8 temas importantes para a escola em 2023
O que a escola precisa oferecer para melhorar a aprendizagem e fazer sentido para estudantes
por Redação 10 de fevereiro de 2023
Recuperar, recompor e retomar foram verbos que passaram a fazer parte da rotina da educação. Em 2023, a escola que busca fazer a diferença na vida de seus estudantes e promover aprendizagens significativas, conectadas ao mundo ao seu redor, precisa implementar novas práticas e garantir direitos.
As recentes mudanças curriculares sinalizam a integração de áreas, pedem maior coesão interna entre as diferentes equipes escolares e trabalho colaborativo entre professores. Isso até era algo que antes da pandemia poderia nos planos da gestão escolar, porém agora ganhou ares de necessidade.
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Em paralelo a isso, o conjunto de escolas públicas clama por maiores investimentos em infraestrutura e condições logísticas para implementar estratégias de recomposição de aprendizagem, como mostrou pesquisa da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação), com apoio do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e Itaú Social. Transporte, alimentação e conectividade nas escolas são agendas urgentes.
Consciente de que esses desafios não serão superados no primeiro mês letivo de 2023, o Porvir convida o leitor a acompanhar a evolução do debate em torno de oito grandes temas que estarão presentes com maior frequência nos conteúdos produzidos ao longo do ano.
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1) Protagonismo do estudante
Romper com um aprendizado passivo, mesmo quando a tecnologia está presente, é essencial para começar a mudar a maneira com que se aprende. Em segundo lugar, ter à disposição um currículo que, além de apresentar novos conhecimentos reforça o desenvolvimento de habilidades, precisa estar no topo da lista de lideranças escolares e de secretarias de ensino. É assim que o Porvir acredita que a escola pode encontrar um caminho para se conectar cada vez mais aos estudantes.
“A escola é território potente e importantíssimo para que estudantes desenvolvam competências para protagonizarem a própria história, transformar a realidade e exercer a cidadania ativa”, afirma Cris Stefanelli, coordenadora de projetos da Fundação Educar.
Segundo ela, construir caminhos e oferecer condições para a promoção da autonomia passa pelo acreditar na potência dos estudantes – com olhar apreciativo e entusiasmado. E mais: “É pelo construir espaços de diálogo e participação; por proporcionar oportunidades para a conexão com a vida real, a resolução de problemas e a tomada de decisões. Ser a escola que é ponte para grandes possibilidades.”
➡️ Protagonismo do estudante ganha força quando refletido no currículo
2) Metodologias ativas
Preparar o estudante de hoje para entender o mundo ao seu redor não é uma tarefa que vai ser resolvida do jeito que a escola sempre foi e sempre se comportou. É preciso encontrar metodologias que proporcionem o protagonismo e ofereçam ao professor maneiras acolhedoras e eficientes de alcançar os diferentes ritmos de aprendizagem, sem deixar ninguém para trás.
Tal tarefa somente será possível com professores bem formados capazes de entender em quais momentos do currículo a diversificação é necessária para superar dificuldades comuns a toda a turma ou específicas de cada estudante.
Fazer do jeito que sempre foi feito não é uma abordagem capaz de dar conta do cenário tão assimétrico entre os níveis de aprendizagem de uma mesma turma após a pandemia. As avaliações de larga escala precisam estar alinhadas às avaliações formativas, que trazem informações mais ágeis sobre a situação de cada aluno e permitem intervenções rápidas.
E o que pode ser feito no curto prazo? É abrir espaço para o registro de práticas pedagógicas mesmo quando o estudante considera que não está tudo pronto, à autoavaliação e à avaliação por pares. Desta forma, o professor consegue avaliar as habilidades desenvolvidas, não desenvolvidas e em desenvolvimento, para intervir com maior certeza do que em uma prova ao final do bimestre. Como já demonstrou a educadora Heloize Charret em artigo para o Porvir, avaliar significa manter uma postura constante de coleta de dados variados (procedimentais, factuais e atitudinais) sobre o desenvolvimento dos estudantes para a tomada de decisão.
3) Educação antirracista
Superar as lacunas já conhecidas e ampliadas pela pandemia da Covid-19 implica atuar decisivamente contra a desigualdade racial do sistema educacional. Esse trabalho passa diretamente pelo reconhecimento de uma série de atitudes e posturas presentes no cotidiano da escola que evidenciam o racismo estrutural da nossa sociedade.
Grupo populacional que mais sofreu com a pandemia, que mais teve dificuldades em ter acesso à tecnologia e que mais abandona a escola, estudantes negros precisam contar uma escola na qual se sintam pertencentes e consigam não só ter acesso à educação, mas a uma educação de qualidade.
“A educação antirracista deveria ser parte intrínseca do currículo em todos os anos, entretanto, nosso histórico apagou essa possibilidade, tornando necessário um esforço do educador para que o tema entre de fato nas escolas”, diz Suzane Jardim, professora e historiadora especializada em questão racial.
