, repor suprimentos e fazer instalações de software e conectar-se com os professores para o planejamento pedagógico, exatamente da mesma forma que os instrutores dos laboratórios de informática. No entanto, atualmente é muito mais fácil encontrar profissionais para atender a um laboratório de informática do que um espaço maker. Mas isso deve mudar nos anos vindouros.
Quanto aos investimentos necessários para montagem de um espaço maker e de um laboratório de informática será proposto um comparativo assumindo as seguintes premissas:
– O espaço deve atender 20 alunos
– Não foram considerados investimentos em mobiliário
– Não foram considerados investimentos em infraestrutura de rede (cabeada ou Wi-Fi)
– Não foram considerados investimentos em aquisição de software
– Buscou-se configurações similares entre notebooks do espaço maker e computadores desktop do laboratório de informática.
– Nas ferramentas elétricas estão incluídas uma furadeira/parafusadeira e dois e ferros de solda
– As ferramentas manuais são ferramentas tradicionais de oficina como jogos de chaves, serrotes, limas, etc.
Não foi incluída a cortadora laser no espaço maker pois entende-se que este equipamento, apesar de ter um potencial excelente, não é fundamental. Além disso ele exige a instalação de tubulação de exaustão e equipamento de refrigeração que geram custos extras. Outro aspecto a ser considerado é que no caso de investimentos em software, o laboratório maker teria seis notebooks contra 20 computadores do laboratório de informática.
Laboratórios com 20 computadores comportam 40 alunos em muitas escolas onde o computador é usado em dupla. O espaço maker não possibilita atender com qualidade 40 alunos. Turmas maiores que 20 alunos terão que ser divididas. Algumas escolhas do orçamento do espaço maker são flexíveis. Por exemplo, é possível retirar a televisão, ou a máquina de costura. É possível incluir outros equipamentos conforme o interesse e os aspectos e culturas regionais e locais.
Conclusão
Espaços maker proporcionam uma diversidade de possibilidades de aprendizagem, proporcionam a criação de objetos enriquecidos por tecnologia. Possibilitam tornar o aluno fluente em diferentes técnicas construtivas. Facilitam o trabalho colaborativo. Dificultam a realização de aulas expositivas. Expõem o aluno a tomar decisões e a escolher (o que vou criar hoje?). Mas em especial, o que tem sido relatado em 100% das iniciativas já realizadas é que há um aumento no engajamento dos estudantes. O resgate pelo gosto em aprender e estar na escola é talvez o maior ganho não mensurável que o maker tem proporcionado à educação.
Muitas das mudanças trazidas pela abordagem maker são metodológicas e não tecnológicas. É o construcionismo sendo posto em ação. É possível ser construcionista em laboratórios de informática também, mas como geralmente o ambiente destes laboratórios é desenhado para ter os estudantes focados nas máquinas, muito do potencial da interação com colegas e professores se perde, e o potencial de criar fica limitado ao software oferecido.
O maker tira o foco do computador. Ele permanece importante como ferramenta de projeto, registro e de busca de referências, mas ele é mais um equipamento entre tantos. Num cenário onde os smartphones estão cada vez mais acessíveis e com recursos cada vez melhores, os laboratórios de informática terão sua utilidade sendo reduzida gradativamente. E levando em consideração as potencialidades dos espaços maker e o custo atual para montagem destes ambientes os entraves são a atual pouca oferta de pessoal qualificado para manter um espaço maker e a ausência de uma política pública que possibilite investir na implantação destes espaços.
(1) para uma discussão mais ampla, leia Constructionism vs. Instructionism
(2) Portal de Publicações da CEIE
Referências
Blikstein, P. (2017). Maker Movement in Education: History and Prospects. In: M.J. de Vries (ed) Handbook of Education. Springer International Publishing. DOI 10.1007/978-3-319-44687-5_33
Martinez, S. L.; Stager, G. (2013) Invent to Learn: Making, Thinkering and Engineering in the Classroom. Constructing Modern Knowledge Press. Torrance, CA.
Papert, Seymour (2006) Teaching Children to be Mathematicians Versus Teaching About Mathematics, International Journal of Mathematical Education in Science and Technology.
Piaget, J. (1973). A Epistemologia Genética (2a Edição). Petrópolis: Rio de Janeiro. Editora Vozes.

André Raabe
É bolsista de produtividade em desenvolvimento tecnológico e extensão inovadora- CNPq. É doutor em informática na educação pela UFRGS (2005) tendo realizado pós-doutorado na Universidade de Stanford (2016). É mestre em ciência da computação pela PUCRS (2000) e graduado em informática pela PUCRS (1996). É professor e pesquisador da UNIVALI (Universidade do Vale do Itajaí) onde coordena o Programa de Pós Graduação em Computação e atua no Mestrado e Doutorado em Educação. Coordena o Laboratório de Inovação Tecnológica na Educação (LITE). É membro da Comissão de Educação da Sociedade Brasileira de Computação (SBC). Cooperou na construção de currículo de Tecnologia e Computação para BNCC. É editor da revista International Journal on Computational Thinking. É membro do Comitê Gestor da Rede de Inovação na Educação Brasileira. Desenvolve pesquisas sobre educação em computação, pensamento computacional, movimento maker, software educacional e ambientes de aprendizagem inteligentes.
Olá. Você teria alguma empresa parceira com a qual eu poderia conversar sobre a substituição de laboratórios de informática por espaços makers?
