“Sala de aula invertida faz alunos aprenderem de forma livre”
Livro sobre a didática proposta por professores norte-americanos (Flipped Classroom) acaba de ser lançado em português. Um dos autores, Jonathan Bergmann, conversou com o Porvir - ele dará um curso online para brasileiros este mês
por Marina Morena Costa 3 de maio de 2016
E se os alunos assistissem às aulas expositivas em casa e fizessem os deveres em sala de aula? A ideia de inverter a ordem da aprendizagem tradicional foi colocada em prática por dois professores de Química, Jonathan Bergmann e Aron Sams, em 2007, em uma escola de uma cidade pequena e predominantemente rural do Colorado, nos Estados Unidos. Os dois perceberam que muitos alunos faltavam às aulas por conta de competições esportivas ou outras dificuldades, e ficavam atrasados em relação ao resto da turma. Por isso, decidiram gravar a parte expositiva de suas aulas, o que ajudaria esses alunos e de quebra facilitaria a vida dos próprios professores, que não precisariam repetir várias vezes a mesma explicação.
Com a ajuda de um software que gravava apresentações Power Point em formato de vídeo, incluindo voz e anotações, eles começaram a gravar as aulas e publicar o conteúdo em um site. Os vídeos permitiam ao estudante pausar o conteúdo para fazer anotações, voltar e assistir novamente se não compreendessem – o que nem sempre conseguem fazer com o professor em sala de aula.
Os professores se deram conta de que o momento em que os alunos mais precisavam deles era quando a dificuldade surgia ao fazer as tarefas e desafios, e não na aula expositiva. “A mágica realmente acontece na aula. Como a parte expositiva ficou fora da sala, em classe você pode ajudar mais como um tutor do aluno, acompanhá-lo de perto. O professor pode desenhar atividades mais intrigantes, projetos de aprendizagem, experimentos, debates”, enumera Bergmann, em entrevista ao Porvir.
Leia mais sobre sala de aula invertida:
– ‘Sala de aula invertida faz alunos virarem autores’
– Sala de aula invertida poupa tempo para o que interessa
– Universidade abole disciplinas em prol de projetos
Esse método ficou conhecido como sala de aula invertida (flipped classroom, em inglês) e, com a popularização do uso de tecnologia na educação, ganha adeptos pelo mundo. Primeiro, foram os vídeos de Bergmann e Sams que chamaram a atenção de educadores e de estudantes em diversas partes dos Estados Unidos. Em 2012, eles lançaram um livro, que já foi traduzido em mais de nove países e virou um best seller mundial. A versão em português foi lançada esse ano, “Sala de Aula Invertida – Uma metodologia ativa de aprendizagem”, pela Editora LTC. Atualmente, diversas plataformas facilitam a prática, que permite aos professores aproveitar com mais qualidade o tempo em sala de aula, dar mais atenção a quem realmente precisa (os alunos com dificuldade), oferecendo uma educação personalizada. Neste modelo, é possível que os alunos avancem na aprendizagem em ritmos diferentes.
Como e por que inverter?
Os autores defendem que a sala de aula invertida muda completamente o papel do professor, que deixa de ter como função principal transmitir o conhecimento e atua mais como orientador dos alunos. No livro, eles enumeram diversos motivos para adotar o método, entre eles estão: a inversão fala a linguagem dos estudantes de hoje (conectados, usuários de diversos recursos digitais); ajuda os alunos ocupados (aqueles que faltam às aulas, que moram longe, que estão sobrecarregados); ajuda os que têm dificuldade de aprendizado (eles podem pausar e voltar o vídeo com a explicação, o que não é possível em uma aula tradicional, e ganham mais atenção do professor durante as tarefas em sala); aumenta a interação do professor com os alunos, que passa a circular na sala interagindo com eles durante as atividades; muda o gerenciamento da sala de aula, acabando com problemas com alunos que atrapalham os colegas; permite que os pais participem mais e aprendam junto com seus filhos em casa; e induz ao que os autores chamam de “programa reverso de aprendizagem para o domínio”, no qual os alunos progridem dentro do seu próprio ritmo, caminho que os autores optaram por seguir e desenvolveram ao longo de anos.
“É muito importante que você tenha os principais públicos envolvidos (alunos, pais de alunos, escola). Explique o que está fazendo e o porquê disso”, pondera Bergmann. O professor acredita que há quatro dificuldades principais para quem quer começar a trabalhar com esse sistema: inverter a própria mente e entender o tempo em sala de aula, estar treinado apropriadamente para fazer a inversão de maneira bem feita (ter bons vídeos, ensinar os alunos como assistir aos vídeos de forma que extraiam as informações ao máximo), achar tempo para elaborar a aula invertida (ou encontrar conteúdos que o ajudem, como vídeos de outros professores ou outros materiais, como games) e dominar a tecnologia.
Uma das grandes questões que aparece para os professores é o que fazer se os alunos não assistirem aos vídeos? E se eles são tiverem acesso à internet em casa? Bergmann lembra que essa barreira foi resolvida por ele e seu colega com DVDs, quando começaram com o método, há quase 10 anos. Há escolas que fornecem espaços para os alunos assistirem aos vídeos ou ainda outros materiais que o professor pode usar.
“Isso se torna um problema menor quando a coisa é feita do jeito certo, menor do que você espera. Há softwares que podem rastrear quem está assistindo aos vídeos, e você saberá se eles estão vendo. Você pode inserir questões no meio do vídeo, então após dois minutos o vídeo pausa e o aluno responde uma pergunta”, exemplifica o professor.
No livro, os autores indicam passo a passo como gravar vídeos interessantes para os alunos. Sugerem um treinamento para que os estudantes aprenderem a assistir aos vídeos da melhor forma, e o que fazer com o tempo em sala de aula (uma sugestão é começar com uma discussão sobre o vídeo visto em casa, responder as dúvidas e iniciar tarefas/experimentos).
Para Bergmann, não existe um número ideal de alunos para aplicar a sala de aula invertida. “Obviamente é sempre melhor ter turmas menores, mas a sala invertida funciona em grandes classes. Eu acabei de voltar da Ásia, onde eles têm turmas com 50 alunos, e eles estão invertendo. A beleza disso é que antes de inverter a aula, em uma sala com muitos alunos, o professor não tinha interação alguma com eles, e agora terá muito mais”, relata.
Sala de aula invertidas na Ásia (em inglês)
Um modelo para o estudante de hoje
Os autores enfatizam que não foram os criadores do método, há muito tempo professores invertem a sala de aula de diversas maneiras. E também não existe “a” sala de aula invertida, uma maneira certa ou única de se inverter o ensino.
“Não é um novo modelo de certa forma, mas de alguma maneira é. É um jeito melhor para os estudantes aprenderem de forma livre. Com o advento da internet e a facilidade de criação de vídeos (Youtube e tal), eu acho que a época é propícia para esse modelo. Acho que tivemos o ‘timing’ certo”, afirma Bergmann.
Jonathan Bergmann participará de um curso online para professores brasileiros que começará em 9 de maio. Organizado pelo professor Wilson Azevedo, diretor da Aquifolium Educacional, o curso é realizado em três semanas. Na última, Bergmann participa de uma sabatina com os alunos, uma espécie de entrevista coletiva, na qual responde perguntas sobre a sala de aula invertida. Essa será a terceira edição do curso (outras duas turmas foram realizadas em 2013 e 2014).