Ela argumenta que, quando o tema não é tratado na escola, o estudante sai perdendo. “Estamos prejudicando nossos alunos, que terão dificuldades de se posicionar e se colocar diante da presença da questão no cotidiano, seja nas redes sociais, nos jornais, nas discussões em família e até mesmo em avaliações como o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que tem buscado trazer fragmentos da questão nos temas de história, por exemplo”.
Qualificar o debate em sala de aula depende da superação de antigas maneiras diante do racismo, segundo a educadora. A realidade mostra como é errada a lógica da democracia racial, na qual “somos todos humanos” e “não vemos cores”. Isso silencia o tema, diz Suzane, e torna o professor inapto para debater educação antirracista de um modo aberto que promova consciência em vez de promover mais silêncio.
Já Nilma Lino Gomes, educadora e ex-ministra das Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, comenta que o tema precisa estar mais presente a partir de políticas públicas. “Penso que é importante retomar as políticas do Ministério da Educação com editais de pesquisas que visem o estado da arte da educação antirracista no Brasil e práticas pedagógicas em educação antirracista, bem como apoio à realização de seminários nacionais, estaduais e locais.
Em outro nível, Nilma menciona que também é importante que estados, municípios e universidades construam cursos de especialização, aperfeiçoamento e programas de extensão voltados para a formação em serviço de docentes de escolas públicas e privadas sobre escola democrática e educação antirracista.
➡️Jogo da Lei 10.639 ajuda educadores a promoverem uma educação antirracista
4) Tecnologia
As tecnologias digitais são cada vez mais presentes em nossas vidas e, por isso, precisam ser abordadas nas escolas. Para integrar esses recursos de forma crítica e significativa na sala de aula, no entanto, é necessário que educadores tenham suas competências digitais desenvolvidas.
Diretora da consultoria educacional Redesenho Edu, Julci Rocha, também doutoranda em tecnologias da inteligência e design digital pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), ressalta é fundamental que, neste cenário, escolas e redes criem oportunidades para que educadores tenham suas competências digitais desenvolvidas e consigam integrar esses recursos de forma crítica e significativa na sala de aula.
“É importante que a formação vá além do treinamento em ferramentas específicas e inclua o desenvolvimento de competências digitais. Sem isso, corremos o risco de prejudicar os estudantes, que poderão ter dificuldades para fazer um uso adequado das tecnologias digitais. Na educação, um uso acrítico pode impedir que os professores aproveitem os recursos digitais para melhorar o ensino e o desenvolvimento integral dos estudantes”, afirma.
Se você acompanha o noticiário de tecnologia nas últimas semanas, sabe que sistemas de inteligência artificial deram um grande salto. O ChatGPT, que imita conversas com o usuário, estará no buscador Bing, da Microsoft, enquanto o Google também terá um recurso semelhante integrado.
“Um recurso como esse pode colocar alguns educadores e escolas em um lugar de desconforto, caso atuem em um modelo mais transmissivo e não no desenvolvimento integral dos estudantes. Por isso, reforço que a grande tendência, para mim, deve ser oferecer oportunidades de desenvolvimento dos educadores (e licenciandos) que efetivamente tenham foco nas competências digitais e na transformação do modelo de ensino-aprendizagem”, diz a especialista.
➡️ ChatGPT: inteligência artificial bate à porta da escola. E agora?
5) Projeto de Vida
O esforço de resgatar o interesse dos estudantes pela escola demanda apoio para que eles consigam traçar objetivos pessoais de forma estruturada. Samuel Andrade, educador e líder da frente de materiais pedagógicos do Instituto iungo, diz que o desenho de um projeto de vida é mais complexo que estabelecer resoluções de início de ano.
“Construir projetos de vida é um exercício constante de olhar para si, para um contexto em transformação, para as relações pessoais e sociais, e sobre como se entender dentro desse novelo de relações”, afirma. Samuel afirma que, após tantas mudanças e dificuldades impostas pela pandemia, “é importante que na escola sejam pautadas aprendizagens que provoquem e apoiem os estudantes para a compreensão da complexidade desses fatores é um importante aspecto do porquê ter Projeto de Vida como tema prioritário”.
O trabalho com este componente também está relacionado com a construção de valores coletivos. “A BNCC (Base Nacional Comum Curricular), por exemplo, fala de princípios democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. Algumas perguntas surgem como chave para reflexão em nossas práticas como educadores: quais valores queremos compartilhar, fortalecer e construir com nossos alunos em 2023? Como podemos relacionar esses valores com outras aprendizagens pautadas pela escola?”, questiona Samuel. Após um primeiro ano de implementação de mudanças no ensino médio, ele vê o trabalho com projetos de vida nas escolas ampliado ou consolidado, tanto pelo componente específico quanto pelo trabalho transversal a todo o percurso de escolarização dos estudantes.
➡️ Como fazer um bom plano de aula de Projeto de Vida
6) Inclusão e diversidade
Com a volta às aulas, a diversidade – característica da natureza humana – se faz mais presente, destaca a socióloga Marta Gil, fundadora e coordenadora-executiva do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas. Para ela, a inclusão é muito mais do que importante, é um direito constitucional. E o que esperar do ano letivo? “Chegam à escola alunos com deficiência ou outras condições em maior número, crianças sem deficiência, mas que não exercitaram seus músculos por ficarem nas telinhas, há o aumento da expectativa dos pais para ‘recuperar o tempo perdido’ e, talvez, a própria expectativa dos professores em relação à sua atuação”, afirma.