Olá. Posso ajudar. Me escreva em raabe@univali.br
Estudo o tema há anos, e os dois ambientes devem coexistir. A geração. Alfa apenas domina smartphones, mas não sabe usar um mouse ou abrir uma pasta de Arquivos. O modelo de laboratórios de informática proposto neste texto é praticado por muitas escolas é equivocado. Além de rodar softwares E aplicativos determinados pelos professores, o aluno pode ser protagonista pois pode aprender a programar, a desenvolver esquemas e a lidar com planilhas, textos, produção, e utilização do computador.
Olá Suzana. Concordo contigo. Não estou depreciando o potencial de usarmos computadores na Educação. Minha crítica é ao modelo do Lab de informática. O computador deve estar na sala de aula ajudando alunos e professores a enriquecerem e diversificarem as estratégias e os papeis e trazendo temas mais potentes como o pensamento computacional a Inteligencia artificial e outros.
Olá Suzana e André! Acredito que o diferencial do uso das modernas tecnologias digitais na Educação está na intencionalidade pedagógica docente. Trabalho como professora de Matemática e Informática em escolas públicas e particulares há mais de 32 anos. Escutem o depoimento de uma aluna do 6 ano no final do vídeo que gravei na aula do Projeto Empreendedorismo com Responsabilidade Socioambiental e Fiscal na Escola Municipal Heitor Villa Lobos – Contagem MG, disponível no link a seguir
https://padlet.com/eadpeb/projeto-empreendedorismo-com-responsabilidade-socioambiental-ardp5rqoqwaj776p/wish/2721155631
Este é o melhor retorno do trabalho do educador quando atuamos no ODS 4 nas perspectivas de uma Educação mais inclusiva e empreendedora.
André, sua provocação é válida e necessária. Sou desenvolvedor de jogos de tabuleiro e gamificação para educação e totalmente a favor de estimularmos essa cultura “mão na massa”, que tem tudo a ver com metodologias ativas e aprendizagem baseada em projeto. Porém tenho ouvido de mais de um professor com quem convivo que os laboratórios maker correm o risco de, num futuro muito próximo, ficarem abandonados como os laboratórios de informática de hoje. A crítica que eles fazem – e que vejo sentido – é que a decisão das escolas em investir nesses espaços vem de cima para baixo e deixa mais uma tarefa nas mãos dos professores: a de repensar seus planos de aula a partir dessa perspectiva “mão na massa”. Além disso, como os métodos de avaliação da aprendizagem continuam sendo os tradicionais, o professor, na prática, continua sendo cobrado (pela escola e pelos pais) a ser um entregador de conteúdo. A conclusão a que chegam é que usar o espaço maker é mais uma responsabilidade que se acumula e não vem acompanhada de suporte, capacitação e incentivo (inclusive financeiro). Gostaria de ouvir sua opinião sobre isso e parabéns pelo artigo.
Olá Gabriel! Sim o risco existe se o Maker for escolarizado e formatado para funcionar como a velha escola. O Maker pode ser em qualquer espaço. Pode ser no pátio, na biblioteca, na sala de aula e inclusive adaptado em um laboratório de informática. Mas como qualquer inovação, para funcionar, deve-se invertir 10% em infra-estrutura e 90% na formação dos professores. Só assim a mudança se faz efetiva. O Maker vem para promover mudança na escola e não para se adequar a ela.
Material excelente! Sou professor de Matemática em Bal. Camboriú e busco diversificar minhas aulas promovendo aos alunos ao menos uma vez na semana. Creio que o movimento Maker deverá se tronar um hábito docente, de modo a estimular os estudantes a desenvolver competências. A principal mudança está no professor!
Contudo, ter um ambiente que propicia este modelo de ensino é fundamental para que a metodologia e objetivos de aprendizagem se complementem. Penso que trabalhamos com fase de implementação, hoje, estou na fase 1, mostrando ambientes virtuais, programação, ferramentas que auxiliam no desenvolvimento lógico, conectividade (que eles tanto amam) com a criação de apps para celular associados com que aprendemos em sala. A fase 2, Maker, é a cereja do bolo… e estou ansioso por ela também!
Um abraço
Muito bom !!! Para encantar os alunos acho que a fabricação digital é fundamental. E a Maquina Laser é a que mais tem sucesso e utilidade em um espaço maker.
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Os laboratórios tradicionais de informática, assim como a sala de aula tradicional, retrata as mesma metodologias utilizadas naquele espaço educacional, a empolgação dos alunos é apenas no uso de ferramentas diferentes ao utilizado na sala de aula com as disciplinas tradiciobais.
Prezado André, qual a faixa etária que vc recomenda ser possível trabalhar com a Oficina Maker para uso de ferramentas de construção civis, furadeira e parafusadeira, chaves, serra, serrote????
Olá Vanessa. O uso destes equipamentos e ferramentas deve ser realizado sempre de forma assistida por um adulto. E desta forma jovens a partir do sexto ano podem trabalhar com eles.
Bom dia.
Discordo da comparação de uma sala de informática e de uma sala maker.
Em ambas, por mais simples que os equipamentos sejam, são bem caras.
Em ambas, os momentos para discussões ocorrem. Assim como o planejamento das atividades.
Em ambas a criatividade não sofrerá restrições. Basta ter docentes empenhados na prática criativa em ambientes que se “conversem”.
Obrigado pelo comentário Adriana. Sempre é complicado comparar ambientes, pois quem faz os ambientes funcionarem são as pessoas. E as pessoas que fazem bem seu trabalho vão fazê-lo independente de equipamentos.
Mas o ambiente pode favorecer ou dificultar. Raramente vejo um protótipo ou uma maquete com palitos de sorvete ser construída no lab de Informática. E como defenderam Seymour Papert e Lea Fagundes o computador deve estar na sala de aula e não em um laboratório.