Para Marta, uma das especialistas mais renomadas em educação no Brasil, não se trata de recuperar a aprendizagem, mas sim de recompô-la, aplicando estratégias que visam minimizar as desigualdades, por qualquer razão. “A educação inclusiva tem muito a oferecer, com suas estratégias que concretizam os conceitos e estimulam a participação ativa. Diversidade e inclusão beneficiam a todos: alunos com e sem deficiência e a equipe educacional”.
Para os estudantes, Marta deixa uma dica: “Ao preparar a mochila, material escolar, uniforme e tênis, que tal levar também a vontade de conhecer colegas que podem parecer diferentes – pela cor de sua pele, pelo sotaque ou por ter uma característica diferente da sua: podem não enxergar ou ouvir; podem se movimentar do jeito deles, precisar de mais tempo para aprender ou de vez em quando ter uma reação diferente da sua – e está tudo bem. Todos nós somos diferentes. Todos nós podemos aprender cada um do seu jeito e no seu tempo”.
➡️ Educação inclusiva é educação para todos
7) Educação climática
A escola é extremamente importante para ajudar a compreender que o clima definirá o futuro, influenciando o que cada um vai comer, onde trabalhará e o que será discutido. “Tudo o que você fará estará relacionado ao clima”, disse Matthew Shirts, jornalista autor do livro “Emergência Climática” em entrevista recente. Uma educação que se preocupe com o mundo real, portanto, precisa colocar o tema de mudanças climáticas entre suas prioridades.
E nesse trabalho de conexão à realidade dos estudantes, existe uma ligação entre o impacto da crise climática, justiça social a população negra, maioria entre os mais pobres. Marina Marçal, advogada, ecofeminista e especialista em política climática, ciências jurídicas e sociais, gênero e relações étnico-raciais.
“Sabendo que a nossa população é majoritariamente composta por negros e mulheres, as pessoas mais afetadas pela mudança do clima têm raça e gênero bem definidos e se encontram na base da pirâmide social brasileira. Se não avançarmos no ensino da educação climática em todos os níveis da educação, sofreremos as consequências desta escolha, aumentando o número de doentes, de pessoas em situação de migração e até mesmo o número de mortes causadas por grandes catástrofes.”
Marina lembra que, de acordo com a Constituição Federal, todos temos direito a um meio ambiente equilibrado. “O Brasil é o primeiro país da América Latina a ter uma Política Nacional de Educação Ambiental, estabelecida pela lei federal 9795/1999, que afirma que todo indivíduo tem o direito à educação ambiental formal e não-formal em todos os níveis e modalidades de ensino”. Não se trata, portanto, de radicalizar o discurso, porque o alarme soa em diferentes cantos do país.
Mathaus Torres, secretário-executivo da Em Movimento, instituição que desenvolve pesquisas para fortalecer o campo das juventudes com dados e evidências, considera que o tema da educação climática deve estar presente na escola para que crianças e adolescentes possam entender seu papel diante da crise e, a partir disso, conseguir desenvolver o senso crítico e fazer boas escolhas nas eleições, lutar por um mundo mais justo e sustentável.
“A educação climática é um tema que está no nosso dia a dia, seja para um jovem que more no interior da Bahia e está vivenciando um alagamento por um ciclo de chuvas inesperado, seja um jovem que está no Norte Global, passando por situações de frio extremo no Canadá. As pandemias também nos ensinaram que, pelos estudos, pelos dados, elas podem ocorrer, cada vez com mais frequência, por causa das mudanças climáticas.
Com todos esses argumentos, a educação climática pode ser o fio condutor de atividades interdisciplinares, sendo trabalhada em diferentes aspectos por professores de ciências, matemática, história, geografia, português, física, inglês…
8) Educação socioemocional
A pandemia mostrou que trabalhar somente a questão das competências – que normalmente são chamadas de cognitivas – não dá conta de preparar um estudante para viver e conviver na contemporaneidade. Silvia Lima, gerente de projetos em formação de educadores no Instituto Ayrton Senna, defende um olhar para múltiplas dimensões que precisam ser formadas.
Tendo a família como parceira, a escola precisa realizar um trabalho intencional que olhe e que desenvolva de forma muito estratégica essas múltiplas dimensões desses estudantes, sendo alguém que aprende, que tem afeto e que é afetado, alguém que tem a sua religião e sua crença, que tem a sua história e que precisa ser valorizado. “É olhar para esse indivíduo e pensar no desenvolvimento pleno que se dá via educação integral”.
Por meio de atividades colaborativas, Silvia afirma que a escola pode atuar contra situações de bullying e violência. “O trabalho da escola é educativo e preventivo, fortalecendo essas competências que se dão por meio do convívio com os outros”.
➡️ Conheça as 10 competências gerais da BNCC